Nasceu em Veléz-Málaga, em Abril de 1904, mas cedo teve de partir para o exílio. Assim, a profundidade e a originalidade do pensamento e obra de María Zambrano só muito tardiamente foram reconhecidos em Espanha: recebeu, em 1981, o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades, em 1984 foi-lhe atribuído o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Málaga e em 1988, o Prémio Cervantes.
Zambrano, intervenção política e pedagógica
Antes, desenvolveu intensa actividade intelectual, sendo introduzida no meio cultural de Madrid pelo filósofo Ortega Y Gasset. São estes dois filósofos espanhóis, Ortega e X. Zubiri, juntamente com o poeta António Machado que se tornarão os seus grandes mestres, cada um conduzindo-a para a transparência (o primeiro) ou para a obscuridade (o segundo). A partir da confluência destas influências, encontrou uma das mais interessantes “definições” de Filosofia: “uma penumbra tocada de alegria”.
María Zambrano destacou-se, também, na intervenção política e pedagógica, nomeadamente a que está relacionada com a criação da Liga de Educação Social. Colaborou regularmente na Revista de Occidente (dirigida por Ortega) e publicou o seu primeiro livro Horizonte del liberalismo em 1930. Foi uma das grandes defensoras da República, tendo sido presidente do movimento Agrupación Socialista Obrera e ocupado o cargo de Conselheira Nacional para a Educação até ao início da Guerra Civil Espanhola.
Regressou do exílio só 45 anos depois, aquando da queda do franquismo, tendo, nos anos desse prolongado e involuntário afastamento, residido em Havana, no México, em Paris, em Roma e, finalmente, na Suíça.
A questão central que ocupa o pensamento da autora de Claros del Bosque e de Hacia um saber sobre el alma é relação filosofia/literatura. Situando-se no momento originário da filosofia ocidental, na Grécia, e na cisão que aí acontece, entre o racional e o poético Zambrano reflete sobre uma certa “violência” que afasta esses dois âmbitos e que os autonomiza. O dilaceramento (passagem do mistério ao problema) seria constitutivo da filosofia, no seu início. De um lado, uma racionalidade ligada à palavra e que será triunfante em Aristóteles e na sua teoria sobre a realidade, assim como em Platão, na sua “condenação” do poeta. Do outro, uma racionalidade ligada ao número, cujo expoente máximo se encontra nos pitagóricos. Aqui, sublinha-se a mediação entre o humano e o divino e o acolhimento do mistério.
Filosofia, Poesia e Religião
Zambrano apresenta-nos uma nova forma de entender a racionalidade, onde Filosofia, Poesia e Religião se aclaram mutuamente. Em seu entender, dessa unidade surgem obras tão importantes como, por exemplo, a Divina Comédia. Neste sentido, o conceito nuclear do pensamento da filósofa espanhola é razão poética. Mais do que apreensão do ser, das estruturas últimas da realidade, a filosofia coloca-se como abertura e criação, não apenas pensamento sistemático, método e claridade mas também “penumbra”.
Não é apenas a palavra que dá razões mas também o coração que escuta, o que leva consigo um “dentro obscuro, secreto e misterioso que, em algumas ocasiões, se abre.”[1]
Embora María Zambrano seja pouco conhecida em Portugal, já existem algumas traduções dos seus textos e alguns estudos sobre a sua obra. Saliento, a este propósito o excelente ensaio da professora Fernanda Henriques que, a propósito do significado de razão poética afirma:
A razão poética é uma razão de amor, porque é “reintegração da rica substância do mundo”, ou seja, porque procura a reunião, a ligação. Se atendermos à definição dada – “reintegração da rica substância do mundo” – temos de reconhecer nesta racionalidade a vontade de restituir algo perdido para que a riqueza do mundo se recomponha. Ou seja, algo se cindiu e essa cisão foi um empobrecimento; restaurar a perdida riqueza do mundo supõe superar essa cisão e retornar a uma unidade originária.”[2]
Mulher íntegra, cidadã exemplar, filósofa e escritora talentosa, María Zambrano sabia que a vida é futuro, abrir de caminhos, ensaio que aponta para o ilimitado e para a fragilidade; para uma obscuridade onde procuramos pequenas brechas por onde passa a luz. As suas palavras são isso, uma “gota de luz” na infinidade das sombras. Por isso, valem a pena.
[1] Zambrano, María, A metáfora do coração, trad. José Bento, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, p. 23.
[2] Henriques, Fernanda, A penumbra tocada de alegria: a razão poética e as relações entre a filosofia e a poesia em Maria Zambrano, Philosophica, nº 11, 1998, p. 55.