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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

O mapa de sangue de uma longa história de incompreensão

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Alexandre HonradoAs diferenças nucleares cedo se identificaram e o que parecia à partida compatível seguiu caminhos de rivalidade e de confronto imediato.

Primeiro, o judaísmo viu como emergia da sua própria tradição e matriz a nova força do cristianismo e, seis séculos depois de Cristo, o islamismo tornou-se uma nova realidade local, capaz de tornar-se, rápida e eficazmente, uma das estruturas de crença mais enraizadas no espírito humano.

Muito afastadas, mesmo em tempos históricos em que se cruzavam, as culturas do ocidente (de profundo racionalismo) e do oriente (de profunda espiritualidade), ergueram muros inexplicáveis entre si.

Note-se o exemplo: Portugal depois de mais de 500 anos em Macau nada sabia ainda do oriente, ficando-se pela sedução de alguns dos seus aparentes mistérios.

Camões, João de Barros, Diogo de Couto, Fernão Mendes Pinto ou Venceslau de Morais, são notáveis raras excepções de intelectuais que se inspiraram a oriente – e que nos deixaram visões ocasionais do “outro lado do mundo”.

mapa de sangue de uma longa história de incompreensãoO que primeiro era estranho (para navegadores e cronistas, mas também para quem mandava na Igreja Cristã) cedo se tornou exótico. O que era tido como desumano (não tinham Deus, esses povos, pelo que “não pertenciam à raça humana”) cedo se tornou área de conversão (forçada) pela fé.

Desde os primeiros contactos entre as sociedades ocidentais e orientais, concretizou-se a percepção, para os povos do Ocidente, que a cultura oriental era o espaço do “outro”. As representações culturais orientais foram consideradas culturas inferiores às desenvolvidas pelo Ocidente. Em resumo, o preconceito nasceu muito cedo.

A região do Médio Oriente já tinha antes da era cristã manifestações de uma religiosidade baseada no monoteísmo, mas que interpretavam as relações humanas de formas muito distintas das praticadas por judeus e por cristãos. O aparecimento da religião muçulmana no século VII veio gerar inquietações locais mas sobretudo no Ocidente onde não se identificavam as semelhanças entre as práticas religiosas do Islão e as realizadas historicamente por fiéis do judaísmo e cristianismo. Essa reacção cavou profundos afastamentos. E a base quase imediata de conflitos.

Todo o esforço direccionado foi realizado com o objectivo de destruir a fé pregada pelo profeta Muhammad. Ao longo da experiência histórica das sociedades muçulmanas, vários são os confrontos contra povos do Ocidente, em especial cristão, que se mobilizaram para destituir a fé do Islão, como o movimento das Cruzadas na Idade Média, esforço gigantesco movido por interesses económicos, políticos e religiosos, destruir em última análise e de efeitos devastadores quase sempre.

Religião e política, religião e poder, desde cedo se confundiram. E no tempo histórico em que foram um só, a sorte estava ditada: os povos acreditavam e oravam, mas os que os governavam aproveitavam-se disso para conquistar mais e mais poder.

Nada que não se passe na actualidade, convenhamos.

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