E lá se marcaram, finalmente, as eleições naquela terra. Ou seja, se anunciou a data, para que todos saibam com o que contam e possam organizar as suas agendas.
Para o palácio da colina se viraram todos os olhares, porque é para lá que correm todos e ali que pretendem morar nos próximos 5 anos.
Sérgio Inocente, dramático como sempre, foi o único candidato que juntou àquela reacção comum a todos um certo toque de mistério. Foi dormir mais cedo com a notícia, como se não a esperasse. E não falou com ninguém. Parecia triste, uma tristeza provavelmente fingida. «Agora é que estou mesmo tramado, ainda cheguei a contar com a ideia de as eleições virem a ser adiadas para daqui a um ou dois anos…». O seu último pensamento antes de adormecer.
Na cozinha, Zumba andava indiferente a tudo, preocupada apenas com o jantar para o seu marido candidato e os lindos rebentos que educava com o zelo de uma mãe primeira-dama em potência.
– Serginho, vai lavando as mãos, que a mamã vai servir a mesa daqui a pouco. Ajuda os teus irmãos, já agora – ordenou, ao mesmo tempo que se lembrou de imaginar como seria o WC no palácio. «Certamente grande e bem-cheiroso», confortou-se com um sorriso triunfante.
Zumba Inocente puxou do rádio para saber como andava o mundo. Tinha-lhe escapado o noticiário principal transmitido às 20 horas, ocupada com uma garoupa que queria para o forno essa noite. Corta daqui e dali, junta sal, pimento, manjerico, gindungo e mais aqueles ingredientes da moda que agora chegam em catadupa da Índia, nem sequer se lembrou que existiam as notícias às 8 da noite. «Menos mal que isto em breve já acaba, terei um batalhão de cozinheiros a preparar-me os banquetes diários», consolou-se.
«Este é o flash noticioso das 21 horas, aproveite para se actualizar…», diz a voz da locutora particularmente empolgada, como se se preparasse para anunciar o fim das mortes por malária ou a vitória sobre qualquer outro tormento da vida.
Zumba suspendeu tudo, de ouvido atento às notícias da rádio: «no dia 23 de Agosto vão ser as eleições e todos os que se registaram, poderão esse dia votar nos seus candidatos».
Ia a correr para o escritório do marido candidato, Sérgio Inocente, pois era ali que o imaginava debruçado sobre a estratégia de campanha. Receava que não tivesse ainda conhecimento da grande novidade, ou seja, da notícia que encurtava os dias do casal até à entrada triunfal no palácio daquela colina.
Mas não foi preciso dar qualquer passo. Quem apareceu na cozinha foi Sérgio Inocente, de pijama, e com um ar de um fantasma devolvido à vida:
– Marido, de pijama? Já estavas a dormir? Então não sabes de nada, é isso? – inquietou-se Zumba, sempre tão prestável.
– Tentei pôr-me firme para amanhã dormindo mais cedo, sacrificando até o jantar, mas…- procurou explicar-se Sérgio Inocente, perante o olhar atónito da esposa querida.
– Logo hoje, Sérgio? Acabam de convocar as eleições, já há data – atirou Zumba, como se dissesse «mas que raio de candidato eu tenho aqui em casa Deus meu!»
– É precisamente por isso, mulher. A notícia é um murro no estômago, não estava nada preparado para eleições agora!, descoseu-se, certo de que não tinha nada a esconder.
– Quer dizer que não nos mudamos para o palácio, Sérgio? É isto? É isto? Nãooooooooooooooooooooooooo!!!!
Serginho e os irmãos, ansiosos na sala de jantar inundada com o cheiro a queimado da rica garoupa que tinham visto entrar na cozinha essa tarde, conseguiram escutar o estrondo daquela queda espalhafatosa que deixou a mãe sem hipóteses de lhes servir o jantar!
O Autor escreve em português de Angola