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Quarta-feira, Abril 23, 2025

Know Nothing Party

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

O regresso de Trump à presidência dos Estados Unidos, está, muito mais que o seu desempenho durante o primeiro mandato, a chamar a atenção para o formato peculiar da instituição presidencial americana, que viria a ser copiada por outros países, designadamente na América Latina.

Referia André Maurois na sua História dos Estados Unidos(i), num capítulo em a título de introdução se debruça sobre o Século XIX e o princípio do Século XX refere-se deste modo ao presidente:

Eleito directamente pelo povo, ele é simultaneamente, diria um inglês, o rei e o primeiro-ministro; foi plebiscitado como um Bonaparte, diria um francês; o presidente possui, durante a duração do seu mandato, THE DIVINE RIGHT TO GOVERN WRONG (o direito divino de governar mal) mesmo se o seu partido sai vencido das eleições e está em minoria no Congresso. Porém, ele próprio deve respeitar a regra do jogo, O sistema americano permite de facto um sábio equilíbrio dos poderes. O presidente tem o direito de veto; o Congresso dirige o orçamento e pode passar por cima do veto presidencial mercê de uma maioria de dois terços; o acordo do Senado é necessário para aprovar os tratados e as nomeações para os cargos importantes; o Supremo Tribunal é o mais poderoso dos obstáculos, uma vez que as suas decisões são inapeláveis.

Não se pode dizer, contudo, que Trump, e até os republicanos no seu conjunto, estejam a respeitar a regra do jogo. A sucessão de presidentes republicanos e democratas deveria permitir ir equilibrando a composição do Supremo Tribunal, mas uma nomeação feita por Obama foi bloqueada e Trump, no primeiro mandato, aproveitou a seguir as suas oportunidades. Biden veio a ter problemas com o Supremo Tribunal e Trump, no novo mandato, espera ser protegido por este, como já o foi no período a seguir ao primeiro mandato em processos que tinha pendentes, podendo contar com que os juízes dos tribunais federais inferiores que se lhe oponham sejam desautorizados pelo Supremo. Entretanto está a tentar que a Câmara dos Representantes decrete o impeachment de juízes federais que estejam a bloquear decisões presidenciais, controla estreitamente os serviços da Attorney General(ii), afasta os advogados destes que litigaram contra si e até consegue intimidar alguns dos grandes escritórios privados.

Aliás Trump controla muito mais os membros do Gabinete por si nomeados que no primeiro mandato, tendo escolhido muitos destes – tal como os seus representantes diplomáticos e enviados especiais – entre conhecidos pessoais, e estando a controlar muito mais tanto o partido republicano como os membros republicanos da Câmara, assim como quer controlar os serviços, por exemplo na área da Saúde, do Clima, da Investigação Científica e das Forçar Armadas, e das próprias Universidades. Não se trata apenas de abrir caminho a desregulamentações que beneficiam os grandes interesses económicos, quer-se também impedir o acesso ou a própria produção de informação que possa ser utilizada pelo público. Não tendo ilusões quanto à credibilidade que merece, quer impedir que esta possa ser aferida por outros.

Há um aspecto em que os poderes presidenciais americanos incorporam prerrogativas que tradicionalmente pertenciam aos reis, e que nos E.U.A. têm sido usados e abusados sem que a sua utilização seja impugnada na Justiça. Refiro-me ao direito de perdoar criminosos, o que aqui tem sido muito utilizado, sobretudo em fim de mandato, para perdoar gente para quem o presidente cessante tem dívidas de ordem política. Trump fê-lo o início do primeiro mandato e ao “inaugurar” o actual perdoou os cúmplices condenados pela invasão do Capitólio em Janeiro de 2021. Biden decidiu-se a perdoar o filho e um conjunto de titulares de cargos políticos, republicanos e democratas, e de altos cargos públicos que Trump ameaçava perseguir depois de tomar posse. Nenhum chefe do Estado europeu se prestou a fazer figuras deste género.

A fomento do ódio aos estrangeiros, designadamente aos imigrantes, como arma política foi muito notável no primeiro mandato de Trump, na sua campanha eleitoral, e está a sê-lo no início deste segundo mandato.

No seu livro André Maurois assinala que em meados do século XIX suscitou alguma discussão a vinda de imigrantes europeus de países tal como a Irlanda, a Alemanha e a Polónia, predominantemente católicos. Para uma visão mais directamente política do fenómeno prefiro transcrever um excerto de A Autópsia dos Estados Unidos, da autoria do alemão L.L. Mathias, cuja primeira edição foi publicada em 1953 que li em tradução julgo que do final dos anos 1960 pela Editora Ulisseia(iii):

Sob o mandato do segundo presidente, John Adams, o prazo de residência necessário para obter a naturalização foi prolongado até catorze anos; um determinado grupo que se intitulava sob o nome significativo de “nativista” era mesmo de opinião que esse prazo era insuficiente e reclamava que fosse elevado para vinte e um anos. Esses nativistas não eram um punhado de sectários políticos, pois que, desde as primeiras eleições em Nova Iorque, recolheram nove mil votos num total de vinte e três mil. Tinham escolhido tão bem a sua palavra de ordem que, depois, todo o movimento político que reclama para si o mesmo princípio está seguro de reunir uma grande parte da população. Nisso reside a razão do êxito da A.P. A., a American Protection Association, ou do movimento “ignorantin” dos KNOW NOTHING e sobretudo do Ku-Klux-Klan, o qual era dirigido não apenas contra os negros, mas de uma maneira geral contra todos os estrangeiros.

Compulsando The Presidents of the United States of America, 6ª edição, 2ª impressão, 1975, publicado pela The White House Historical Association, encontramos uma referência a um ex-Presidente, Millard Fillmore (1850-1853), que fora Vice-Presidente de Zachary Taylor, tendo sido promotor de um compromisso entre estados sobre a introdução ou não da escravatura nos Estados do Oeste, se candidatara em 1956 por um Know Nothing Party ou American Party sem conseguir ser eleito. A referência ao Know Nothing Party consta também de George de Washington a Bush, a História dos 43 Presidentes 1979-2008, da autoria de Rita Ibérico Nogueira e Fernando Sobral.

Um artigo na Britânica explica que este movimento nativista predominantemente anti – católico cresceu a partir de 1850, atingindo 43 membros no Congresso que se reuniu em Dezembro de 1855, caindo para 12 no ano seguinte. Millard Fillmore conseguiria apenas ganhar no estado de Maryland.

A Wikipedia em língua inglesa contém numerosos dados sobre a implantação do Know Nothing Party.

Millard Fillmore

Movimento ignorantin como refere A Autópsia dos Estados Unidos?(iv) Uma explicação para o nome Know Nothing será a de que o movimento recomendava aos seus membros que quando inquiridos por outras pessoas sobre o tema, dissessem nada conhecer, mas esta qualificação de L.L. Mathias sugere uma postura anti-intelectual que se mantém em outras versões nativistas que substituem o desprezo pelos europeus católicos, pelo desprezo pelos amarelos que nas décadas seguintes começaram a surgiu nos EUA ou pelos índios hispanizados da América Central cuja entrada Trump tem procurado impedir ou cuja deportação está a tentar promover. O desprezo pela ciência, pela cooperação sobre o clima, pelo intercâmbio em matéria de saúde também sugerem esta postura. Aliás alguns dos materiais publicados fazem uma aproximação entre os Know Nothing do século XIX e o trumpismo.

 

Notas

(i) Integrada na Histoire Paralèle des États Unis et de L´Union Soviétique, 1963, editada em Portugal em tradução pelas Publicações Europa América

(ii) Depois de ter tentado nomear Attorney General um presumível criminoso.

(iii) Curiosamente o livro não se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal embora o meu professor de inglês no Liceu Padre António Vieira lhe tenha feito referência em aula.

(iv) L.L. Mathias não explica a sua qualificação. A sua crítica ao desenvolvimento dos E.U.A. tem a ver com considerar os seus padrões como reflectindo as preocupações de uma acquisitive society com perda da referência a uma hierarquia social, vigente na Europa.

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