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Domingo, Dezembro 22, 2024

Manuel Ribeiro de Pavia

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1907 – 1957)

Cidadão da Resistência contra a Ditadura do Estado Novo, sempre presente nas iniciativas de combate antifascista, foi um artista plástico (pintor e ilustrador) neo-realista, muito apreciado e amado por sucessivas gerações, até 1974. Homem com uma enorme generosidade, amigo e companheiro de tertúlia, nos cafés do Chiado, dos escritores e poetas seus contemporâneos, Pavia ficou conhecido sobretudo pelas capas e ilustrações que fez para as obras dos escritores dessa época[1]. Apesar das centenas de obras que o tornaram conhecido, morreu na miséria aos 50 anos.

Expoente máximo da ilustração neo-realista

Manuel Ribeiro de Pavia nascido em Pavia (Mora), em 19 de Março de 1907, foi talvez o expoente máximo da ilustração neo-realista portuguesa.

Frequentou a Escola Comercial e Industrial Gabriel Pereira, em Évora, entre 1923 e 1929, enquanto trabalhava numa firma de moagem. A sua actividade como desenhador e ilustrador, foi iniciada a partir de 1929, quando se fixou em Lisboa. Depois, iria ser autor de numerosas litografias coloridas à mão, de desenhos, de gravuras e projectos para murais, onde o tema Alentejo é interpretado de forma inconfundível.

A lista dos escritores, cujas obras têm capa e(ou) ilustrações suas impressiona pela sua extensão. Destacamos apenas: Alves Redol, Alexandre Cabral, Aquilino Ribeiro, Castro Soromenho, Eugénio de Andrade, Fernando Namora, Ferreira de Castro, José Gomes Ferreira, Júlio Graça, Domingos Monteiro, Faure da Rosa. A partir de 1936 – e muito para além do ano da sua morte (1957) – são dezenas as obras literárias, e em edições várias, cujas capas são de Pavia[2]. Ilustrou inúmeros livros e publicações, das quais citamos os periódicos: Acção, Semanário Português para Portugueses; Horizonte – Órgão da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa; Atlântico – Revista Luso-Brasileira; Panorama – Revista Portuguesa de Arte e Turismo. Colaborou regularmente na Vértice – Revista de Cultura e Arte; Ler – Jornal de Letras, Artes e Ciências; Imagem, Revista popular de cinema. Pintou painéis de azulejos.

São de Pavia as ilustrações de três livros da Colecção Orion, um interessante testemunho da ficção portuguesa neo-realista, publicada entre 1954 e 1957.

Ilustrações sobre o Alentejo

Mais conhecido pelas ilustrações sobre o Alentejo, a sua colaboração estendeu-se ainda a um género literário emergente nos anos quarenta: os romances e relatos de viagens na África colonial portuguesa. Ilustrou Ferreira da Costa, em reedições sucessivas de Na Pista do Marfim e da Morte e Pedra do Feitiço, e várias obras de Castro Soromenho, onde se destacam Noite de Angústia, de 1943, e A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portugueses, obra em fascículos coleccionáveis em que assinou também o grafismo[3].


A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portugueses, Castro Soromenho, Editora Terra, 1946

Participou em todas as Exposições Gerais de Artes Plásticas (no SNBA), desde 1946 a 1953 – entre elas, as célebres I, II e III Exposições (iniciativas de resistência reprimidas pelo regime); na Exposição dos Modernos Gravadores Portugueses (Galeria de Artes e Letras 1955), e na Exposição de Gravura Portuguesa (Pórtico, 1956).

Em 1950 publicou um conjunto de quinze desenhos denominado Líricas, um álbum acompanhado de um texto escrito por José Gomes Ferreira.

Morreu na miséria aos 50 anos

Morreu em 19 de Março de 1957 – precisamente no dia em completava 50 anos – no seu quarto-atelier, numa pensão na Rua Bernardim Ribeiro, em Lisboa. Os seus últimos desenhos, para um livro do poeta António de Sousa, foram feitos a poucos dias da sua morte.

Eugénio de Andrade, que o conhecia bem, referiu-o em os Afluentes do Silêncio: Esta morte, assim sem mais nem menos, que um amigo me comunica, entala-se-me na garganta. Morreu o Manuel Ribeiro de Pavia. Levou-o uma pneumonia que o foi encontrar depauperado por uma vida quase de miséria. Passava fome! Tinha uma única camisa! Não pagava o quarto há imenso tempo! E nós a falarmos-lhe de poesia… (…). Assim é: passava realmente fome. Todos nós o sabíamos. E ele a falar-nos de pintura, de poesia, da dignificação da vida. É justamente nisto que residia a sua grandeza. Não falava da sua fome – de que, feitas bem as contas, veio a morrer. A fome não consta de nenhum epitáfio».

Agreste, melancólico e solitário, ocultando a sua fragilidade de poeta e sonhador, (…) pagou as rebeldias, a independência, o orgulho de ser livre à custa de renúncias e privações».

Em Maio de 1957, a revista Vértice publicou um número especial com depoimentos de intelectuais que é um vivo testemunho da actividade de MRP na vida artística portuguesa. Dele extraímos o seguinte testemunho: Os seus trabalhos traziam a marca da segurança e do definitivo, mas ele não era um espontâneo, antes um torturado da execução. As experiências e tentativas eram-lhe constantes, por vezes cheias de dolorosa luta na procura de outros caminhos, que abandonava sem os chegar a revelar. Tudo isso ia encher as vastas gavetas duma cómoda no quarto em que vivia — gavetas em que o espaço sobrava, pois nada mais tinha para lhe meter dentro senão papéis e sonho.» [4].

Retrospectiva da obra de Manuel Ribeiro de Pavia

Em 1958, um grupo de amigos do artista realizou, na Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), em Lisboa, a única retrospectiva da obra de Manuel Ribeiro de Pavia.

Em Abril de 1976 foi apresentada, no Mercado Popular do Livro e do Disco (Feira Internacional de Lisboa, FIL), uma exposição documental sobre a sua obra, que posteriormente foi exibida em várias cidades do país. Houve várias exposições individuais levada a cabo após o seu falecimento.

Em 1983, alguns dos seus trabalhos foram apresentados no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.

Casa Museu em Pavia

Em 16 de Junho de 1984, foi inaugurada a Casa Museu Manuel Ribeiro de Pavia na Freguesia de Pavia (Mora), com a finalidade de perpetuar o espólio do artista, promover e divulgar a sua obra. Trata-se de um pequeno espaço, onde se encontram expostas algumas peças de artesanato local, cerca de uma vintena de pinturas e desenhos originais, algumas reproduções e bastantes livros ilustrados por Manuel Ribeiro Pavia. No piso térreo da Casa funciona um lar de idosos.

Em 2005, foram mostrados alguns dos seus trabalhos na exposição Um Tempo um Lugar, da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.

Em 1950 publicou um conjunto de quinze desenhos denominado Líricas, um álbum acompanhado de um texto escrito por José Gomes Ferreira. Este é um deles.

 

Litografia de Manuel Ribeiro de Pavia, Sêde

 

«Fanga» Obra de Manuel Ribeiro de Pavia, in Servos da Gleba

 

«Fanga» Obra de Manuel Ribeiro de Pavia, in Servos da Gleba

 

«Fanga» Obra de Manuel Ribeiro de Pavia, in Servos da Gleba

 

«Fanga» Obra de Manuel Ribeiro de Pavia, in Servos da Gleba

 

«Fanga» Obra de Manuel Ribeiro de Pavia, in Servos da Gleba

 

«Fanga» Obra de Manuel Ribeiro de Pavia, in Servos da Gleba

 

[1] O Neo-realismo português é essencialmente literário. Alves Redol (Vila Franca de Xira, 1911- Lisboa, 1969) introduziu-o em Portugal com o romance Gaibéus (1939), nome dado aos camponeses da Beira que iam fazer a ceifa do arroz ao Ribatejo, em meados do século XX. Fanga, de 1943, romance síntese do empenhamento político de Redol, retrata a precária existência da população das lezírias, em luta contra a fome e a opressão. Em seis espantosos originais, para uma edição especial de Fanga, nunca publicados, Manuel Ribeiro de Pavia compõe sagradas famílias de gente descalça, que colhem na sombra protectora das árvores alívio para o sol inclemente da campina. Labutando e folgando, a arraia-miúda do Ribatejo retrata o Portugal rural pobre dos anos 40, carne para canhão dos senhores da terra. São ilustrações de uma asfixiante densidade gráfica [ in “A obra de Alves Redol para Crianças”, Anabela de Oliveira Figueiredo, Universidade Aberta de Coimbra, 2005].
Pode ver estes desenhos nos espaços destinados a comentários, nesta biografia.

[2] Pode consultar a listagem das dezenas de publicações com capas e ilustrações de Pavia, colaborações em órgãos da imprensa escrita, bem como as exposições em que figurou, em Almanak Silva: Manuel Ribeiro de Pavia

[3] Pavia retratou uma África voluptuosa, mágica, inquietante e caricatural. Os corpos de homens e mulheres saturam as ilustrações, mas a nudez é casta, pitoresca, pintada a tinta da china e guache branco sobre papel, imitando a técnica da gravura sobre madeira. Tinha o sonho de criar extensos murais, à semelhança dos seus ídolos mexicanos Rivera e Siqueiros, e acabou por os concretizar em África, onde, de resto, nunca esteve. Dois painéis de azulejos que pintou na fábrica da Viúva Lamego, em Lisboa, decoram um edifício da autoria do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, na cidade do Lobito, em Angola. A Pavia não interessavam os estigmas do colonialismo. A sua visão ingénua de África permitiu capas para uma série de sete cadernos editados pela Sociedade de Geografia de Lisboa que ensinavam aos novos colonos, emigrantes da metrópole, as boas práticas colonizadoras» in Almanak Silva: Pavia africanista

[4] O conteúdo, comprovadamente vasto, das gavetas desta célebre cómoda, desapareceu sem deixar rasto e terá sido partilhado pelas pessoas mais próximas de Manuel Ribeiro de Pavia, nomeadamente aqueles que o acompanharam nos seus últimos momentos. Parte do mistério esclareceu-se com a circulação (…) de cerca de duas centenas e meia de originais e litografias numa conhecida leiloeira online. (…) Muita da obra impressa de Pavia tem equivalentes na miscelânia de papéis que se encontravam nas gavetas. Alguns indiciam esboços ou estudos para livros posteriormente publicados, incluindo uma das suas obras mais célebres, o álbum Líricas, de 1950. Geralmente sem data e assinatura, os estudos, apresentam-se com humilde crueza, assumindo as hesitações da grafite, visíveis por entre a caneta e a tinta da china finais, e percorrem os temas caros a Pavia, com relevância para as suas sonhadas mulheres, e ainda uma série de desenhos eróticos, temática desconhecida até agora na vasta obra gráfica do artista. A laboração contínua sobre os mesmos assuntos e registos permitia um vasto repositório de soluções para futuros trabalhos e contribuiu seriamente para a percepção unitária da sua obra, toda ela traçada e pintada unicamente sobre papel. Do obsessivo labor de Pavia resultava ainda a utilização frequente dos dois lados do papel e os versos de provas litográficas, uma dádiva para os felizes possuidores destes originais». in  Almanak Silva: As gavetas de Pavia


Dados biográficos:

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