(1909-1983)
Corajoso combatente antifascista, destacado dirigente comunista, vítima da maior repressão das ditadura de Salazar e Franco, Manuel Guedes era um homem com uma enorme simplicidade, grande cultura, e sempre disponível para aprender com os mais novos e dar testemunho de vidas heróicas de outros.
Gostava de pessoas e de livros, fossem estes sobre pedagogia, ciência, política, ou literatura. Morreu com 73 anos, 20 dos quais passados nas prisões fascistas, em Portugal e Espanha.
Corajoso combatente antifascista
Órfão de pai e mãe, Manuel Guedes, nasceu a 14 de Dezembro de 1909, foi internado no Asilo Maria Pia com apenas oito anos, depois de passar inúmeras dificuldades. Aí permaneceu até se alistar como voluntário na Marinha, aos 17 anos.
O golpe de 28 de Maio ocorrera pouco tempo antes e Manuel Guedes assistiu de perto à fascização das Forças Armadas, às primeiras revoltas contra a ditadura e às perseguições aos militares antifascistas. Tomou então contacto com a corrente republicana e antifascista que mantinha na Armada uma forte presença.Terá sido toda esta vivência que o levou a aderir ao PCP em Agosto de 1931. Pouco depois, era já um dos principais dinamizadores da criação da «Organização Revolucionária da Armada» (ORA) e, até à «revolta dos marinheiros» de Setembro de 1936, manteve uma intensa actividade de agitação e propaganda[1]. O jornal da ORA, O Marinheiro Vermelho, do qual Manuel Guedes foi um dos redactores, terá chegado a editar 1500 exemplares.
Grupo de presos da Revolta dos Marinheiros (1936)
Em Julho de 1933 é preso pela primeira vez, na tipografia que editava este jornal. Julgado pelo Tribunal Militar Especial, foi condenado a 18 meses de prisão. Cumprida a pena, foi libertado (Janeiro de 1935) e imediatamente expulso da Armada.
Vítima das ditaduras de Salazar e Franco
Regressa à actividade clandestina, integra a Comissão Central de Organização do PCP, sob a orientação de Bento Gonçalves, mas por pouco tempo, pois seria novamente preso em Abril desse mesmo ano (1935) numa reunião da ORA e levado a julgamento. Em Maio de 1936, quando decorria o julgamento, numa das deslocações ao Tribunal para 4ª e última sessão, aproveitou uma oportunidade e evadiu-se. Foi então encarregado pelo partido comunista de tarefas em Espanha, mas ao entrar no país vizinho, juntamente com Joaquim Pires Jorge, foi detido em Valência de Alcântara, por falta de documentação e posse de arma. Ficam ambos presos em Cáceres, assistem à tomada da cidade pelos fascistas de Franco e, depois de viverem na iminência de serem fuzilados pelas tropas franquistas que ocuparam a cadeia, são condenados a 28 meses de prisão.
Encarcerado durante mais de dois anos naquela cidade espanhola, em difíceis condições, Manuel Guedes assiste aos inúmeros crimes dos fascistas de Franco. Cumprida a pena, é entregue em Portugal à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) em 14 de Novembro de 1938, e fica preso até Julho de 1940.
Destacado dirigente comunista
Manuel Guedes pouco tempo ficou em liberdade: voltou à luta clandestina. Participante destacado da reorganização do Partido , passou a integrar o Secretariado, juntamente com Álvaro Cunhal e José Gregório.
No IV Congresso do PCP, realizado em 1946 (onde seriam definidas as linhas fundamentais do caminho para o derrube do fascismo e os princípios orgânicos do centralismo democrático), Manuel Guedes é novamente eleito para o Comité Central e permanece no Secretariado até 1951. Ao longo de toda essa década, acompanha e dirige poderosas lutas, entre as quais as greves de 1942 e 1943 e as batalhas eleitorais de 1945 e 1949[2].
Preso novamente em Maio de 1952, Manuel Guedes é julgado e condenado a quatro anos de prisão, mas as medidas de segurança levam-no a permanecer encarcerado durante 13 anos, só sendo libertado em Março de 1965.
Reintegrado na Marinha
Depois do 25 de Abril, Manuel Guedes foi reintegrado na Marinha (todos os marinheiros o foram) e exerceu a profissão de revisor tipográfico.
Escreveu o livro «Memórias de um preso político português na cadeia de Cáceres durante a guerra civil de Espanha».
Continuando a militar no PCP, acabaria por falecer em Março de 1983 – tinha 73 anos, 20 dos quais passados na prisão.
Em 2009, o PCP promoveu, em Lisboa, uma iniciativa de celebração do centenário do seu nascimento e disponibilizou na Internet, além do jornal clandestino «O Marinheiro Vermelho», a «Exposição Manuel Guedes».
O Marinheiro Vermelho
Fotos de prisão: 1938, 1952 e 1965
[1] A Revolta dos Marinheiros de 1936 saldou-se por doze mortos, 208 presos e demitidos (dos quais 30 marinheiros ainda antes da eclosão da revolta). Foram condenados 82 dos revoltosos: 44 foram enviados para o Forte de Angra do Heroísmo, 4 para o Forte de Peniche e 34 integraram o conjunto dos primeiros 152 presos que seguiram para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Muitos deles foram condenados a penas entre os 16 e os 20 anos, que cumpriram naquelas prisões.
A eclosão da revolta deu-se no dia 8 de Setembro de 1936, integrando marinheiros da Organização Revolucionária da Armada, e surgiu num contexto de grande afirmação da ditadura fascista de Salazar ( no primeiro semestre desse ano), correspondendo aos ecos internacionais do momento. A ORA- Organização Revolucionária da Armada, uma organização associada ao Partido Comunista Português, decidiu levar a cabo um processo reivindicativo contra as arbitrariedades cometidas no seio da Armada portuguesa e coube aos sectores inferiores da hierarquia da Marinha (centenas de grumetes e primeiros marinheiros) essa iniciativa, envolvendo-se numa revolta nos navios Dão, Afonso de Albuquerque e Bartolomeu Dias. Os marinheiros pretendiam dirigir um ultimato a Salazar no sentido de os seus direitos serem satisfeitos, de serem terminadas as perseguições e libertados os presos políticos, e tinham como projecto colocar os navios a salvo fora da barra e usar o poder de fogo das embarcações. Após algumas horas, a revolta foi debelada pelo regime fascista que antecipadamente teve acesso aos planos dos revoltosos, conseguindo desactivar o potencial bélico das embarcações. Ordenou o seu bombardeamento a partir dos Fortes de Almada e do Alto do Duque, atingindo violentamente os navios Dão e Afonso de Albuquerque.
[2] Em Dezembro de 1943, nasceu o Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF), fundado num momento de viragem na Segunda Guerra Mundial a favor dos aliados e contra o nazismo e o fascismo. No MUNAF estavam representados, entre outros, o Partido Republicano Português, a União Socialista, o Partido Comunista Português, a Maçonaria, o grupo da Seara Nova, católicos, monárquicos e anarquistas.
Em 1945, com a derrota do nazi/fascismo, Salazar foi forçado a fazer algumas mudanças que parecessem “democráticas”, nomeadamente a promoção de simulacros de eleições. Para se preparar para as “eleições”, a oposição decidiu substituir o MUNAF pelo Movimento de Unidade Democrática (MUD), uma organização política legal, que rapidamente recebeu grande apoio popular e conseguiu agrupar muitos oposicionistas, principalmente intelectuais e cidadãos das profissões liberais. O MUD não tardou a ser dissolvido pelo regime (Janeiro de 1948), mas muitos dos seus membros integraram-se na «Comissão de apoio à candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República», em Abril de 1948. Nessa altura muitos oposicionistas foram perseguidos e obrigados à clandestinidade e ao exílio. .
Dados biográficos
- O militante: Manuel Guedes e Alberto Araújo – Exemplos de coragem e abnegação
- PDF: 1909-2019 Centenário do nascimento de Manuel Guedes
- PCP: Homenagem a Manuel Guedes