A chicana em torno de declarações de Mariana Mortágua (MM) sobre a hipótese de criação de um novo imposto sobre património imobiliário mostra as contradições e perversões do debate político em Portugal.
A proliferação de comentadores agrava a situação porque na maior parte dos casos falam de tudo sem saberem bem do que falam. São eles que o dizem: “não se sabe em que consiste o novo imposto”. (Apetece então dizer-lhes como Juan Carlos disse a Chavez : “Por qué no te callas?“)
António Costa veio hoje esclarecer que o novo imposto está em discussão no seio do governo e lançou ele próprio uma série de questões em aberto sobre o dito imposto.
Ora, se o orçamento de Estado está em preparação é natural que surjam ideias e propostas que não se encontram ainda completas e estruturadas, sobretudo quando o governo tem de as negociar com os partidos que poderão viabilizar o orçamento. Se nada viesse a público, o governo seria acusado de falta de diálogo, secretismo, etc. Como a hipótese de um imposto sobre o património veio a público, caíu o carmo e a trindade.
Mas esta discussão já foi útil: primeiro porque mostrou que a maioria dos comentadores e jornalistas acham um horror taxar o património de valor acima de um milhão de euros (ou mesmo de 500 mil); depois, porque para eles esse imposto representa um ataque à “classe média”; depois, ainda, porque ficamos a saber que a “classe média” em Portugal é afinal uma “classe rica”. (Não os ouvimos gritar tanto quando o então ministro Vítor Gaspar fez o “enorme aumento de impostos”.)
Finalmente, jornalistas e comentadores parecem surpreendidos por Mariana Mortágua defender um imposto a que chamam “radical” mas que existe em países muito pouco “radicais”, como a Holanda, a França, o Luxemburgo ou a Espanha. Ora, nem o imposto é “radical” nem o facto de a sua divulgação ter partido de Mariana o torna automaticamente “radical”. Os que o acham “radical” estão preocupados com os coitadinhos-que-têm-património-imobiliário-de valor-superior-a-um-milhão-de euros ….
O que esta discussão revela é, sim, a radicalização à direita de grande parte dos jornalistas e comentadores que dominam o espaço público mediático.
Artigo publicado inicialmente no blog VAI E VEM