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Sábado, Dezembro 21, 2024

Maioria versus minorias

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Uma das palavras chave da doutrina bolsonarista é “maioria”. Bolsonaro, que já disse mais de uma vez que não entende de diversos assuntos importantes para a sociedade, usa de uma maneira que ele não entende, portanto, errada (e ele sabe disso), o conceito de maioria em detrimento de “minorias”.

Ao comentar declarações absurdas do novo presidente da Fundação Palmares, Sergio Nascimento de Camargo, que afirmou que a escravidão foi “benéfica para os descendentes”, Bolsonaro disse que a cultura do País tem de estar “de acordo com a maioria da população, não de acordo com a minoria”.

Soa no mínimo estranho falar em minoria ao se referir à presença do povo negro no Brasil. Ainda que o Censo de 2010 do IBGE mostre que a população que se declara branca é bem maior do que a que se declara preta (91.051.646 brancos e 14.517.961 pretos), os brancos perdem para a soma dos pretos e pardos, que é, enfim, o perfil da nossa população, contabilizando, segundo o IBGE de 2010, 96.795.294 pessoas que se declaram pretas e pardas (termos usados pelo Instituto).

Segundo o pesquisador sobre diversidade racial, José Luiz Petruccelli, os pardos “Normalmente são as pessoas que se classificam como ‘morenas’ ou ‘mulatas’”.

Mesmo entre a população branca, o DNA africano é uma ocorrência comum. No Brasil as classificações branco e negro estão muito mais ligadas à aparência do que à origem biológica. Desta forma não é errado concluir que a origem africana está disseminada em nossa composição étnica e racial, não podendo ser considerada uma exceção, um nicho, ou como diz o presidente, uma “minoria”.

DNA africano

E, de onde vem mesmo esse DNA africano?

Segundo a economista Zeina Latif, no artigo “Perdas” (Estadão, 21/11/2019) “Entre 1500 e 1850, 24 milhões de indivíduos foram tirados de seus lares em todo continente africano com destino às Américas. Algo como 11,5 milhões morreram antes mesmo de embarcar, em decorrência das condições precárias e maus tratos no caminho até o embarque, que poderia demorar vários meses”. E “O Brasil era o principal destino. Ao longo de 350 anos, 47% do tráfico negreiro veio para o Brasil, dez vezes mais do que para a América do Norte, totalizando quase 5 milhões de pessoas”. Neste artigo, publicado em alusão ao Dia da Consciência Negra, ela compara o ativismo do movimento negro estadunidense com o brasileiro e diz: “Os 13% de negros na sociedade norte-americana têm mais ativismo político que os 54% no Brasil”.

Observem. Latif baseou seu texto nos livros “Escravidão Vol 1”, de Laurentino Gomes e “Brasil: Uma Biografia”, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling, apontando que os negros chegam a 54% da sociedade.

O conceito distorcido de maioria do presidente Bolsonaro não representa a realidade. O perverso conceito de “minorias” serve para designar “grupos minoritários”, que são os negros, as mulheres, os homossexuais etc. São todos aqueles que não se encaixam no padrão dominante, que é, na verdade, uma minoria: o homem, adulto, branco, hétero e rico.


Texto em português do Brasil


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