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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Maid e a cruel opressão do capital sobre as mulheres

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Em Maid, como na vida, as mulheres trabalhadoras enfrentam muito mais dificuldades porque são jogados sobre os seus ombros todos os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos.

O sucesso da minissérie Maid (2021), se explica pela direção impecável de Molly Smith Metzler e pelo enredo baseado no livro “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”, onde Stephanie Land conta a sua história de vida.

Muita gente taxa a série como “sentimental” demais. Mas quem diz isso é porque não tem a exata noção da dureza enfrentada por uma mulher que luta para sair de um relacionamento abusivo. Enfrentar a violência sem ter independência econômica torna tudo ainda mais complicado. Tanto que uma das principais bandeiras do movimento feminista busca a independência econômica.

A minissérie exibida pela Netflix em dez episódios convida as espectadoras e espectadores a se pôr no lugar da protagonista Alex (interpretada com brilhantismo por Margaret Qualley). Mesmo sendo homem, isso é possível porque o audiovisual e a literatura têm a capacidade de nos transportar para a história contada e tentar entender a personagem.

O crescimento da personagem Alex vai se evidenciando a cada episódio. Ela vai compreendendo a sua situação e busca a ajuda necessária para sair da situação de abuso psicológico em que vive. Alexa era uma dona de casa, mãe de uma menina e suportava praticamente calada as reclamações do companheiro, alcoólatra e desleixado com as questões domésticas como a maioria dos homens.

Assista trailer de Maid

Na maioria dos episódios o choro corre solto porque o sofrimento impingido a Alex é um verdadeiro martírio. Ela começa a trabalhar como faxineira diarista e a brigar pela guarda da filha de menos de 3 anos. E mesmo quando pensava ter um amigo com quem contar, o preço cobrado é muito alto e ela se vê sem moradia novamente.

Maid mostra com clareza a expropriação do trabalho pelo capital e de uma maneira ainda muito pior, sem direitos trabalhistas. Sem descanso remunerado, sem direito a ficar doente ou a cuidar da filha adoecida. Até se pode deixar de trabalhar para esse necessário cuidado, mas não recebe. E aí tem que contar com a ajuda de familiares. No caso de Alex, essa possibilidade era muito pequenar porque sua mãe, também vítima de violência doméstica, escolheu o escapismo para tentar enganar a realidade.

Fica muito claro que as mulheres precisam de uma séria de políticas públicas para serem respeitadas O patriarcado no perdoa, o machismo mata e  a saída de um relacionamento abusivo necessita de amplo apoio material e psicológico.

Tudo muito bem colocado para raciocinarmos como o sistema é cruel com quem vive do trabalho, mas é ainda muito mais cruel com as mulheres e com as pessoas em maior vulnerabilidade. Como afirma Belchior (1946-2017) “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”. A chamada uberização do trabalho que o diga.

Impossível não lembrar do filme “Que Horas Ela Volta?” (2015), de Anna Muylaert, que mostra a vida de uma mansão com o olhar da cozinha. Igualmente à minissérie apresenta a invisibilidade a que são submetidas as trabalhadoras domésticas, num mundo hostil à classe trabalhadora. Assim é o capitalismo.

Mas vem muito forte à memória a página de Facebook “Eu, Empregada Doméstica”, criada pela rapper Preta Rara, em 2016, que virou livro em 2019, contando histórias escabrosas vivenciadas por várias trabalhadoras domésticas, num país onde a elite econômica mantém mentalidade praticamente escravocrata.

Em Maid, como na vida, as mulheres trabalhadoras enfrentam muito mais dificuldades porque são jogados sobre os seus ombros todos os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos. Muitas vezes suportando violências de todos os tipos e tendo que se virar para gerir o que chamam “lar” com grande falta de tudo. Fica claro que a luta pela emancipação feminina é um aspecto intrínseco à luta de classes, sem a qual jamais haverá uma democracia plena para quem vive do trabalho.


Texto em português do Brasil

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