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Sábado, Novembro 2, 2024

Língua de Camões em Timor-Leste: Quo Vadis?

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

Professor/Formador de Professores Mestre em Educação – Especialização em Supervisão e Orientação Pedagógica (Univ.Lisboa) - Sec Geral do PS Timor

Na maior parte das onze instituições de ensino superior do País, esta é a verdade, ensina-se só em língua indonésia pois os docentes não sabem falar nem escrever português.

Em algumas instituições ensina-se em tétum e em língua indonésia.

Os estabelecimentos que vendem livros de língua portuguesa, apesar de ter havido ligeira melhoria, são escassos, e os livros têm preços proibitivos, um luxo para o bolso da maioria dos estudantes filhos de agricultores pobres e dos professores dispersos pelo País que auferem um salário de miséria, obviamente insuficiente para sustentar as suas numerosas famílias, sendo certo que, por esta e por outras razões, não há nem pode haver hábitos de leitura.

As bibliotecas são escassas e as que existem nas universidades, praticamente, só têm livros em língua indonésia, alguns em inglês e raros em português.

E depois há aqueles que querem trabalhar com qualidade e interesse nacional mas são sistematicamente sabotados por razões mesquinhas, a maior parte das vezes por altos responsáveis que não sabem decidir em matéria de políticas de educação e no que respeita à regulação do funcionamento das instituições de ensino superior.

Um caso paradigmático é ilustrado pela Universidade de Díli (UNDIL).

Preparou-se para abrir este ano um curso de formação inicial de professores de língua portuguesa, elaborou o projecto em conformidade com as exigências da agência de avaliação e acreditação nacional, seleccionou docentes de alto nível científico-pedagógico com bom conhecimento da complexidade da situação linguística e sociolinguística nacional, abriu inscrições, constituiu uma turma, mas após ter solicitado um amparo financeiro insignificante ao Ministério da Educação, nem resposta escrita lhe foi apresentada, tendo-se verbalmente alegado não haver orçamento, note-se, para auxiliar a abertura de um curso de licenciatura de ensino de língua portuguesa (!).

O episódio que relatei, mas outros poderiam ser historiados, espelha a incongruência, as nossas fragilidades, a falta de visão estratégica, e o incumprimento superior da Constituição da RDTL e da Lei de Bases da Educação, porque é o próprio Estado, o mesmo que escolheu como línguas oficiais o tétum e o português, através do Ministério da Educação, a criar resistência à abertura de um curso de formação inicial de professores de língua portuguesa.

Enquanto isso, há vários docentes portugueses sem o devido aproveitamento na Universidade Nacional de Timor Loro´sae (UNTL), enviados pelo Instituto Camões, uma instituição que deixa muito a desejar em matéria de cooperação com Timor-Leste e que parece não entender o excelente trabalho que está a ser realizado pela Embaixada de Portugal em Timor-Leste, pela Escola Portuguesa Ruy Cinatti, bem como pela Fundação Oriente representada no País.

O lamentável estado de coisas que se verifica em Díli só pode significar que vários responsáveis políticos do País da área da educação, e do Instituto Camões, ainda não assimilaram que as políticas de educação superior só serão válidas se reflectirem uma linha orientadora que se baseie no estado actual do desenvolvimento da nossa educação superior e transporte consigo uma visão, uma missão, objectivos e metas que se enquadrem num projecto social globalizante.

Este é o cenário sociolinguístico verificado em Díli, mas, se avançarmos para os Municípios, a complexidade é enorme.

Segundo Cinatti (1987), Thomaz (2002) entre outros autores citados no Atlas de Timor-Leste (2002), existem mais de 35 línguas maternas, e que resultam da «diversidade geográfica da ilha, às guerras internas e à consequente integração de subgrupos em outros grupos étnico-linguísticos».

Tudo isto terá contribuído para a diversidade cultural e linguística do país, pois, é preciso ter em devida atenção que «a ilha de Timor foi, primeiramente, povoada pelos povos Papua, cerca de 7000 a.C., e pelos povos austronésios, aproximadamente 2000 a,C., tendo sido posteriormente abordada por outros povos em migração entre a Ásia e a Austrália e o arquipélago do Pacífico».

escola-timor

 

Há estudos que mostram a evolução das principais línguas maternas de Timor-Leste e que devem ser partilhados para a melhor compreensão desta temática. De acordo com Cinatti (1987), Thomaz (2002) et al, citados no Atlas de Timor-Leste (2002), em 2001 a língua mais falada era o tétum (22.5%), seguindo-se o mambae (20%), o makasai (13%), o búnaq ou búnague (7%) e com menos de 5% o baiqueno, o kêmak, o fatalúku, o tocodede, o uaimoa, o tétum-teric, o kairui, o midiki, o idate, o makalero e o galóli. Entre 1961 e 1975, o mambae era falado por quase 30% da população (Atlas de Timor-Leste, 2012).

Mas há ainda a considerar outras línguas maternas e a já mencionada língua indonésia, importada, falada praticamente em todo o País.

Apesar do artigo 13º da Constituição da RDTL defender que o tétum e o português são as línguas oficiais, o panorama educativo está em situação muito frágil, quer no domínio científico-pedagógico, quer no campo organizacional ou curricular, e parece não haver interesse real em compreender e analisar com “lentes pedagógicas e linguísticas” os programas de formação de professores de língua portuguesa e tentar entender a problemática das políticas linguísticas.

Mas as razões do insucesso também se prendem com o facto de (alguns) professores portugueses que são enviados para o nosso País terem uma perspectiva demasiado redutora da sua missão e cingirem-se à visão euro-cêntrica da nossa realidade linguística, pensando que ensinar a língua portuguesa em Timor-Leste é uma repetição do que se faz em Portugal ou em outros países europeus, esquecendo-se de que o sucesso das aprendizagens depende muito das competências de âmbito alargado onde se inclui o conhecimento sobre as línguas nacionais e sobre as diversidades socio-linguísticas e étnicas locais.

Uma investigadora da Universidade Aberta (Lisboa), Hanna Batoréo, fez um estudo muito interessante sobre a problemática do ensino de português em Timor-Leste. Como não sou um especialista nesta matéria, sinto-me na obrigação de partilhar no Jornal «A Voz Socialista» algumas ideias desta autora que consubstanciam parte do que defendi nesta reflexão educacional.

Para se ensinar português em Timor-Leste de um modo sustentável, diz Batoréo (2007), «antes de mais exige dos agentes de educação oficiais um bom conhecimento (pelo menos passivo) das características linguísticas dos idiomas falados localmente, que pertencem às famílias linguísticas muito distintas do ponto de vista tipológico do Português e das outras línguas conhecidas, faladas e estudadas tradicionalmente na Europa».

Para que o trabalho do professor que vem ensinar português em Timor-Leste seja bem sucedido e atraente para quem deseja aprender, há aspectos linguísticos fundamentais a tomar em consideração, e que são descurados por alguns docentes portugueses (e brasileiros) impreparados.

Efectivamente, aspectos como a «ordem das palavras, o emprego dos tempos verbais, a ausência dos artigos, a forma disjuntiva de construir perguntas, a resposta a perguntas na negativa, as conceptualizações diferentes no funcionamento do sistema quini-decimal, a utilização de empréstimos lexicais de Indonésio no vocabulário técnico são apenas alguns dos fenómenos linguísticos que o professor do Português tem que ser preparado para enfrentar» (Batoréo, 2007).

Por sermos um País católico-cristão, mas ainda agarrado aos credos e valores reais e de origem, não podia deixar de terminar esta reflexão relembrando o que reza o evangelho.

São Pedro ao fugir de Roma com receio de ser torturado cruzou-se com Jesus (ressuscitado) e, muito admirado, perguntou-lhe: «Quo vadis?» (Para onde vais?). Jesus respondeu-lhe: «Roman vado iterum crucifigi» (Vou a Roma para ser Crucificado de novo).

Língua de Camões em Timor-Leste: Quo Vadis?, publicado no nº III – Edição Abril /2016 do Jornal «A Voz Socialista»

Leia a Parte 1/2

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