Entre os cinco, Marcelo é o mais tortuoso e dissimulado, e também o mais incapaz de resistir ao protagonismo e à retórica, comentando do futebol ao espetáculo televisivo ou do pequeno ao grande desastre, sem deixar escapar toda a agenda política que trata da mesma forma que todo o espetáculo mediático.
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Manipulação de calendários
Marcelo Rebelo de Sousa não resiste a imprimir a sua marca no executivo. Quinto presidente democraticamente eleito da terceira República, Marcelo continua a tradição trazida pelos seus antecessores. Eanes, talvez o mais intervencionista, lançou o seu partido, precipitou eleições e apostou na divisão do que tinha sido o principal partido de Governo. Soares, lançou o seu Congresso ‘Portugal que futuro’, mais oposicionista do que a oposição, e tentou submeter o seu partido à sua lógica, sem consumar no entanto o que Eanes tinha feito contra si. Sampaio aproveitou o abandono por Barroso para demitir o seu sucessor, sem no entanto interferir na escolha da liderança da oposição que foi antes apadrinhada por Jaime Gama. Cavaco Silva apostou na demissão do governo PS e na constituição de um governo de direita no princípio do seu segundo mandato, mas viu-se incapaz de tornar a impor esse governo perante a constituição da geringonça. Marcelo parece querer copiar os passos de Cavaco, apostando na demissão do governo no início da sua legislatura, quando tem ainda tempo para o influenciar durante quase todo o seu segundo mandato.
Entre os cinco, Marcelo é o mais tortuoso e dissimulado, e também o mais incapaz de resistir ao protagonismo e à retórica, comentando do futebol ao espetáculo televisivo ou do pequeno ao grande desastre, sem deixar escapar toda a agenda política que trata da mesma forma que todo o espetáculo mediático.
Marcelo começou por impulsionar uma geringonça de direita nos Açores, escondendo-se atrás do Ministro da República e usando dos seus poderes menos de seis meses antes das eleições presidenciais, num gesto de constitucionalidade duvidosa.
A geringonça de direita açoriana – com acordos escritos feitos ‘a posteriori’ para cobrir o cozinhado que foi feito em Lisboa inspirado por Marcelo – está à beira de ruir, perante a insistência de um dos partidos de ver limitada a subvenção à companha aérea regional.
Estou convencido que, acaso Marcelo se tivesse abstido de interferir na formação da geringonça açoriana, ela iria ser formada à mesma, mas com outra solidez e consistência programática, menos transformada numa mera máquina de distribuição de fundos públicos aos amigos e lugares às clientelas políticas.
A aparente recusa do PS em se reformar, pode propiciar a continuidade da direita no Governo dos Açores, mas o descrédito político do actual governo é já inelutável. Boa parte desse descrédito é da responsabilidade do Presidente da República.
Temos agora a denúncia do líder do principal partido da oposição de que o Presidente da República se reuniu com o seu rival Rangel para se entenderem nos calendários das reuniões partidárias onde Rangel pretende substituir Rio e nas subsequentes eleições onde se trata por sua vez de substituir Costa por Rangel.
Esta interferência do Presidente da República no funcionamento do principal partido da oposição e nos mecanismos parlamentares é absolutamente lamentável, é prejudicial ao regular funcionamento da democracia portuguesa e não deveria ser aceite pelos portugueses.
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O cálculo político da geringonça nacional
As eleições autárquicas não correram bem ao partido do Governo. Teve maus resultados nos Açores e na Madeira, mas especialmente nas capitais de distrito do país. É verdade que fora esses casos, os resultados não foram especialmente negativos, com bons resultados em algumas áreas importantes do país como o Grande Porto ou o Algarve.
A espetacular e emblemática derrota da coligação em que o PS se deixou envolver em Lisboa, pesada por se tratar da maior cidade e capital, mais pesada ainda por contrariar sondagens e expectativas, dificilmente ultrapassável porque a ela estava colado tanto o antigo autarca lisboeta António Costa como o seu principal rival no partido, que chegou a dizer que a derrota o inquietava por ter um filho a morar em Lisboa, teve inevitavelmente uma leitura nacional.
Marcelo concluiu ser chegado o momento de afastar da liderança do seu partido o líder com que visivelmente não se entende, e de promover o seu substituto a líder do governo.
Os resultados das autárquicas parecem também ter convencido os líderes do Bloco de Esquerda e do PCP que o apoio não comprometido ao Governo, a geringonça informal em que têm estado envolvidos, não os estava a favorecer, levando-os a anunciar a intenção de derrubar o governo.
O problema que ambos enfrentam é o de saber se o eleitorado não os irá penalizar pela sua óbvia colagem à estratégia de Marcelo Rebelo de Sousa, e se entre as duas opções, aquela que anunciaram não será a mais prejudicial aos seus interesses.
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Estabilidade e eleições
A estabilidade política não é naturalmente um valor absoluto, a questão é mais a de saber em que circunstâncias e por que razões ela deve ser posta em causa.
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Entre estas razões, não se encontram as ambições, amizades ou inimizades pessoais dos actores políticos, ou as suas conveniências eleitorais de momento.
Não vejo o executivo de António Costa como especialmente eficaz ou visionário, especialmente nas grandes questões que se colocam ao país, mas menos ainda acredito na capacidade da oposição para fazer melhor.
Acima de tudo, deixar ao arbítrio da intriga e fantasia do nosso Presidente da República a estabilidade política do país, parece-me ser absolutamente desaconselhável. Os partidos da geringonça passiva deveriam ter pesado melhor as suas opções.
Pela minha parte, salvo alteração substancial das presentes circunstâncias, nas próximas eleições, tenciono votar contra o enredo palaciano vazio de conteúdo e apenas cheio de ambição de teatro e de poder.