“Para que a Europa assuma uma maior responsabilidade pela sua defesa, é fundamental que melhore a competitividade e promova a inovação da indústria de defesa em toda a União”.
Esta é a justificação que se começa por ler na proposta de regulamento apresentada pela Comissão Europeia, e que foi aprovada esta semana pelo Parlamento Europeu, sob forte contestação da Esquerda Unitária/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL).
A Comissão propõe que o intitulado Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa (EDIDP), destinado a apoiar a competitividade e a capacidade inovadora da indústria de defesa da União Europeia (UE), tenha um montante de execução de 500 milhões de euros, entre 2019 e 2020.
“A política de defesa europeia foi identificada como prioridade política fundamental nas Orientações Políticas do Presidente Juncker, de Julho de 2014”, lê-se ainda na primeira página do documento, contextualizando a proposta incluída no Fundo Europeu de Defesa, dotado de 5,5 mil milhões de euros por ano.
Convidado a comentar o EDIDP, o jornalista José Goulão diz que a União Europeia, continuando a intitular-se “Europa dos cidadãos”, “dá mais um passo nos caminhos que levam à morte e ao empobrecimento dos seres humanos que vivem no continente e dos outros que, de alguma forma, com ele se relacionam”. Para o jornalista, estamos perante “a continuação de uma deriva desumana, agora sancionada pelos deputados eleitos directamente pelos cidadãos, seguindo o normativo imposto pelos tecnocratas não eleitos e que estão ao serviço dos grandes interesses financeiros e económicos globais”.
A continuação de uma deriva desumana, agora sancionada pelos deputados eleitos directamente pelos cidadãos, seguindo o normativo imposto pelos tecnocratas não eleitos e que estão ao serviço dos grandes interesses financeiros e económicos globais”
Para Goulão, este designado “Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial” do sector de defesa, “eufemismo que significa ‘guerra’ no léxico da NATO, é mais uma pedra no bunker da militarização da União Europeia – sob o chapéu da Aliança Atlântica e agora o comando supremo de Donald Trump.
O jornalista frisa que o EDIDP completa a recentemente estabelecida Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) e vem somar mais 500 milhões de euros anuais (no mínimo) “arrancados dos bolsos dos cidadãos contribuintes aos dois por cento do PIB de cada Estado que a NATO impõe no orçamento dos países membros e Trump ameaça fazer cumprir custe o que custar – e não lhe custa muito”.
Quem fica a ganhar e quem pode perder com este apoio à indústria da Defesa Europeia? “Os apuramentos sobre quem ganha e quem perde são automáticos, fáceis de fazer: perdem os de sempre, ganham os do costume”, responde.
Na opinião de Goulão, “perdem os cidadãos, todos os cidadãos, forçados a contribuir para a ‘indústria de defesa’ enquanto sofrem a penúria da austeridade, os efeitos dos desmandos dos banqueiros, a anarquia filopatronal da legislação laboral, as arbitrariedades de Bruxelas cometidas contra os orçamentos nacionais, a securitarite e a espionagem doentia das suas vidas a pretexto da ‘guerra contra o terrorismo’”.
Ganham, e cada vez mais, os senhores dos impérios – privados, como é de regra – das indústrias da morte, da gestão das redes transnacionais de mercenários”
“Ganham, e cada vez mais, os senhores dos impérios – privados, como é de regra – das indústrias da morte, da gestão das redes transnacionais de mercenários, enfim da guerra cada vez mais privatizada e formatada como um imenso negócio cujos limites são o extermínio global da vida e a própria existência do planeta”, conclui o jornalista.
Exército europeu?
O reforço do investimento na área da Defesa tem sido criticado pelos eurodeputados portugueses do PCP e do BE, que fazem parte do Grupo Confederal da Esquerda Unitária/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), alegando que se está a percorrer o caminho de aprofundamento da “militarização da União Europeia”, e que esta prioridade terá custos sociais.
Citada pelo site “Esquerda Net”, a eurodeputada bloquista Marisa Matias defende que “investir na militarização só serve o lucro da indústria de armamento”. “A mesma UE que não consegue dar uma resposta às questões sociais, às questões humanitárias, e cada vez mais se distancia de uma resposta solidária decide agora investir uma parte substancial do seu orçamento na criação e armamento de um exército comum”, critica.
Publicado por Marisa Matias em Terça-feira, 4 de Julho de 2017
Também o PCP tem tornado pública a sua oposição ao Governo socialista por “associar Portugal” ao projecto CEP (Cooperação Estruturada Permanente – PESCO, na versão inglesa), expressando a “mais viva discordância com tal intenção e com o caminho de aprofundamento da militarização da UE”.
O CEP destina-se a intensificar a cooperação entre os Estados membros da UE no desenvolvimento de capacidades de defesa conjuntas e na melhoria do contributo operacional das suas forças de segurança. Depois de dúvidas levantadas também pelos deputados do PSD e CDS, o Executivo decidiu aderir ao mecanismo no último mês do ano passado, adiantando em comunicado que o mesmo“ não tem por objectivo, explícito ou implícito, nem a formação de qualquer suposto ‘exército europeu’ nem a imposição a qualquer Estado membro de um princípio de ‘especialização’.