A resposta do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à decisão autoritária do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux de suspender a implementação do juiz das garantias por tempo indeterminado é uma síntese precisa. Para ele, foi uma atitude “desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento brasileiro e com o governo brasileiro, com os outros Poderes”.
Desrespeito, a rigor, ao próprio Poder Judiciário, à medida que subverte o papel do STF e revoga uma decisão do seu presidente, Dias Toffoli, que havia expedido liminar suspendendo a implantação do juiz de garantias por 180 dias. Com uma penada, Fux afrontou tudo isso e a própria história da democracia.
O Brasil lutou muito para chegar ao patamar de garantias mínimas de convivência social civilizada. A implementação daquela ideia dos iluministas de igualdade entre os cidadãos e o advento de governos contratuais e eleitos, com separação e independência dos Poderes da República, que forma o ideal republicano da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade.
No Brasil, a luta por esse ideal custou o nobre e generoso sangue dos seus melhores filhos. E ele só chegou com mais vigor depois de uma batalha mais do que centenária, com a formação do sistema institucional regido por preceitos democráticos. Nele, o STF é o posto avançado para detectar e agir em caso de atentados contra qualquer de suas instâncias e garantias. Essa é a sua missão precípua.
A decisão de Fux tem essa gravidade. Ela foi motivada por uma convicção ideológica que tomou forma à medida em os princípios republicanos voltaram a ser alvos de mais uma vaga autoritária. A aprovação do juiz de garantias pelo Poder Legislativo no âmbito do “pacote anticrime” patrocinado politicamente pelo ministro da Justiça Sérgio Moro se deu exatamente para coibir práticas de Estado de exceção que vinham sendo aplicadas pelo espectro da Operação Lava Jato.
Caberia a um integrante do posto avançado das garantias constitucionais, o STF, examinar a questão pelo ponto de vista republicano, do Estado Democrático de Direito, não pelo viés lavajatista. Eis aí, em síntese e de forma mais abrangente, a essência do protesto de Rodrigo Maia. Com razão, ele e seus pares se sentem, mais do que desrespeitados, ludibriados por quem deveria garantir a decisão aprovada e sancionada pelos Poderes Legislativo e Executivo.
Por seu turno, o ministro da Justiça de Bolsonaro, Sérgio Mouro, o arauto de práticas típicas de Estado de exceção, teceu louvores ao “canetaço” de Fux. Disse que nunca escondeu sua posição contrária ao juiz de garantias.
Ao desrespeitar os três Poderes da República, Fux dá a dimensão dos sinais de crise institucional latente. As sucessivas ações à margem da legalidade democrática do país se devem a atitudes como essa. Seus executores se sentem encorajados a praticar ilegalidades com a certeza de que contam com a conivência de quem deveria puni-los.
O Brasil democrático não vai se calar diante da repetição desses fatos. Assim como em episódios recentes de infração institucional, o protesto de Rodrigo Maia tende a ser um catalizador da indignação dos que prezam a democracia e zelam por suas garantias.
Mais uma vez, os democratas devem se pronunciar, em uníssono, a favor da plena vigência das regras instituídas pela Constituição. Uma ilegalidade, mais uma ilegalidade e mais outra ilegalidade se somam para formar um caudal que ameaça o próprio regime democrático. Cada uma delas deve ser energicamente repelida.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado