A decisão da rede de lojas Magazine Luiza (Magalu) de abrir vagas para o cargo de trainee (funcionários treinados para exercerem cargos de chefia) com salário mensal de R$ 6.600, provoca intenso debate nas redes sociais sobre o racismo no Brasil.
Pessoas desinformadas tratam a atitude do Magalu como ação de “racismo reverso”, ou seja, contra pessoas brancas. Mas para Mônica Custódio, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), o processo seletivo da rede de lojas presidida por Luiza Trajano trata-se de uma política afirmativa.
É um exemplo de comportamento a ser seguido pelos empresários de vários setores da economia. Se realmente pensam no crescimento econômico com justiça social Brasil”.
Para ela, “quando o mundo inteiro debate o racismo, setores extremistas da sociedade brasileira sentem-se ameaçados por esse debate” assim como “sentiram-se ameaçados com a adoção de cotas raciais para o ingresso em universidades federais há anos”.
A gritaria foi geral e irrestrita contra a política afirmativa que já apresenta resultados como mostra a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pela primeira vez o número de negros suplantou o de brancos nas universidades federais, perfazendo 50,3% em 2019. E isso num país de cerca de população composta por 56% de negros e pardos como informa o IBGE.
A ação do Magalu “é reivindicada por tantas décadas pelo movimento sindical e social negro, representa avanços na direção de uma política de inclusão e desenvolvimento real por reparação”, afirma Mônica.
Em sua conta no Twitter, a direção da rede de lojas conta ter em seu quadro de funcionários, “53% de pretos e pardos” e “apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. Precisamos mudar esse cenário”. E “por isso, queremos desenvolver talentos negros como nossas futuras lideranças e ajudar a ampliar a voz da negritude no processo de digitalização no Brasil”.
O racismo estrutural é tão forte no país que Lidiane Gomes, secretária de Igualdade Racial da CTB-SP conta uma história esclarecedora. Ela é diretora de escola da rede pública do estado de São Paulo e quando foi fazer uma arte ilustradora do resultado de desempenho da escola, escolheu uma imagem com bonequinhos negros.
“Eu escolhi uma imagem da qual gostei. Nessa imagem havia dois bonequinhos, uma menina e um menino negros. Coloquei essa imagem no Facebook da escola”, relata. Começaram “aparecer as ‘brincadeiras’, mas não muito, questionando”. De acordo com Lidiane, disseram: “nossa, mas como você escolhe só menininhos negros para poder representar a escola?” e insistiram: “Cuidado com processo. A nossa escola é diversa”.
A sindicalista diz que sempre em tom de brincadeira, “as pessoas se surpreendem ao ver imagens de negros onde não é habitual, mesmo em uma comunidade de maioria negra, como é o caso de nossa escola.
A sua resposta foi que achou “a imagem bonita e representativa” porque “todas as vezes na qual as pessoas vão fazer uma arte, uma exposição, quase nunca escolhem alguma imagem com pessoas negras”.
Essa história contada por Lidiane é representativa do que ocorre na sociedade. “Basta olhar as peças publicitárias na televisão. Poucas vezes aparecem negras e negros e quando estão presentes são colocadas como minoria, quase sempre”, destaca Tereza Bandeira, dirigente da CTB-BA.
Ouvido pela BBC News Brasil, Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, afirma que o Magalu não comete crime porque “a medida não foi tomada para impedir a contratação de brancos, mas para promover a igualdade racial dentro dos quadros da empresa”.
O racismo estrutural se mostra claramente numa pesquisa do IBGE com uma disparidade gigantesca entre negros e brancos no mercado de trabalho. Em 2018, os cargos gerencias eram ocupados por 68,6% de pessoas brancas e 29,9% por negros e pardos. Isso num contexto de crescimento de negros com curso superior e maior especialização. Ao mesmos tempo, o salário médio dos brancos era de R$ 2.796 ao mês e R$ 1.608 entre os negros.
Por isso, “o que o Magalu está fazendo é exatamente aquilo que nós estamos precisando na luta antirracista”, realça Lidiane.
As grandes empresas e as pessoas brancas de grande influência precisam aprender de uma vez por todas que ou elas valorizam também a presença dos negros no seu meio de trabalho, na sua comunidade ou vamos continuar falando de negros para negros”.
Para ela, acontece a mesma coisa em relação às mulheres. “Continuaremos falando de mulheres para mulheres” sem entender que “os homens têm que participar e se engajar na luta por igualdade de direitos”. Então, “o processo seletivo do Magalu é uma forma de efetivo combate às desigualdades sociais”.
Mônica reafirma isso e diz que “ações como essa têm efeito importante na redução da desigualdade racial histórica em nosso país”. Para ela, “é uma ação sustentável e de circulação de bens e de capital” porque “a rede Magalu é uma parceira de uma sociedade futura, representada por uma mulher à frente de seu tempo”.
Texto em português do Brasil
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