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João de Sousa

Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Mais ou menos

José Pacheco
José Pacheco
Educador e aprendiz de utopias.

Quanto eu aprendi naquela reunião A partilha de conhecimento acontecia naturalmente entre professores, que desenvolviam projectos reconhecidos como inovadores pelo ministério da educação.

Da agenda constava a apresentação de uma proposta de protocolo de avaliação de projectos considerados inovadores. Uma senhora apresentada como “especialista em currículo” ordenou a uma subordinada que desse início à sessão de power point. Rendidas as devidas homenagens pelos seus inferiores, a “especialista” passou a conduzir os trabalhos, lendo slides, numa sequência monótona e repleta de equívocos.

Ao meu lado, um professor de uma das equipes de projecto suspirava de enfado, pois já deparara com vários disparates com chancela de cientificidade, que nenhum dos presentes ousara comentar.  Não se conteve, quando a dita especialista em currículo referiu como critério de avaliação do projecto o “índice de reprovação”. Respeitosa e pertinentemente, questionou:

A senhora admite que projectos inovadores naturalizem o insucesso, que se reprove? Na nossa escola, acabamos com segmentações. Por isso, não se reprova.

Do alto do seu doutoramento, sem disfarçar a irritação, a “especialista” interrompeu:

Senhor professor, as outras escolas não são como a vossa! Não podemos exigir mais dos nossos professores. Eles não sabem trabalhar de outra maneira. E o senhor não pode impor as suas teorias aos outros!

Não agradou ao professor que alguém tratasse outros professores com condescendência. E respondeu que não se tratava de teorias, mas de práticas transformadoras, desenvolvidas em escolas onde arcaísmos como a reprovação deram lugar a uma avaliação formativa, contínua, sistemática.

A “especialista” respondeu com um esgar de desdém na face. Ignorou a interpelação e até mesmo a presença do professor.

A apresentação prosseguiu até ao momento em que a “especialista” prescreveu que fosse feita observação de aulas. Após escutar o enésimo absurdo, o ignorado professor perguntou à ignorante doutora:

Em que século estamos, minha senhora?

Ela respondeu com ironia à ironia:

Não queira parecer original! Terá de ser, mais ou menos, assim! E agradeço que não volte a interromper-me!

Observador atento, fui mais fundo na compreensão do drama daquela “especialista”, cativa de um modelo de escola que apenas admite uma prática pautada no “mais ou menos”. Vivemos, mais ou menos, submetidos às decisões de ““especialistas em currículo”, que consideram os professores incapazes de compreender e ainda menos de fazer diferente, de inovar.

Muitos anos decorridos sobre esse lamentável episódio, entre a sofisticação do discurso e a pobreza das práticas, gestores “mais ou menos”, formadores “mais ou menos”, técnicos superiores “mais ou menos” vão parindo medidas de política educativa “mais ou menos”. Institutos, fundações e outras agências de financiamento apoiam projectos “mais ou menos”, perpetuando a reprodução de seres humanos “mais ou menos”, a quem recusam o direito à educação.

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