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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Líbia, mais uma guerra por procuração

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

O caos na Líbia culmina com massacre de drones que vitimou cadetes líbios e avanços relevantes dos rebeldes. Estas mortes não mereceram a repulsa internacional.

Mas surgem temores de que o governo apoiado pela ONU esteja incapacitado, uma vez que um território chave caiu nas mãos do Exército Nacional da Líbia.

De facto o porta-voz do Exército Nacional da Líbia, Ahmed al-Mismari, anunciou a apreensão da cidade de Sirte correndo fortes rumores de que a cidade vizinha de Misrata, crítica para a sobrevivência do governo de Tripoli, caia em seguida.

Fayez al-Sarraj

O ataque que se prolonga há nove meses ao governo líbio criado em 17 de dezembro de 2015, governo apoiado pela ONU, e liderado pelo primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, 59 anos, culmina com o governo de Tripoli a sofrer a perda de um território costeiro considerado essencial para os rebeldes, e sem apoio internacional que não fez nem tuz nem muz a um dito ataque de drone que massacrou 30 de seus cadetes militares.

A Rússia e os Emiratos Árabes Unidos continuam a fazer chegar armas ao país em apoio às forças rebeldes do Exército Nacional da Líbia, lideradas pelo general Khalifa Haftar.

O Exército Nacional Líbio é um fação armada anti-islamista aglomerada em 2014 com milícias líbias da zona oriental do País, com o Conselho Militar Revolucionário Zintane, o Conselho Revolucionário de Tripoli, a Brigada Qa’qa, a Brigada al-Madani e a Brigada Sawa’iqa) e não é reconhecido internacionalmente. Apresenta-se como continuador da tradição e disciplina do Exército de Libertação Nacional da Líbia, criado na primeira guerra civil líbia de 2011. Ou seja, o Exército Nacional Líbio é uma força paramilitar que inclui forças do Exército de Gaddafi, milícias tribais do leste e mercenários subsarianos. E naturalmente está infiltrado por agentes de serviços secretos dos mais insuspeitos países.

Khalifa Haftar

Comandado pelo General Khalifa Haftar, de 76 anos, que orquestrou uma campanha militar, a”Operação Dignidade”, com o objetivo de liquidar as milícias pró-islâmicas que operam no país, o que deu inicio à Segunda Guerra Civil Líbia. Este exército é dirigido por um órgão legislativo eleito, com capital emTobruk, chamado Câmara dos Representantes da Líbia, que foi reconhecido internacionalmente até outubro de 2015. Haftar alinha com o providencial presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi. Também é apoiado principalmente pelos Emiratos Árabes Unidos. Excelentes recomendações!

Haftar tem uma vida inspirada em filmes de ação ou talvez haja filmes de ação inspirados na sua vida:

Nasceu na cidade líbia de Ajdabiya. Participou do golpe que levou Gaddafi ao poder em 1969. Lutou na Guerra do Yom Kippur de 1973. Em 1987, foi feito prisioneiro de guerra durante a campanha do Chade onde Gaddafi tinha interesses estratégicos. Já preso, ele outros oficiais formaram um grupo para derrubar Gaddafi. Foi libertado em 1990 por acordo com o governo dos Estados Unidos e passou quase duas décadas em Langley, Virgínia, nos EUA, ganhando a cidadania americana. Em 1993, enquanto morava nos Estados Unidos, ele foi condenado à revelia de crimes contra o regime de Gaddafi e condenado à morte.

Como os Emiratos Árabes Unidos se opõem às forças islâmicas, Sirte caiu porque uma brigada salafista mudou de lado para apoiar o Exército Nacional Líbio. Estas mesmas forças moveram-se para oeste de Sirte em direção a Misrata logo após sua vitória na segunda-feira.

Metidos na Líbia estão a França, Alemanha, Itália e Reino Unido. Países europeus incapazes de uma intervenção eficaz para reunir os dois (ou múltiplos) lados bélicos em guerra. A Itália mostra especial determinação em que a questão líbia Líbia não saia da agenda da Europa, sobretudo depois do recrudescimento da crise com o Irão.

A Turquia intromete-se e promete salvar o governo do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj do colapso, enviando tropas turcas. As tropas que seriam enviadas não para combater mas para assegurar um cessar fogo.

O presidente turco, Erdoğan, vai reunir com Vladimir Putin, em Ancara amanhã, 8 de Janeiro, e embora os dois líderes apoiem lados e fações diferentes na guerra civil líbia, têm interesses comuns que podem permitir um entendimento.

Se isso acontecer, a Europa enfrenta a humilhação de ser excluída de qualquer acordo, tal como aconteceu na Síria, ultrapassada que foi pela Turquia, Irão e Rússia.

 Ghassan Salamé, enviado da ONU para a Líbia conversou com diplomatas do Conselho de Segurança da ONU em Nova York, e aos jornalistas reconheceu que nem passo à frente nem passo atrás.

Sem nomear os Emiratos Árabes Unidos, ele disse: “Dezenas de cadetes foram mortos na academia militar, desarmados, completamente desarmados, por um ataque de drone que provavelmente é feito por um país que apoia o Exército de Libertação Líbio.” Vídeos do ataque, mostrando os soldados indefesos a serem martirizados podem ser vistos na Internet.

Os Emiratos Árabes Unidos mantiveram um silêncio clamoroso quanto às acusações.

E assim vai a Líbia que uma coligação internacional quis salvar das garras de Gaddafi!


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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