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João de Sousa

Domingo, Setembro 1, 2024

A lusofonia semeada e colhida por seus praticantes

Em tempos de globalização e anglicismos, a arrojada iniciativa municipal de promover um encontro internacional de escritores, artistas, cientistas, políticos, pesquisadores e outros intelectuais do mundo lusófono para, juntos, repensarmos a língua portuguesa, a quinta mais falada no planeta, me pareceu, um acertado apelo para reavaliarmos nossas identidades culturais.

Concepção ousada do vice-presidente da Câmara de Almodôvar, Luis Gaiolas, ancorada na generosa colaboração dos antigos companheiros de empreitadas culturais no Teatro Nacional Dona Maria II, conquistou a confiança não só do Presidente da Câmara, como foi acolhida pela União Europeia e abraçada por destacados escritores, artistas e lideranças no campo acadêmico e político, praticantes de todas as variantes da língua portuguesa. Representantes de Moçambique, Cabo Verde, Timor e Brasil entre outros países, além, naturalmente, dos portugueses, passaram a expor ideias e propor caminhos inusitados através da palavra escrita ou oral, da música, da encenação e das artes visuais, provocando reflexões sobre formas e recursos do nosso idioma.

Idioma esse, que se perde em séculos, foi gradativamente adotado e adaptado em cada nação, e nelas em cada região geográfica, sendo que a cada fusão cultural assumiu conotações próprias que se naturalizaram por serem, realmente, as línguas praticadas por esses povos. No sentido inverso, indícios das culturas dos séculos V a VII A.C., foram revelados pelo estudo de pedras encontradas na região contendo inscrições de símbolos pictóricos, até hoje indecifrados, conhecidos como “escritas do Sudoeste”.

Brasileira que sou, cantora, compositora, sobretudo palavreadora da língua portuguesa, tendo exercido o cargo de Ministra da Cultura nos anos 2011 e 2012, lembro, com satisfação, que foi neste idioma que se fez o primeiro registro escrito e a primeira descrição do meu país e seus habitantes. Isso se deu em 1500, na carta em que Pero Vaz de Caminha relata ao rei D. Manoel I a descoberta daquelas promissoras terras.

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.

Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.

Passados quinhentos anos da missiva, e superados os conflitos históricos, o sentimento que levei do Festival de Almodôvar foi o de que nossa língua, ferramenta de expressão que ata diferentes etnias, culturas e histórias, paradoxalmente tem tido a identidade fortalecida pela ebulição criadora de sua heterogeneidade linguística.

Ana de Hollanda | Cantora e Compositora

A autora escreve em português do Brasil

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