(1931 – 2016)
Lutadora antifascista e feminista, advogada e poetisa, tornou-se conhecida pela sua actividade na defesa dos direitos das mulheres e, durante o fascismo, destacou-se como advogada de presos políticos nos Tribunais Plenários.
Mulher calorosa e de grande generosidade.
Lutadora antifascista e feminista
Marília Viegas (Lia) nasceu em Faro em 5 de Abril de 1931, e morreu na mesma cidade em 27 de Dezembro de 2016.
Licenciou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa e exerceu notariado e advocacia em Macau, Angola e Lisboa.
Foi uma das raras mulheres que durante o regime do Estado Novo, corajosamente, aceitou defender presos políticos nos tribunais plenários[1].
Ao longo da vida defendeu gratuitamente muitas dezenas de mulheres que necessitavam de apoio jurídico para fazer valer os seus direitos[2].
Nos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, participou activamente nos movimentos de despenalização do aborto, quando este era ilegal e ocorria de forma clandestina, provocando a morte ou problemas de saúde graves em muitas mulheres.
Defensora dos direitos das mulheres
Um dos momentos mais marcantes do percurso de Lia Viegas foi a sua participação como advogada de defesa de Maria Antónia Palla num julgamento, em 1979. Esta jornalista enfrentou um processo-crime na sequência da transmissão pela RTP, em Maio de 1976, de um programa da sua autoria sobre o aborto e Lia Viegas aceitou defendê-la[3]. O processo contra a jornalista atravessou fronteiras, o julgamento gerou um forte movimento de solidariedade e Maria Antónia Palla foi absolvida, em Junho de 1979.
Nesta notícia de A Capital sobre o julgamento lê-se:
“Maria Antónia Palla é defendida pela drª Lia Viegas (…)”.
Edição de 26 de maio de 1979
ARQUIVO A CAPITAL
Enquanto activista feminista, Lia Viegas foi uma das fundadoras do Movimento de Libertação das Mulheres (MLM), teve actividade no Movimento Democrático das Mulheres (MDM)[4] e, mais tarde, pertenceu à União das Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). É autora do livro “A Constituição e a Condição da Mulher”, publicado um ano depois do 25 de Abril de 1974.
Advogada e poetisa
Cedo se interessou pela Literatura, tendo escrito o seu primeiro poema aos 16 anos. Em 1954 foi incluída na Antologia Prémio Almeida Garrett, do Ateneu Comercial do Porto. Colaborou em diversos jornais e revista literárias, nomeadamente no suplemento Artes e Letras do Diário de Notícias. Em 1975 publicou uma monografia sobre A Constituição e a Condição da Mulher.
Além da advocacia, da actividade política e como feminista, é autora de vários livros de poesia. Foi também colaboradora de diversos jornais e revistas, entre os quais o suplemento “Artes e Letras” do “Diário de Lisboa” e a revista “Mulheres” (títulos já desaparecidos).
Poesia
Obras de poesia:
- Náufragos na Ilha, Editora Soc. Expansão Cultural, 1971;
- A Pulso o Horizonte, Editora Ulmeiro, 1985;
- Árvore de Fogo, Hugin Editores, 2001
Ai de mim minhas mãos revolvem a terra que dá pão
Ai de mim minhas mãos revolvem a terra que dá pão
Estou comprometida desde o início
Voluntariamente enlaçada na cadeia de montagem
A compasso a horário a calendário
“Robot” manipulado com esforço
Ai de mim ouço
A passarada cujo destino é o céu
Dentro de mim rasgando cegamente
Os caminhos com se houvesse
Possível prometida permitida
Uma porta que desse
Para o infinito
Lia Viegas
In, Náufragos na Ilha
Marília Viegas foi das raras mulheres que defenderam presos políticos nos Tribunais Plenários fascistas, durante a ditadura do Estado Novo. Em Janeiro de 2014, os cerca de 150 abnegados advogados foram homenageados por iniciativa Movimento Não Apaguem a Memória (NAM), em sessão na Assembleia da República . Marília Viegas colaborou na organização dessa iniciativa”
Foi uma mulher extraordinária na defesa dos direitos das mulheres, tendo dado apoio jurídico em muitos casos de forma gratuita”
Manuela Tavares, que a entrevistou para o seu livro sobre o movimento feminista em Portugal “Feminismos: Percursos e Desafios”.
[3] Numa série de programas feita em parceria com a jornalista Antónia de Sousa, “Nome-Mulher”, o episódio dedicado à questão do aborto defendendo a sua legalização, levou Maria Antónia Palla a julgamento.
As reacções não se fizeram esperar por parte da Ordem dos Médicos e das forças mais conservadoras (…) Foi instaurado um processo crime e o início do julgamento veio a verificar-se em maio de 1979”
Maria Antónia Palla, em testemunho a Manuela Goucha Soares , fala de LV como uma mulher extremamente generosa e recorda que o advogado que a assistia desistira na véspera da primeira audiência e que, em choque, ela fora aconselhada a contactar LV, pois que só uma mulher iria defendê-la num caso como aquele. LV aceitou de imediato.
[4] Lia Viegas foi membro do Conselho Nacional do Movimento Democrático das Mulheres (MDM), eleita em 1977, reeleita em 1980 e em 1984.
Dados biográficos
- Manuela Goucha Soares, in Expresso, Morreu Lia Viegas
- Sul Informação: Morreu Lia Viegas, advogada e defensora dos direitos das mulheres
- Fernando R. Luís, em Ciclo de Poetas Algarvios nº 18: Lia Viegas
- Feminismos: Percursos e Desafios (1947-2007), Manuela Tavares. Lisboa, 2011.Texto Ed.