Boa parte da historiografia destacou o pequeno impacto das leis do Ventre Livre e dos Sexagenários, mas tais avaliações têm sido revistas por pesquisas que privilegiam as questões jurídicas.
Em 28 de setembro de 1871, há 150 anos, foi promulgada a Lei Nº 2.040, a Lei do Ventre Livre – que concedia alforria às crianças nascidas de mulheres escravizadas no Império do Brasil a partir daquela data. Por ter sido sancionada pelo presidente do Conselho de Ministro, José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, a lei ficou conhecida como Lei Rio Branco.
O projeto foi aprovado na Câmara Federal com 65 votos a favor e 45 contrários. A maior parte dos votos contrários estava entre os cafeicultores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que concentravam boa parte dos escravos no Brasil à época.
A lei discorria nos artigos 1º e 2º sobre a criação e o tratamento das crianças. Até os 8 anos, os senhores seriam obrigados a criá-los e a tratá-los; depois dessa idade, tinham a opção de escolher entre receber do Estado uma indenização ou usarem o trabalho dos menores até eles alcançarem a idade de 21 anos.
O artigo 3º criava um Fundo de Emancipação nas províncias para a compra da liberdade de escravos. O fundo seria mantido por impostos, doações, loterias e multas impostas pela infração da própria lei.
O artigo 4º reconhecia o direito à formação de um pecúlio, fruto de heranças, doações ou do seu próprio trabalho se aceito por seu senhor. Garantia ainda o direito do escravo à alforria, se tivesse meios para a indenização, independente da vontade senhorial; não havendo acordo sobre seu valor, seria feito um arbitramento.
A lei proibia a separação dos cônjuges e de seus filhos menores de 12 anos. O artigo 6º libertava os escravos que pertenciam ao Estado e os de usufruto da Coroa.
Por fim, a lei estabeleceu que o governo deveria organizar uma matrícula geral de todos os escravos do Império, com declaração do nome, sexo, estado, ofício e filiação. Graças a este dispositivo da lei, produziu-se uma rica documentação para os estudos sobre escravidão e demografia histórica.
A Lei do Ventre Livre foi um marco no processo abolicionista. As discussões emancipacionistas ganharam força a partir de 1850 e muitos projetos para liberalizar a escravidão foram apresentados na Câmara dos Deputados.
O Brasil foi o último país independente da América a abolir a escravidão. O primeiro a extingui-la foi o Haiti, em 1803. Por volta de 1860, a maioria dos países independentes da América já tinha realizado a abolição da escravidão.
Desdobramentos
Em 28 de setembro de 1885, foi promulgada a Lei Nº 3.270, a Lei dos Sexagenários, que libertava os escravos do Brasil com 60 anos de idade ou mais. Essa legislação ficou conhecida também como Lei Saraiva-Cotegipe em referência aos dois chefes de gabinete ministerial do Império, o liberal Conselheiro Saraiva e o conservador Barão de Cotegipe, que deram apoio à medida.
Conforme a lei, cabia aos proprietários de escravos uma indenização – que deveria ser paga pelo próprio liberto. Este era obrigado a prestar serviços ao seu ex-senhor por mais três anos ou até completar 65 anos de idade.
A lei sinalizava ainda a perspectiva de 13 anos para a libertação final de todos os escravos através do fundo de emancipação, conforme tabela de redução progressiva do valor da indenização. Transformava em crime passível de prisão dar abrigo a escravo fugido – medida que visava conter a radicalização do movimento abolicionista.
Boa parte da historiografia destacou o pequeno impacto das leis do Ventre Livre (1871) e dos Sexagenários (1885), pois os libertos estavam sujeitos à prestação de serviço aos seus antigos senhores. Desse ponto de vista, ninguém teria sido efetivamente libertado por aquelas leis que foram mais simbólicas no declínio da escravidão.
Tais avaliações têm sido revistas por pesquisas que privilegiam as questões jurídicas atreladas àquelas leis. O direito ao pecúlio e a autocompra que foram estabelecidos em 1871 aumentaram expressivamente o número de alforrias. A fixação de um preço máximo por faixa etária, na lei de 1885, tornou-se referência para a indenização dos proprietários e foi usada favoravelmente pelos escravos em seus pedidos de liberdade.
Escravidão em crise
Àquela altura, a escravidão estava desmoronando na maior parte do País e se restringia a pouquíssimas províncias cafeeiras de São Paulo e Minas Gerais. A partir de 1880, era significativo o número de cidades e regiões que não possuíam mais escravos. No Ceará e no Amazonas, a escravidão havia sido extinta em 1884.
Politicamente, os republicanos e muitos conservadores se posicionaram a favor da abolição imediata, rompendo com a unidade antiabolicionista dos cafeicultores. Cresciam as fugas em massa – os proprietários já não podiam contar com o Exército para capturar os escravos fugidos. Desde outubro de 1887, os oficiais reunidos no clube militar recusaram-se a agir como “capitães-do-mato”.
Os Caifazes, abolicionistas liderados por Antônio Bento, promoviam a fuga dos escravos, perseguiam os capitães-do-mato e ameaçavam os senhores escravistas. A polícia de São Paulo, nos últimos anos da escravidão, também não mais recapturava escravos fugidos.
Os próprios escravos contribuíram para acelerar a abolição buscando sua liberdade das mais variadas formas: através da formação de pecúlio e da autocompra regulamentada em lei desde 1871, da alforria forçada; das ações cíveis de liberdade; da ocupação de terras; da participação no movimento abolicionista e, finalmente, das fugas.
Com isso, o número de escravos despencava. Em 1817, segundo estimativa de Perdigão Malheiros, os escravos somavam 1,93 milhão de pessoas, metade da população brasileira. Em 1874, eram 1.540.829 escravos – apenas 15,8% do País. Em 1887, segundo o Relatório do Ministério da Agricultura, restavam 723.419 indivíduos legalmente escravizados, menos de 5% da população.
A Lei Áurea
Foi assim que, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, regente do Império sancionou o Projeto de Lei Nº 3.353, extinguindo a escravidão no Brasil. Tendo sido assinada com uma pena de ouro, ganhou o nome Lei Áurea.
O projeto tramitou com rapidez. No início de março de 1888, foi enviado pelo presidente do Conselho, o conservador João Alfredo, para discussão no Legislativo. Na Fala do Trono, quando a princesa Isabel abriu os trabalhos legislativos do ano, apelou para a eliminação da escravidão no Brasil.
Em 8 de maio, o projeto foi discutido na Câmara. Constituído de apenas dois artigos, ele previa a abolição imediata sem indenização. Os debates atraíram multidões que lotaram a galeria e a rua. Aprovado, o projeto chegou ao Senado em 11 de maio.
Os senadores escravocratas pouco puderam fazer, além de criticar a falta de indenizações – o que, na perspectiva elitista deles, feria o direito de propriedade. Com apenas um voto contrário, o projeto foi aprovado em 13 de maio e, no mesmo dia, enviado à sanção imperial. Como o imperador D. Pedro II estava na Europa, em tratamento de saúde, a Princesa Isabel o assinou.
A rapidez com que o projeto foi aprovado na Câmara e no Senado se explica pela mudança do cenário social e político do Brasil. O projeto da Lei Áurea foi decorrência de pressões internas e externas: em 1888, o movimento abolicionista já possuía uma grande força e apoio popular no país. A Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários foram decisivas para a abolição.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado