A nossa avaliação ****
Ira Sachs realizador judeu norte-americano, parece ter uma fixação pelo tema da “gentrificação”, a situação correspondente à substituição dos habitantes menos endinheirados das grandes cidades por outros com maior poder económico. Esse é um tema que entre nós está também na ordem do dia nomeadamente em Lisboa e no Porto onde o “boom” turístico está a retirar muitas pessoas do local onde sempre viveram e a atirá-las para as periferias. O fenómeno alastra por toda a parte.
Há tempos víamos, num documentário, o Arqº Siza Vieira dar conta disso a propósito do edifício ‘Bonjour Tristesse’ o projecto de habitação social que implantou em Berlim em 1984. Os ocupantes originais foram já, quase todos, “expulsos” por jovens arquitectos e profissionais liberais que têm agora o privilégio de habitar um edifício concebido por um dos mais famosos arquitectos mundiais.
O filme brasileiro “Aquarius” de Kleber Mendonça Filho, protagonizado por Sónia Braga, é também uma variação sobre este tema: uma mulher que vive num edifício antigo na Praia da Boa Viagem, na cidade pernambucana de Recife, é pressionada pelo senhorio a abandonar a casa para, no mesmo lugar, ser construído um edifício de luxo.
Ira Sachs
No trabalho anterior de Ira Sachs, o magnífico “O Amor é uma coisa estranha”, há pouco exibido entre nós, um casal de homossexuais tem a ousadia de ao fim de quatro décadas de relação oficializar a sua união pelo casamento. Um deles perde de imediato o emprego e ficam sem possibilidade de continuar a pagar o aluguer da casa onde vivem.
“Homenzinhos”, Little Men
Em “Homenzinhos”/Little Men o realizador volta a Nova Iorque. A história é simples. Um homem idoso é o proprietário de um edifício no bairro de Brooklyn. Vive no primeiro andar. O rés-do-chão é ocupado por Leonor (Paulina Garcia – melhor actriz em Berlim/2013 com “Gloria”), uma imigrante chilena, separada do marido e com um filho, Tony (Michael Barbieri). Leonor trabalha denodadamente para manter uma modesta loja de vestidos. É ela a pessoa mais próxima do senhorio e o seu principal apoio.
Quando ele morre, o filho, Brian (Greg Kinnear), um actor de pouco sucesso, casado com uma psicoterapeuta e pai de Jack (Theo Taplitz), muda-se de Manhattan para Brooklyn e regressa à casa que habitou na juventude. Com uma situação económica periclitante Brian e a mulher vêem-se obrigados a triplicar o valor do aluguer a pagar pela modista.
Entretanto, entre Tony e Jack, rapazes da mesma idade, vai-se estreitando uma relação de amizade. Partilham “as dores de crescimento” e os sonhos de futuro: um quer vir a ser pintor e o outro actor. Vão viver a experiência dolorosa de um conflito “surdo” entre os adultos, de que são espectadores e vítimas. Um conflito não desejado por ninguém mas inevitável e impiedoso. Este argumento baseia-se em factos reais vividos por Mauricio Zacharias, guionista não só deste filme mas também de “O Amor é uma coisa estranha”.
Todos são vítimas e protagonistas
“Homenzinhos”/Little Men descreve de forma delicada como o ‘vil metal’ leva a que se compliquem relações humanas aparentemente pautadas pelo respeito e pela amizade. A amizade entre os dois rapazes, que se diria desinteressada e inocente vê-se confrontada com o mundo dos adultos, habitantes de uma sociedade em que a luta por melhores condições de vida é muitas vezes incompatível com um relacionamento amistoso e com o exercício da liberdade de cada um. Nesta história parece não haver “bons” nem “maus”. Todos são vítimas e protagonistas. Cada um tem os seus motivos e todos tentam sobreviver sem causar danos aos outros. Mas esse parece ser um ponto de equilíbrio inatingível…
Ira Sachs trabalha estes temas e estas personagens como se estivesse a fazer filigrana. A tensão e o dramatismo são passados de forma extremamente subtil. Greg Kinnear, Paulina Garcia e os jovens actores têm um excelente desempenho.
“Homenzinhos”/Little Men, é um filme simples, de pequeno orçamento, mas que trata de forma superior e com grande sensibilidade a vida tal como ela é. É a prova provada de que um filme aparente menor pode ser, afinal, Cinema escrito com maiúscula.
Trailer
Nota: A nossa avaliação de * a *****