Breves anotações para um Prefácio ao livro “Luanda Avenida dos Combatentes” de Sandra Poulson.
“Nosso desejo foi em esta obra escrever verdade, sem outra mestura, leixando nos bõos aquecimentos todo fingido louvor, e nuamente mostrar ao pôboo quaisquer contrairas cousas, da guisa que aveerom.”
(Do Prólogo da Crónica de Dom João I )
“As palavras nascem da terra que cheiramos ao primeiro sopro.”
DMG
De Angola chega-nos este inspirado livro de Crónicas da multifacetada, empreendedora e experimentada autora angolana Sandra Poulson. Uma assídua frequentadora e participante dos meandros literários lusófonos em Angola e Portugal. Mais do que crónicas estes textos são pequenas mas significativas “explosões” condensadas de forma a se enquadrarem nos espaços dos jornais, revistas ou boletins a que normalmente se destinavam.
Será, com efeito, a primeira angolana a editar uma obra individual com o Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD). Sem dúvida uma honra e um privilégio, por irmos alargando e internacionalizando as nossas actividades no espaço da CPLP.
A característica fundamental das culturas africanas em que a angolana se insere, é a sua oralidade e a crucial importância do seu registo uma necessidade sempre actual. A crónica nasce dessa tradição de ensinamento e aprendizagem através da transmissão e registo de saberes e valores de um bom observador inquieto e escritor.
A “oralidade” é neste caso tanto o efeito como a causa de um modo de estar social, porque claramente denuncia as relações sociais específicas, privilegiando também certos factores de estratificação ou de diferenciação social, é a iniciação e difusão de conhecimentos do observador mais atento que vai fidelizando leitores e que constitui uma “espécie” de observatório itinerante em que os protagonistas são a cronista – escritor, os observados (alvos de observação e acção e ainda todos os fenómenos observados que afectam o seu quotidiano). Portanto, tem uma função profundamente socializante e socializadora.
Há na escrita destas crónicas uma clara intencionalidade pró – activa para a sociedade angolana.
Na literatura universal, uma crónica é uma narração curta e incisiva, produzida essencialmente para ser veiculada na imprensa escrita, seja das páginas criativas e informativas de um jornal, de uma revista, de um boletim ou mesmo apresentadas numa rádio. Claro que para bom uso desta ferramenta é necessária a bênção da «ars dicendi», isto é «a arte de dizer» onde se evidencia o cruzamento da grande criatividade popular da literatura oral e a função ou cultura estética canônica adquirida na literatura escrita e na sua prática quotidiana.
Nalguns casos acontece um esforço sincero de “metaforização”, de “ironização”, de “pleonasmização” e “humorização” das situações da realidade observadas e descritas. A cronista cria um laço integrador entre o homem e o seu meio, como a memória colectiva fixada de um povo e seus dramas e alegrias que serão sempre, obviamente em última instância, o seu verdadeiro arquivo “natural”, o seu espaço de fixação, de envolvimento, de alerta, de reflexão e também de produção de soluções.
Por vezes identificamos silêncios nestas crónicas que respiram Angola e a angolanidade, mas um silêncio que grita, que alerta, que apela, que ensina, que instruí, que planta, que corta, que abraça, que abarca, que congrega, que desafia, que interpela, que revolve, que fermenta, que entranha, que canta e colherá os seus frutos, proporcionando a impossibilidade da indiferença. Mas fica claro como a água, tal como dizia o poeta visionário Kahlil Gibran: Na verdade falamos apenas para nós mesmos; contudo falamos por vezes suficientemente alto para que os outros nos consigam ouvir.”
Possui assim uma finalidade profundamente utilitária e quase sempre pré-determinada a agradar os leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no decurso dos dias, das semanas ou dos meses, uma grande familiaridade e cumplicidade íntima entre o escritor/cronista e todos aqueles que o leem. A cronista com alma de poeta demonstra aqui toda a sua capacidade para nos elucidar sobre a sua visão do mundo e a sua concepção da vida que são largamente congregadoras e um enorme contributo para a reflexão da sociedade e a sua harmonização.
Bem haja Sandra Poulson e bayete por nos proporcionar beleza e espanto nesta revigorante, pedagógica e instrutiva obra de crónicas!
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