Mário Centeno que ganha 33,6% mais do que o presidente do FED dos E.U.A. (Reserva Federal, o banco central dos Estados Unidos da América: Centeno 17476€/mês, Powell 13082€/mês,14 meses) na entrevista dada à RTP3 revelou uma grande pobreza intelectual, ignorância económica e uma enorme insensibilidade social
Neste estudo analiso a entrevista que Mário Centeno deu à RTP-3 em 29/6/2023, sem contraditório, depois partes dela foram divulgadas por outros órgãos de informação sem comentários críticos que, embora chocante, pois revela arrogância (os auto-elogios são constantes), ignorância económica, desfaçatez em defender os interesses dos grandes grupos financeiros e total insensibilidade social, já que culpabiliza os aumentos de salários pelas subidas das taxa de juro que o BCE tiver ainda de fazer para baixar a inflação, não teve infelizmente qualquer reação significativa pelas organizações a quem cabe defender os trabalhadores e pensionistas. Deixo-as aqui para reflexão e comentário dos leitores.
Estudo
Mário Centeno que ganha 33,6% mais do que o presidente do FED dos E.U.A. (Reserva Federal, o banco central dos Estados Unidos da América : Centeno 17476€/mês, Powell 13082€/mês,14 meses) na entrevista dada à RTP3 revelou uma grande pobreza intelectual, ignorância económica e uma enorme insensibilidade social
PARA MÁRIO CENTENO PORTUGAL É O “PAÍS DAS MARAVILHAS”, “TUDO ESTÁ BEM” E O QUE FOI FEITO ESTÁ CERTO. Disse ele: o país tem investido muito na educação, os jovens são cada vez mais qualificados, o país está a crescer mais que a U.E., e a criar empregos qualificados e bem pagos suficientes para eles, o rendimento disponível dos 20% mais pobres da população , após deduzir os aumentos de preços e das taxas de juro, aumentou 21% em 2020/21, e o dos 20% mais ricos só tiveram um aumento de 12%, os juros dos depósitos não podem subir porque os bancos precisam de obter enormes lucros para compensar os que não tiveram no passado, as taxas de Euribor vão continuar a subir até pelo menos ao 4ºTim.2023, mas os salários não podem aumentar para não estragar.
Mário Centeno na entrevista que deu à RTP 3 em 29/6/2023, com o sorriso zombeteiro que o carateriza, fez um conjunto de afirmações que pelo desfasamento da realidade económica e pela sua insensibilidade social devia merecer a atenção e a preocupação dos portugueses, e uma resposta clara. E isto devido à importância do lugar que ocupa. É certo que estamos habituados às previsões de Mario Centeno que depois não se cumprem.
Em maio de 2022 Centeno afirmou que a inflação “Tem uma natureza que avaliamos como temporária”, e “Continuamos a não identificar nenhuma natureza interna endógena ao fenómeno de formação dos preços que não sejam estas raízes temporárias” (SOL, 6/5/2022), e depois foi o que se viu. É certo que Mario Centeno, que ganha mais 33,6% que o próprio presidente do Banco Central dos E.U.A (o “Fed”), vive num mundo que não é o real dos portugueses. A sua passagem pelo ministério das Finanças foi um desastre para o país, embora a propagando oficial procure convencer a opinião pública do contrário e ele próprio esteja convencido também disso. Para reduzir o défice orçamental da forma como o fez , e assim ser considerado em Bruxelas como o “Ronaldo da redução do défice”, que é a porta giratória para o acesso a altos cargos na U.E., cortou brutalmente no investimento público o que causou a ruina dos equipamentos públicos e a degradação das condições de vida dos portugueses. São exs. a falta e a degradação das escolas e hospitais existentes, dos transportes públicos, e de outras infraestruturas básicas indispensáveis para o desenvolvimento do país contribuindo assim para o seu atraso em relação a outros países da U.E.. Infelizmente deixou discípulos como Leão e Medina. Como isso não fosse suficiente tem-se multiplicado em conferencias a órgãos nacionais e estrangeiros, sem contraditório (os interlocutores parecem estar ali apenas a compor o “ramalhete pois ficam passivos perante os maiores disparates) a defender o aumento das taxas de juro do BCE, contra os aumentos de salários e os interesses da banca sob o pretexto de defesa dos depositantes.
O CORTE BRUTAL DO INVESTIMENTO PUBLICO POR MÁRIO CENTENO (MC) ENQUANTO FOI MINISTRO DAS FINANÇAS
Comecemos por desconstruir o mito que MC é o “mago das finanças” criado pela propaganda oficial. E para provar isso, e não se pensar que a acusação não tem fundamento, vai-se utilizar só dados dos serviços oficiais de estatística.
Quadro 1 – O corte brutal do Investimento Público (FBCF) em Portugal por Mário Centeno e seus pupilos, e o baixo investimento público no nosso país em % do PIB quando comparado com a média dos países da União Europeia -2016/2022
Os dados do quadro sãos os divulgados pelo INE e pelo Eurostat, portanto são dados oficiais, e referem-se ao investimento publico realizado em Portugal (FBCF) em milhões € (coluna 2), e àquele que desapareceu pelo uso obsolescência (CCF) no nosso país(coluna 3), segundo dados do INE; e à média do investimento público, medido em percentagem do PIB, em Portugal (coluna 5) e nos países da U.E. (coluna 6) segundo dados do Eurostat. A conclusão que se tira é a seguinte: durante o período em que Mário Centeno foi ministro das Finanças verificou-se um enorme desinvestimento publico no nosso país. Entre 2016 e 2020, período em que Mário Centeno foi ministro das Finanças, o investimento (FBCF) público somou 18412 milhões €, enquanto o Consumo de Capital Fixo público (CCF), ou seja, o que desapareceu devido ao uso ou à obsolescência somou 27305 milhões € segundo o INE. O novo investimento nem foi suficiente para compensar aquele que desapareceu (-8893M€). E esse desinvestimento publico continuou com os ministros Leão e Medina. E se comparar o investimento publico em Portugal em percentagem do PIB (de 2016/2022 a média foi 1,9% do PIB) com a média dos países da União Europeia (na U.E. foi 3% do PIB) conclui-se que ele foi muito inferior ao da U.E (em média -35%). Este corte brutal no investimento público em Portugal, para reduzir rapidamente o défice orçamental, causou um enorme prejuízo ao país e aos portugueses, que agora são visíveis nos hospitais e escolas que se degradaram ou não foram construídos (hospital do Seixal, Hospital Lisboa Oriental, prometido há vários anos, mas cuja construção ainda se iniciou, iniciou, faz lembrar a longa história do aeroporto de Lisboa, e o agora o anunciado hospital do Oeste que certamente acontecerá o mesmo), nos equipamentos que não foram substituídos e tornam as condições de trabalho difíceis, nos atrasos de anos na execução do Plano Ferroviário Nacional, nos enormes atrasos na execução dos programas financiados pela U.E. (“Portugal 2020”, “PRR” e “Portugal 2030”) etc.. E como consequência no atraso crescente de Portugal em relação à média da U.E. ,e mesmo a países que entraram depois. De tudo isto Centeno se pode gabar pois é responsável. A política de cortes no investimento publico foi seguida por Leão/Medina, seus pupilos.
A ESTRANHA TEORIA ECONÓMICA DE MÁRIO CENTENO PARA DEFENDER OS ENORMES LUCROS DA BANCA
Na entrevista que deu à televisão RTP-3 em 29/6/2023, Mário Centeno confrontado com a pergunta se os bancos deviam aumentar as taxas de juro pagas aos depositantes, respondeu com uma estranha “teoria económica” que nada tem a ver com economia, mas sim com a defesa dos enormes lucros que estão a obter os bancos à custa dos clientes.
Para tornar o assunto mais técnico e mais convincente para os não familiarizados com a contabilidade bancária, Mário Centeno começou por falar da “Margem financeira”, que é a diferença entre juros cobrados e juros pagos pela banca, para dizer que ela tinha sido muito baixa nos anos anteriores, e que os enormes lucros apropriados agora pela banca eram para recompensar os que não tinham obtido nesses anos. Chegou mesmo ao desplante de utilizar como argumento se a média dos lucros fosse feita para um período de 10 anos concluía-se que eles não eram exorbitantes.
No entanto, Mario Centeno esqueceu-se de referir, talvez isso não interessasse para o que pretendia defender que, mesmo em 2022, cerca de metade dos depósitos na banca não eram remunerados. Dois exs. apenas entre muitos que provam isso. Em 2022, segundo o relatório e contas, o BCP dos 75430 milhões€ de depósitos que detinha, 48673 milhões € (64,5%) eram depósitos não remunerados; na CGD, no mesmo ano, dos 81575 milhões € de depósitos de clientes, 46083 milhões € (56,5%) eram depósitos não remunerados. Embora entre 2021 e 2022, o crédito concedido pelo BCP tenha diminuído de 58231 milhões € para 57713 milhões € (- 518 milhões €), os juros cobrados por este banco aumentaram de 1411 milhões € para 2150 milhões no mesmo período (+52,4%). Situação semelhante se verificou na CGD. Entre 2021 e 2022, o crédito diminuiu de 53032 milhões € para 51989 milhões €, (-1043 milhões €) mas os juros cobrados subiram de 1428,2 milhões € para 1865,1 milhões €. Para além disso, em 2022, o BCP cobrou aos clientes 943,8 milhões € e a CGD 755,9 milhões € em comissões. A exploração de depositantes e clientes é clara.
E não é do Banco de Portugal com pessoas como Mário Centeno que depositantes e clientes têm qualquer proteção.
MARIO CENTENO DIZ QUE A MAIORIA DOS EMPREGOS CRIADOS EM PORTUGAL É EMPREGO QUALIFICADO E BEM PAGO, E DEU COMO EXEMPLO O IMOBILIÁRIO, MAS A REALIDADE É OUTRA
Mario Centeno confrontado com a pergunta de que milhares de jovens licenciados têm abandonado o país, porque não se conseguem encontrar nele empregos e remunerações dignas e adequadas para as qualificações que têm respondeu, para surpresa de todos que conhecem essa realidade, que isso era um mito. E para provar afirmou que desde 2019 tinham sido criados em Portugal 112.000 empregos qualificados no comercio, consultoria e do imobiliário, enquanto o turismo e restauração tinha criado 44.000 empregos. E que as remunerações pagas nos setores que dominou altamente qualificados eram de 1800€ superiores à média. No entanto a realidade é infelizmente bem diferente. Portugal importa atualmente trabalhadores pouco qualificados e exporta trabalhadores qualificados porque não cria empregos qualificados suficientes contrariamente ao que pretende fazer crer Centeno. Confrontemos então a realidade delirante e alternativa de Mário Centeno com a realidade objetiva traduzida nos dados oficiais do INE.
Quadro 2 – Indústria de alta e media alta tecnologia, de baixa e media tecnologia e serviços intensivos de conhecimentos AT
Da mesma publicação do INE, transcrevemos as suas conclusões para não sermos acusados de parcialidade: “Em 2021, as Indústrias de alta e média alta tecnologia representavam 0,9% do número de sociedades não financeiras, 6,7% do volume de negócios e 5,8% do valor acrescentado bruto (VAB) total (10,4%, 27,5% e 23,9% no conjunto das Indústrias transformadoras, respetivamente). O pessoal ao serviço nestes setores ascendeu a mais de 133 mil pessoas, cerca de 4,0% do total das sociedades não financeiras e 19,1% das Indústrias transformadoras”. E como os dados do INE do quadro 2 mostram o emprego nestes setores não aumentou como Centeno afirmou (entre 2011 e 2021 até diminuiu -32842), nem as remunerações são muito atrativas como os dados do INE do quadro 2 também revelam. É evidente que Mario Centeno vive numa realidade alternativa que não é aquela que os portugueses e o país vivem. Dados ainda mais recentes do INE confirmam a realidade alternativas em que vive Mário Centeno.
Quadro 3 – Evolução do emprego em Portugal por profissões no ultimo anos – 1ºTrim.2022/1ºTrim.2023
Entre o 1º trim.2022 e o 1º trim.2023 o emprego aumentou em 23800, mas foram destruídos 192600 empregos mais qualificados (especialistas de atividades intelectuais e científicas e técnicos e profissões de nível intermédio). O emprego que aumentou mais foi o de serviços pessoais, segurança e vendedores e de qualificação média e baixa.
CENTENO DISSE QUE, ENTRE 2020/2021, OS 20% MAIS POBRES DA POPULAÇÃO VIRAM AUMENTAR O SEU RENDIMENTO DISPONIVEL EM 21%, DEPOIS DE DEDUZIR OS AUMENTOS DE PREÇOS DA ALIMENTAÇÃO, ENERGIA E TAXAS DE JURO, E O RENDIMENTO DISPONIVEL DOS 20% MAIS RICOS AUMENTOU APENAS 12%
Para mostrar que esta afirmação de Mário Centeno não é para levar a sério basta analisar a evolução da situação dos pensionistas no nosso país que representam cerca de 30% da população portuguesa como revela quadro 4.
Quadro 4 – Número de pensionistas e pensões de invalidez, velhice e sobrevivência e a perda do seu poder de compra 2019/2022
Contrariamente ao que afirmou Mário Centeno o rendimento disponível dos 20% da população mais pobre não aumentou 21% em 2020/2021. A maioria esmagadora dos pensionistas está nesse grupo e, em 2020/2021, a pensão média total dos 3131299 pensionistas aumentou apenas 2€, isto é 0,5% (entre 2019 e 2022, o poder de compra da pensão média de invalidez diminuiu -4,9%, da velhice -2,6% e de invalidez -1,2%). Entre 2022 e 2023, as pensões aumentaram em média 6,7% e inflação deve aumentar cerca de 6%. A situação de pobreza da esmagadora maioria dos pensionistas continua. Mesmo com os apoios sociais a vigorar apenas em 2023, a situação não se altera significativamente.
Contrariamente ao que afirmou também Centeno, há em Portugal cerca de um milhão de inquilinos, e destes 300000 pagam rendas que representam 40% do seu rendimento (Eurostat).Mas segundo o governo apenas 150.000 receberão um apoio médio mensal de 100€ para pagar a renda. Cerca de 1100000 crianças receberão um apoio de apenas 15€/mês. O apoio às famílias vulneráveis é apenas de 30€ por agregado familiar segundo a Segurança Social e beneficiária apenas as famílias que paguem a Tarifa Social de Energia Elétrica (são apenas de 760000).
CENTENO CULPALIZA OS SALÁRIOS SE AS MEDIDAS DO BCE (alta de juros) NÃO BAIXAREM A INFLAÇÃO
Centeno não tem limites na sua arrogância, desfaçatez e insensibilidade social. Na entrevista que deu à RTP3 afirmou que os aumentos dos salários em Portugal podem “estragar” o que o Banco Central Europeu está a fazer, ou seja, baixar inflação à custa da redução da procura, isto é, aumentando também a pobreza. Faz lembrar a fábula de La Fontaine “o lobo e o cordeiro”. Entre 2021 e 2022, a remuneração média anual bruta regular no país aumentou 2,8% (passou de 1105€ para 1136€ dados da Segurança Social divulgados pelo INE) e a inflação subiu 7,8%, o poder de compra diminuiu -4,6%. Entre 2019 e 2021, os lucros das empresas não financeiras aumentaram de 25082,5 milhões € para 31932,5 milhões € segundo o INE, e as financeiras (ex. banca) obtiveram lucros enormes e mesmos obscenos. E Centeno defende que as remunerações não devem aumentar para não estragar o trabalho do BCE e que a banca precisa recuperar os lucros que não teve no passado. Eis a estranha teoria económica de Centeno. O país e portugueses não sairão certamente do atraso e da pobreza com gente desta natureza.