(1925 – 2007)
Grande poetisa de São Tomé e Príncipe, escritora, diplomata e lutadora contra a ditadura fascista e o colonialismo.
Cedo aderiu à causa do combate anti-colonialista, que a partir da década de 1950 se afirmou em África, lutando pela independência do arquipélago de São Tomé e Príncipe. Com a sua poesia denunciou a repressão colonialista e a miséria em que viviam os são-tomenses nas roças de café e do cacau. Após a independência conquistada com o 25 de Abril, foi embaixadora de São Tomé e Príncipe em diversos países.
Grande poetisa, escritora, diplomata de São Tomé e Príncipe
Maria Manuela da Conceição Carvalho Margarido nasceu na Roça Olímpia, na ilha do Príncipe, a 11 de Setembro de 1925. O pai, David Guedes de Carvalho, era de uma família judia do Porto, de nome Pinto de Carvalho. A mãe era mestiça, filha de angolana e indiano. O avô materno era descendente de uma família Moniz, de Goa:
Trago bem marcada a fusão das minhas origens. Sinto-me como a última geração do que se convencionou ser o império português. Há no meu sangue uma mistura de continentes, nos meus afectos uma mistura de gentes, na minha formação a cultura portuguesa, na minha poesia o resumo do pulsar da minha ilha.»
Começou a viajar para Portugal muito nova. A primeira vez, apenas com três anos. A mãe morreu cedo. Um dos irmãos foi juiz na Madeira, Moçambique e Angola e da família restam alguns familiares nas Ilhas do Príncipe e em S. Tomé.
Apesar de ter passado grande parte da infância em S. Tomé e Príncipe, não falava fluentemente o crioulo. Filha de professora e de juiz, havia na sua casa a pretensão de que os filhos fossem um exemplo no modo de se expressar em português. (O professor Lindley Cintra costumava gabar-lhe a correcção com que se expressava na língua portuguesa).
Fez a escolaridade num Colégio de franciscanas em Valença do Minho e, depois, no Sagrado Coração de Maria, em Lisboa. Teve sempre boas notas, «e vinte valores em comportamento, em delicadeza, em pontualidade. Eram os frutos da mentalização inculcada pelo meu pai que nos dizia que, como judias e mestiças, deveríamos estar melhor preparadas do que as outras raparigas para vencer na vida. Foram palavras que me marcaram para sempre».
Em 1953 levantou a voz contra o massacre de Batepá, perpetrado pela repressão colonial portuguesa[1].
Lutadora contra a ditadura fascista e o colonialismo
Voltou para África nas vésperas do início da guerra colonial. «Todos nós, africanos, voltámos para casa». Porém, iria ter de regressar de São Tomé, muito doente, indo para Valença do Minho repousar. Curou-se graças a cuidados especiais. Casou em Lisboa e por ali ficou muitos anos, sempre atenta aos anseios dos africanos que aí estudavam. Frequentava assiduamente a Casa dos Estudantes do Império (CEI), em Lisboa, onde participava em actividades culturais e convivia com residentes de todas as colónias e portugueses democratas. Manuela Margarido aparecia na CEI para conversar, falar de livros, da situação política nacional e internacional e, naturalmente, das suas terras. Eram seus companheiros de então Amilcar Cabral, Agostinho Neto, Chissano, Fernando Mourão, Narana Cossoró, Rui Romano, Francisco Tenreiro, entre outros[2].
Manuela Margarido atribuía a Francisco Tenreiro a consciência étnica que imprimia nas suas poesias:
Através dele seguimos de perto o pensamento e a obra de Senghor e de Aimé Césaire que, de certa forma, se tornaram nossos mentores do mesmo modo que foram referências históricas para a África negra. (…) Os meus poemas tornaram-se mais africanos».
Em Alto como o Silêncio (Lisboa, 1957), a sua poesia é a saudade dos sons, cheiros, luz e, também das angústias, dos medos e sonhos da sua ilha. Fala dos homens, dos pássaros, dos cacaueiros, dos coqueiros e do mar, daquilo que a libertava e a oprimia.
XVI
Paira sobre mim a presença
de uma mão partida
e sempre uma ave parte:
nunca sei para onde.
Maria Manuela Margarido, poema “XVI”. no livro “Alto como o silêncio”.
Lisboa: Publicações Europa-América, 1957
Na década de sessenta começaram as perseguições aos nacionalistas africanos e os exílios.
Em 1962 foi presa pela PIDE e levada para Caxias.
Nós queríamos tão somente a autonomia das colónias, inspirados no modelo francês. Ninguém nos ouviu. A minha poesia tornava-se num grito de liberdade. Em Vós que ocupais a nossa terra (1963), denuncio “a cobra preta que passeia fardada”, a polícia e os soldados do continente, tema que foi recorrente na minha poesia de contestação. É um poema muito dorido e que reflecte o sentir da geração esclarecida das ilhas nessa época».
Nos anos 60, com o marido, Alfredo Margarido, Edmundo Bettencourt, Cândido da Costa Pinto e Manuel de Castro, fazia parte de uma tertúlia que reunia aos fins de tarde no café Restauração da Rua 1º de Dezembro (Lisboa).
A censura e a opressão política leva-a ao exílio em Paris
O espartilho da censura e da opressão política empurrou-a para o exílio. Foi viver para Paris, onde ficou trinta anos e fez a sua formação académica. Diplomou-se em Ciências Religiosas na École Pratique des Hautes Études ( foi aluna de Roland Barthes). Licenciou-se em Letras (foi aluna de Francastel) e estudou Cinema. Foi secretária-bibliotecária do Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbonne, e secretária da Liga Portuguesa do Ensino e da Cultura Popular em Paris.
Durante a década de 60 continuou a escrever sobre temas africanos e publicou Os Poetas e Contistas Africanos (S. Paulo, 1963); Poetas de S. Tomé e Príncipe, (Lisboa, 1963); Nova Soma de poesia do mundo negro “Présence Africaine nº 57” (Paris, 1966)[3].
Fez teatro em Paris, sob a direcção do pintor Benjamim Marques; e com encenação de Carlos César, fez a Barca de Gil Vicente. Colaborava em jornais e na revista Estudos Ultramarinos.
Foi embaixadora de São Tomé e Príncipe em diversos países após o 25 de Abril
Depois da Revolução de Abril, iniciou com grande entusiasmo uma nova fase da sua vida, entregando-se à participação na construção da sua pátria recém-nascida, como Embaixadora de São Tomé e Príncipe.
Era a oportunidade de dar a conhecer aquelas ilhas que amo, pequenos pontos no Atlântico Sul para os grandes países da Europa, procurar dar a conhecer a cultura própria das suas gentes. Tenho orgulho em ter sido embaixadora de S. Tomé e Príncipe em dez países (dos quais Inglaterra, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Suécia e Noruega) e oito organizações, entre elas a UNESCO e a FAO».
Da sua vivência como embaixadora, destacou sempre com particular emoção os anos em que ocupou o lugar em Paris, por ter sido a cidade onde, no passado, adquirira a sua maior bagagem cultural e onde tinha deixado importantes relações de amizade.
Quando Mário Soares foi Presidente da República Portuguesa, ocupou o lugar de consultora para os assuntos africanos.
Desempenhou ainda outras funções, entre as quais, como membro do Conselho Consultivo da revista Atalaia, do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL).
Uma vez terminada a sua militância de activa cidadania, pensou voltar à ilha do Príncipe onde continuava a ser proprietária da Roça Olímpia (uma grande extensão de coqueiros, cacaueiros e cafézeiros), mas «não tinha nem meios económicos, nem saúde para a explorar».
Sempre tive consciência de que os valores portugueses nos tinham formado as raízes do pensamento, até no modo como reagimos à colonização. (…) Fez-se a descolonização e o meu país sentiu-se livre. Mas independência não foi nem é tudo. Há muito para fazer em toda a África, é necessário e urgente cuidar da língua portuguesa, para que se mantenha. Estou confiante de que outros virão para concretizar os sonhos da minha geração, talvez de outro modo porque os tempos exigem sempre desafios diferentes. A nossa utopia será substituída por outras utopias que darão sentido às lutas por um mundo melhor. Gosto de pensar que tantos anos de perseverança num ideal, que se concretizou ao longo da minha vida, é reconhecido aqui e lá no meu pequeno país»
Morreu aos 82 anos, a 10 de Março de 2007, em Lisboa, onde vivia, com um contínuo empenhamento na divulgação do nome e da cultura de seu país. As cerimónias fúnebres tiveram lugar na sede do Grande Oriente Lusitano (Maçonaria).
VÓS QUE OCUPAIS A NOSSA TERRA
É preciso não perder
de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Derrubam as árvores fruta-pão
para que passemos fome
e vigiam as estradas
receando a fuga do cacau.
A tragédia já a conhecemos:
a cubata incendiada,
o telhado de andala flamejando
e o cheiro do fumo misturando-se
ao cheiro do andu
e ao cheiro da morte.
Nos nós conhecemos e sabemos,
tomamos chá do gabão,
arrancamos a casca do cajueiro.
E vós, apenas desbotadas
máscaras do homem,
apenas esvaziados fantasmas do homem?
Vós que ocupais a nossa terra?
Maria Manuela Margarido, no livro “Poetas de São Tomé e Príncipe”. . Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1963.
[1] Massacre de Batepá, in Téla Nón Massacre de Batepá, campo de concentração de Fernão Dias ou massacre da Trindade?
[2] A Associação C.E.I. foi fundada em 1943 e era a fusão de diversas Casas de Estudantes oriundos de todo o espaço do ultramar português. (…) Era uma iniciativa apadrinhada pelo regime. No chão de uma sala, havia um grande mapa com todas as colónias da autoria do Arquitecto Trofa Real, de Angola, que também frequentava a Casa dos Estudantes do Império. A Casa estava organizada por secções autónomas: de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, e assim sucessivamente. Assegurava alojamento e tinha cantina própria. Era, também, lugar de convívio e de cultura: organizavam-se exposições, colóquios, recitais, bailes e actividades desportivas. As produções literárias dos associados eram publicadas na revista Mensagem, fundada por Carlos Ervedosa, Alfredo Margarido e Costa Andrade e constitui, hoje, uma obra de referência das primeiras produções de poetas e escritores da lusofonia. Em 1965, a PIDE/DGS selou as portas da Casa dos Estudantes do Império e o ficheiro foi apreendido para facilitar as identificações. Em 1993, a Câmara Municipal de Lisboa celebrou os cinquenta anos da fundação da Casa e publicou uma brochura alusiva ao acontecimento.
[3] Sobre a sua poesia ler: ” Manuela Margarido: uma poetisa lírica entre o cânone e a margem”, por Inocência Mata.
Dados biográficos
- Faces de Eva, Revista de Estudos sobre a Mulher, Número 9, Ano 2003, Lisboa, Edições Colibri
- In almariada: Maria Manuela da Conceição Carvalho Margarido
- Wikipédia: Manuela Margarido
- Infopédia: Manuela Margarido
- A mulher e a poesia: Manuela Margarido
- In limacoelho.jor.br: Poemas de Maria Manuela Margarido