Diário
Director

Independente
João de Sousa

Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Maria Isabel Aboim Inglês

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1902-1963)

Uma das mais notáveis figuras da Resistência ao fascismo. Uma mulher que enfrentou as perseguições e a repressão salazarista (a si e à sua família) com coragem e dignidade cívica, intelectual, moral e política. Uma cidadã que fez frente ao fascismo numa postura sem vacilações, com grande firmeza de carácter.
Salazar usou contra Maria Isabel Aboim Inglês duas violentas formas de repressão: prendendo-a, mas também retirando-lhe, por todas as formas, os meios de ganhar a vida, quando já era viúva e mãe de cinco filhos. Essa perseguição constante e sem tréguas para a fazer vergar e desistir das suas convicções não a envolveu só a ela, mas aos próprios filhos[1].

Uma mulher que enfrentou as perseguições e a repressão salazarista

Maria Isabel Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês, filha de Elisa Augusta Hahnemann e Juan Saavedra, nasceu em Lisboa, na Rua Nova do Loureiro, no Bairro Alto, em 7 de Janeiro de 1902 e faleceu nesta cidade em 7 de Março de 1963. Estudou em Lisboa, fazendo os estudos secundários no Liceu Pedro Nunes e, depois, uma licenciatura na Universidade. Inteligente, espírito aberto ao mundo e à cultura, matriculou-se na Faculdade de Letras de Lisboa já depois do nascimento do quinto filho, aí terminando o curso de Ciências Histórico – Filosóficas. Conheceu então Carlos Aboim Inglês, um engenheiro químico, antifascista, também ele destemido, com quem iria casar aos 20 anos.

Terminado o curso em 1936, Maria Isabel A. Inglês foi convidada para assistente de Psicologia Experimental, mas não aceitou por razões familiares: os filhos eram ainda muito pequenos. Em 1938 apresentou a tese de licenciatura «A Influência dos Descobrimentos na Sociedade Portuguesa». Munida do diploma, fundou com o marido o Colégio Fernão de Magalhães, na Rua dos Lusíadas em Alcântara, um colégio que, pela qualidade do ensino ministrado, adquiriu enorme prestígio. Foi esse prestígio, a elevada frequência de alunos e os princípios pedagógicos ali desenvolvidos, nada habituais nessa época, que desencadearam as primeiras perseguições do regime a esta democrata. (Talvez porque o ensino do colégio fosse laico, mesmo no prédio ao lado foi fundado um colégio religioso, o Avé Maria). Em 1941, voltou a ser convidada como assistente para a cadeira de Psicologia Experimental e aceitou. No ano seguinte, com 39 anos, perdeu o marido, o que foi um enorme golpe, mas continuou. Poucos meses depois, o seu nome iria ser aprovado pelo Conselho da Faculdade de Letras para assistente de Psicologia e, também, Filosofia Antiga e História da Filosofia Medieval, mas o seu nome foi vetado pelo Ministro da Educação. Manteve-se como assistente de Psicologia Experimental por insistência do Professor de que era assistente, que a defendeu junto do ministro, mas as imposições institucionais que limitavam a sua actividade docente eram de tal modo contrárias aos seus princípios e à dignidade que a caracterizava, que acabou por abandonar o ensino universitário em 1943.

Uma cidadã que fez frente ao fascismo

Por essa altura, já tinha iniciado alguma actividade política ligada à oposição antifascista, com a qual contactava (em casa sua casa encontravam-se amigos como Bento de Jesus Caraça, Ramos da Costa, Dias Amado e Manuel Mendes, entre outros intelectuais com os quais conviveu). Em 1944, aderiu ao MUD (Movimento de Unidade Democrática), sendo a primeira mulher a fazer parte da sua Comissão Central. Foi dirigente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, depois da Associação Feminina Portuguesa para a Paz.

Comissão Central do MUD (1945)

Da esquerda para a direita, sentados: Maria Isabel Aboim Inglês, Mário de Azevedo Gomes, Fernando Mayer Garção; em pé: Gustavo Soromenho, Mário Soares e Manuel Mendes.

 

Foi presa pela primeira vez pela PIDE em 13 de Dezembro de 1946, sendo libertada no dia seguinte, juntamente com outros membros da Comissão Central do MUD, mediante uma caução obtida pela oposição através de uma recolha pública. Dois anos depois, em Janeiro de 1948, voltou a ser presa por causa da distribuição de 1500 exemplares de propaganda do MUD, sendo libertada dois meses depois. A terceira prisão ocorreu em pleno Tribunal Plenário, onde, como muitas outras vezes, foi testemunha de defesa de presos políticos, e deveu-se à firmeza com que enfrentou o juiz presidente, que ordenou a sua prisão por três dias, alegando falta de respeito ao tribunal e enviando-a para as Mónicas (prisão comum de onde saiu dizendo que “até tinha aprendido alguma coisa com as outras reclusas” tendo feito ali um estudo sociológico”).


Reunião de constituição do MUD no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, em 1945. Destacam-se, entre outros, Maria Isabel Aboim Inglês, Maria Palmira Tito de Morais, Manuel Valadares, Luís Navarro Soeiro, Avelino Cunhal, Vasco da Gama Fernandes e Mário de Castro.

Porque era reconhecidamente pioneira no ensino da Sociologia em Portugal, Gentil Martins, director do IPO, convidou-a para leccionar um curso de Sociologia Geral na Escola Técnica de Enfermagem do instituto Português de Oncologia. Só conseguiu dirigir esse curso nos anos de 1947 e 1948, pois em 1949 foi proibida pelo governo de continuar a dar essas aulas. Mais uma perseguição, esta sem dúvida ligada ao facto de nesse ano fazer parte da comissão central da candidatura do general Norton de Matos à presidência da República e de ter percorrido o país de lés-a-lés, falando em sessões realizadas em quase todas as cidades. E essa sua intensa actividade na candidatura do general Norton de Matos, com conferências, documentos de que foi autora e abaixo-assinados, levou ao encerramento e cassação do alvará do Colégio Fernão de Magalhães. E ainda, por decisão do Conselho de Ministros, foram-lhe retirados todos os diplomas que lhe permitiam leccionar. A política fascista roubava assim a esta mulher, viúva e com cinco filhos, os meios de ganhar a vida profissionalmente[2].

Colectânea de discursos pronunciados na Candidatura de Norton de Matos, em Lisboa (1949):
– Maria Isabel de Aboim Inglês, Ema Quintas Alves (Mensagem), Maria Lamas, Dr. Rodrigues lapa, Manuela Porto, Irene Bártolo Russel, Lídia França Pereira, Maria Helena Novais (Palestra), Maria Palmira Tito de Morais, Cesina Bermudes. – Edição dos Serviços Centrais da Candidatura do General Norton de Matos – Lisboa – 1949.

Verdadeiramente indomável, ela não vergou e montou um atelier de costura, ao mesmo tempo que começou a dar explicações e a fazer traduções.

Em 1953 foi convidada a reger uma cátedra numa universidade brasileira, dado o seu grande prestígio e, também, porque no Brasil estavam já vários amigos e conhecidos, que faziam parte dos muitos professores universitários demitidos por Salazar, numa razia que foi uma autêntica perda nacional. Entre eles contavam-se os professores catedráticos Zaluar Nunes, Pereira Gomes, Rodrigues Lapa, Agostinho da Silva e Jaime Cortesão, todos no Brasil. Mas foi-lhe recusado o passaporte, quando ela já tinha feito o leilão do recheio da casa e de grande parte dos seus livros, e se preparava para partir.

Estas perseguições não a demoveram, pois a sua actividade política parece ter aumentado a partir dai, para além do grande e constante apoio que deu sempre ao seu filho Carlos, militante destacado do Partido Comunista Português, no decurso das numerosas prisões e dos anos que este passou nos cárceres fascistas. Em 1957 foi membro da Comissão Central da candidatura de Arlindo Vicente à presidência da República e, depois da fusão das duas candidaturas, apoiou a candidatura de Humberto Delgado. Em Junho de 1959, viu o seu filho Carlos Aboim Inglês ser condenado pelo fascismo a 8 anos de prisão. Em 1960, foi agredida na prisão política de Caxias, aonde se deslocara para visitar o filho. Em 1961 é impedida pelo Governo de Salazar de se apresentar como candidata da Oposição Democrática nas eleições para a Assembleia Nacional.


Ficha prisional de Maria Isabel Aboim Inglês

Foi muitas vezes testemunha de companheiros antifascistas em julgamentos políticos.

Para sobreviver dava lições. Quando se deslocava de carro, de casa de uma aluna para a de outra, sentiu-se mal na Av. Estados Unidos, em Lisboa. Encostou o carro e fechou os olhos para sempre. Tinha sido acometida de doença súbita. Foi numa quinta-feira à tarde, 7 de Março de 1963. Fizera há pouco 61 anos. Nem mesmo então a PIDE deixou de a perseguir: recusou ao filho Carlos A. Inglês a oportunidade de a ver pela última vez.

Por ocasião das comemorações dos 25 anos do 25 de Abril, a Junta de Freguesia de Alcântara homenageou Maria Isabel Aboim Inglês, numa cerimónia com descerramento de uma lápide no edifício da Junta, na Rua dos Lusíadas. O seu nome faz parte da Toponímia de: Almada (Freguesia da Sobreda); Lisboa (Freguesia de Santa Maria de Belém); Moita (Freguesia de Alhos Vedros).

Entre outros lugares na cidade de Lisboa, Maria Isabel Aboim Inglês tem o seu nome numa praceta em Lisboa, em Belém

Campanha pela libertação do filho, Carlos Aboim Inglês, que acabaria por ser condenado pelo regime fascista a 8 anos de prisão

Foi homenageada pela URAP em 2013; e em 2015, na Fundação Mário Soares, foi lembrada numa sessão que contou com intervenções de quatro antifascistas, seus contemporâneos: José Tengarrinha, Mário Soares, Luísa Irene Dias Amado e Maria de Jesus Barroso.

 

[1] Contudo, nem a família nem os amigos mais chegados lhe ouviram nunca uma palavra de desalento, um queixume ou um momento de desânimo. Por isso o poeta José Gomes Ferreira lhe chamou “A Indomável” e muitos a classificaram como “A Mulher sem Medo”, naquela época em que em Portugal o medo era a arma que a ditadura fascista lançava como uma rede paralisante sobre o país, tirando não só a liberdade, mas também o pão aos adversários.

[2] Mas as perseguições não se limitaram a ela própria. Posteriormente, alargaram-se também às filhas, pois foi retirado à filha Maria Luísa, pintora, o diploma que lhe permitia dar aulas de desenho na Escola Marquês de Pombal e a filha Margarida, engenheira agrónoma, que ficara em primeiro lugar num concurso público, foi impedida de manter-se na função pública.

Dados biográficos

  • «Maria Isabel Aboim Inglez, A Indomável» – Intervenção de Margarida Tengarrinha na sessão de homenagem a Isabel Aboim Inglez, promovida pela União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), em 2013
  • Artigo de Isabel César Anjo e Alberto Pedroso no Jornal O Diário, em 1984

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante  subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

 

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

Artigo anterior
Próximo artigo
- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -