Este pintor não é, quanto a mim, uma das “bênçãos” que a História de Arte coloca, destacadamente, no Olimpo do nosso imaginário. Todavia, aprecio bastante o caravagismo da sua opção pictórica e creio mesmo, que a sua construção do claro/escuro é de uma intensidade que melhora, decididamente, o colectivo final do seu trabalho.
Um fundo vagamente penumbrado na contraposição inexcedível (digo eu) da iluminação desnudada do busto e dos braços da figura. A graciosidade e irreverência das pernas colocadas a ¾, que terá parecido heterodoxo à cartilha da Contra-Reforma.
A iluminação é indicativa de uma doçura atenta, reflexiva, perante as naturezas mortas, na pretensão de assinalar a sabedoria através dos livros e a efemeridade, menos luzidia, da vida, como personifica a caveira no colo da mulher. A criação notável do vaso com a chama é, talvez, o momento mais destacado do quadro; a credibilidade da transparência do vidro, o rigoroso encandear vivo da chama que resulta naquele esfumaçar que se dilui, faz com que seja ali que o olhar meditativo da penitente se foque sem discussão.
Este quadro está exposto no Louvre, porque há um outro do mesmo autor, que se encontra algures nos EUA.
Nota da Edição
Georges de La Tour (1593-1652)
Filho de um pedreiro e de uma dona de casa filha de padeiros, pouco se sabe sobre a vida de Georges de La Tour.
Vic-sur-Seille, o lugar onde La Tour nasceu, pertencia ao ducado de Lorena, que vivia em guerra com a França, pois a região era disputada por esse país e pela Áustria. Entre 1631 e 1635, inclusive, a região sofreu os efeitos da Guerra dos Trinta Anos: tumultos, epidemias, rebeliões, etc.
La Tour optou pelo lado francês e, entre 1638 e 1642, vive em Paris, sendo que, em 1639, é mencionado como “pintor do rei”. Luís XIII teria uma pintura de La Tour em seu quarto: “São Sebastião numa noite”. Quadro tão apreciado pelo soberano, que este mandou que retirassem dali todas as outras pinturas.
Embora desfrutando de renome quando vivo, La Tour cai depois em completo esquecimento, durante mais de dois séculos. Os seus quadros chegaram a ser atribuídos a Caravaggio. Somente em 1915, graças às pesquisas do historiador alemão Hermann Voss, se consegue verificar definitivamente a identidade de La Tour.
Mais que a influência de Caravaggio, os estudiosos assinalam a proximidade que o estilo de La Tour guarda em relação ao pintor flamenco Gerard van Honthorst, que viveu em Utrecht entre 1590 e 1656.