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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Mário Silva

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1901 – 1977)

Professor universitário e investigador antifascista, notabilizou-se como figura de Ciência, mas viu impedida, por motivos políticos, a sua carreira de docente e de investigador. Em 1947 foi preso e expulso da Universidade, num processo de saneamento político colectivo que ficou na história da ditadura fascista[1]. Foi um exemplo para várias gerações (não apenas coimbrãs), como cientista e, também, pela luta que travou na resistência contra o regime do Estado Novo. Mário Silva é uma referência de cidadania ímpar, quer na defesa dos valores da liberdade e da democracia, quer, sobretudo, pelo que contribuiu, com o seu saber e dedicação sem limites, para o conhecimento científico e para a Ciência pura e aplicada.

Doutorou-se em Paris com Madame Curie, em 1929, tendo sido seu assistente no Instituto do Rádio de Paris, mas quando regressou a Coimbra foi impedido de realizar obras que teriam mudado, desde logo, o rumo da investigação e do ensino da Física em Portugal. Fundou o Museu Nacional da Ciência e da Técnica (MNCT), iniciativa que, não sendo inédita na nossa História, foi a primeira do género no Portugal do Século XX, mas o museu teve uma vida efémera[2].

Inicio dos estudos em Coimbra

Fotografia de Mário Silva, em 1928, do documento de identificação durante a sua estada no Instituto do Rádio de Paris, onde foi assistente de Madame Curie

Originário de uma família republicana, Mário Augusto da Silva nasceu na freguesia de Almedina, em Coimbra, a 7 de Janeiro de 1901.

Fez os estudos primários e liceais em Coimbra, destacando-se desde logo pelas altas classificações com que os terminou. Ainda jovem, iniciou a carreira de docente universitário (1921), com a sua nomeação como assistente supranumerário. Em 1923, começou a colaborar no jornal A Cidade, com o propósito de promover a divulgação da Ciência, mas as considerações de carácter científico que fez acerca da génese da vida desencadearam uma celeuma, provocada pela resposta de um dos membros da direcção do “Centro Académico de Democracia Cristã” (a que pertenciam Salazar e Cerejeira, futuro cardeal patriarca).

Entre 1921 e 1925 é Assistente da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e, assim que terminou a licenciatura em Física nessa Faculdade (com 19 valores), parte para Paris e inicia o seu doutoramento, como bolseiro da Faculdade de Ciências de Coimbra, no Instituto do Rádio de Paris, que era então um dos maiores centros mundiais de investigação na área da Física Atómica.

Mário Silva chega a Paris em Setembro de 1925, sem carta de apresentação para pessoas ou entidades francesas, nem sequer para o Instituto do Rádio onde iria trabalhar. À chegada a Paris dirigiu-se a Afonso Costa (I República), nessa altura aí exilado, para quem levava uma carta de recomendação escrita por Gaspar de Lemos, um democrata da Figueira da Foz, correligionário e grande amigo do seu pai, e que havia sido ministro da agricultura do governo presidido por Afonso Costa. Ao saber que o jovem desejava frequentar o Laboratório Curie, Afonso Costa prometeu-lhe, desde logo, que o apresentaria a Paul Langevin, seu grande amigo. . Mário Silva foi rapidamente recebido por Madame Curie, a quem expôs o seu desejo de preparar uma dissertação de doutoramento. A cientista lamentou que a Universidade de Coimbra não tivesse feito o pedido de inscrição atempadamente (as inscrições para aquele ano académico já se encontravam fechadas), mas sensibilizada com o entusiasmo pela Ciência do jovem português, não quis que ele tivesse que voltar a Coimbra e aguardasse mais um ano. Por isso, «et pour rendre service à l´Université de Coimbra», admitiu-o no seu próprio laboratório pessoal, convidando-o a ajudar o seu assistente, Marcel Laporte, na parte experimental das suas lições. Nesse tempo, Madame Curie fazia o curso de radioactividade para os alunos da Faculdade de Ciências da Universidade de Paris. Na falta de um lugar no Laboratório, foi na sua Sala de aula que Madame Curie o instalou para a execução dos seus primeiros trabalhos. Assim se explica, em grande parte, a atenção e o interesse com que ela os seguiu desde o início; e também que ele tivesse ficado em estreita colaboração com a organização do seu curso teórico e que fosse ele a auxiliá-la nas demonstrações experimentais das suas lições, um privilégio em tão extraordinárias aulas.

Doutoramento em Paris

Em Paris, no laboratório de Madame Curie

Mário Silva tinha em curso a preparação da sua tese para doutoramento e, nos primeiros tempos, tinha sentido a falta de preparação científica, especialmente em Física, para acompanhar o ritmo e o alto nível científico do trabalho no Laboratório. . Chegou a pensar regressar a Coimbra, mas resistiu e passou a frequentar na Sorbonne e no Collège de France cursos de Física e Matemática. Teve como mestres grandes cientistas _ Jean Becquerel, filho do célebre Henri Becquerel, no Curso geral de radioactividade; Paul Langevin em Física; Goursat em Cálculo diferencial e integral; Borel em Cálculo de probabilidades; Hadamart em Análise matemática; Louis de Broglie no Curso de mecânica ondulatória. Assistiu ainda aos cursos de Madame Curie e de Debierne, subdirector do Laboratório Curie.

Não podendo a bolsa portuguesa prolongar-se para além de 1927, a Faculdade de Ciências de Paris atribui-lhe, a pedido de Madame Curie, uma nova bolsa, o que lhe permitiu, em Julho de 1929, doutorar-se em Ciências Físicas na Universidade de Paris.

Durante esses anos, foi colega e amigo de grandes cientistas, que na mesma altura também preparavam teses de doutoramento: Frédéric Joliot, Iréne Curie, S. Rosenblum, A. Proca, Frilley, Consigny e Jedrzejowski. Conviveu com outras grandes figuras da Ciência, como Paul Langevin, Jean Perrin, Debierne e Holweck. Mário Silva refere, a prpósito: Conheci Niels Bohr, em Paris, no Instituto do Rádio, onde lhe fui apresentado por Madame Curie, por ocasião das cerimónias académicas, comemorativas do primeiro centenário da morte do grande físico francês Fresnel, em 1927. Todos os grandes nomes da Física moderna honraram, com a sua presença, estas cerimónias, como Lorentz, J.J. Thomson e o próprio Einstein». Na verdade, o Instituto do Rádio de Paris era então um dos maiores centros mundiais de investigação na área da Física Atómica. .

A carreira científica de Mário Silva, em Paris, revela-se promissora. Em 1926 é eleito membro da Societé Française de Physique. Em 1926, 1927 e 1928, são apresentados à Academia das Ciências de Paris diversos trabalhos científicos da sua autoria, em colaboração com Marcel Laporte, realizados no Instituto do Rádio de Paris[3].

Em 1928, obtém o Doctorat d´Etat, ès-sciences, pela Universidade de Paris, defendendo a tese intitulada Recherches Expérimentales sur l´Électroaffinité des Gaz, sendo o Júri constituído por três grandes cientistas franceses: Madame Curie (Presidente), Jean Perrin e Debierne. A pedido de Madame Curie a sua tese de doutoramento é publicada nos Annales de Physique.

Numa altura em que se iam iniciar importantes trabalhos na área da fissão nuclear, Mário Silva é obrigado a regressar, apesar dos apelos feitos à Universidade de Coimbra, por Madame Curie, para que continuasse em Paris. [4].

De volta a Coimbra, ao serviço da ciência

Em 1929 é nomeado Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.

A década de 30 irá ser para Mário Silva uma fase de grande labor, ao serviço da ciência, da investigação, da Física e da inovação. Porém, nem sempre bem sucedida. Inicia importantes trabalhos com vista ao estudo dos núcleos atómicos, que seriam interrompidos por exigência da Universidade de Coimbra. Era então bolseiro da Universidade de Paris, e recebera, a pedido de Madame Curie, a bolsa Arconatti-Visconti, para trabalhos de investigação científica em França[5].

Em 1930 obtém uma bolsa da Junta de Educação Nacional para trabalhos de investigação científica no país. Apresenta um trabalho pioneiro sobre radioactividade em Portugal, “ La Radioactivité des Gaz Spontanés de la Source de Luso”, no congresso de Hidrologia, Climatologia e Ciências Médicas realizado em 1930, um trabalho publicado na Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.

Em 1931, com o Professor de Medicina Álvaro de Matos, cria o Instituto do Rádio de Coimbra. Apesar de pronto a funcionar, aquele que poderia ter sido o primeiro Instituto de Física Nuclear e o primeiro Instituto de Oncologia, em Portugal, nunca foi oficializado [6].

Mário Silva publica na Revista da Faculdade de Ciências: “Sur une Méthode de Détermination de la Vie Moyene d´un Ion Négatif”.

Faz provas públicas para Professor Catedrático de Física da Universidade de Coimbra, com a tese “Sobre dois Métodos de Determinação da Probabilidade – h – de Thomson”, e é já como Professor Catedrático que é nomeado para Director do Laboratório de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra em Novembro de 1931. Em 1932, publica o livro Lições de Física para Uso dos Alunos do Curso de Preparatórios Médicos da F. de Ciências e o artigo Newton, Esperimentador.

Em 1933 cria, juntamente com Teixeira Lopes seu assistente, e Armando Lacerda, director do Laboratório de Fonética Experimental da Faculdade de Letras, a primeira emissora de rádio do país: a projectada «Emissora Universitária de Coimbra», mas vê o projecto ser abandonado. Cria e dinamiza o Rádio Clube do Centro de Portugal. Publica os artigos científicos: Sur la Charge Électrique du Recul Radioactif, Les valeurs Absolus de la Mobilité des Ions Gazeux dans les Gaz Purs e L´Ionisation dans l´Hydrogène trés pur.

Em 1934, inicia a recuperação do espólio que pertenceu ao primeiro Gabinete de Física Experimental, criado pela grande reforma pombalina de 1772. Em 1937, publica o livro didáctico Lições de Física. Em 1938 apresenta à Academia das Ciências de Lisboa a comunicação Um Novo Museu em Coimbra: O Museu Pombalino de Física da Faculdade de Ciências de Coimbra, posteriormente publicada na Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Em 1939 o Museu Pombalino de Física era uma realidade e cientistas de renome que o visitaram ficaram surpreendidos pela diversidade, pela originalidade e pela riqueza artística da preciosa colecção de instrumentos científicos.

Museu Pombalino de Física

Em 1940, publica Lições de Física e apresenta uma comunicação ao Congresso da História da Actividade Científica Portuguesa, realizado em Coimbra: “A Actividade Científica dos Primeiros Directores do Gabinete de Física que a Reforma Pombalina criou em Coimbra em 1772.

Em 1941 foi eleito membro da American Physical Society e nomeado Secretário da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Em 1942 profere a Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo de 1942-43, a que deu o título de Elogio da Ciência.

Nos anos seguintes, até 1945, publica numerosos estudos sobre Física, com destaque para Teoria do Campo Electromagnético. [“Le Champ Electromagnétique Variable”, em colaboração com o físico austríaco Guido Beck . Durante a 2ª Grande Guerra passaram por Coimbra, fugidos ao regime nazi, físicos de renome mundial]

Actividade política e prisão

A deliberação de Salazar, ao abrigo do famigerado Decreto-lei 25317 ( do saneamento político de Professores universitários)

Até 1943, não se envolveria em actividades políticas organizadas, mas, em Dezembro desse ano, aderiu ao MUNAF, tendo representado o distrito de Coimbra no Conselho Nacional desse movimento, juntamente com Barbosa de Magalhães, José de Magalhães Godinho, Bento de Jesus Caraça e Manuel Mendes, entre outros. Ligar-se-ia depois ao MUD e, em Outubro de 1945, foi membro activo da respectiva comissão distrital de Coimbra. Em 1946 era Vice-Presidente da Comissão Distrital por Coimbra do Movimento de Unidade Democrática (MUD), o que o levaria à prisão pela polícia política, pela primeira vez em 21 de Agosto de 1946. Só foi restituído à liberdade em 14 de Outubro do mesmo ano, por não se terem encontrado elementos suficientes para sustentar a acusação de delito contra a segurança do Estado.

No entanto, seria afastado compulsivamente da Universidade de Coimbra, através do Despacho do Conselho de Ministros, publicado no Diário de Governo, primeira série, nº 138 de 18 de Junho de 1947. Recorreu da decisão que o afastava da sua cátedra, mas sem resultado e foi aposentado compulsivamente (despacho da Caixa Geral de Aposentações em 24 de Abril de 1948).

Como a reforma a que tinha direito não começou a ser paga imediatamente, viu-se obrigado a trabalhar como vendedor de diversas firmas comerciais. Ainda em 1947, começou a trabalhar com a secção portuguesa de uma firma holandesa, a Philips, e em Janeiro de 1950, nomeado seu “Consultor Científico”. Aí se manteve durante alguns anos, apesar de uma tentativa do ministro da Educação, Pires de Lima, para que a empresa o afastasse, o que não conseguiu.

Com a ilegalização do MUD, voltaria a ser preso mas, encontrando-se doente, ficou em prisão domiciliária, durante cerca de três semanas.

Em 1949, colaborou na campanha do general Norton de Matos às eleições presidenciais e, em 1958, foi convidado a fazer parte da comissão nacional pró-candidatura à Presidência da República do eng. Cunha Leal, que acabou por não aceitar ser candidato.

Depois das eleições de 1958, juntou-se à Acção Democrato-Social, de cuja comissão distrital de Coimbra foi membro.

Fotos da campanha do General Humberto Delgado em Coimbra (1958)

As duas fotos referem-se ao comício no antigo Teatro Avenida

Nesta foto, Prof Mário Silva à direita do General

Ilustram o momento da ovação do público presente à entrada do Professor Mário Silva na sala (no camarote central)

Em 1961 foi candidato da oposição à Assembleia Nacional.

Em 1966, reforma-se da Philips Portuguesa.

Em 1967 é convidado oficialmente pelo governo francês para assistir ao primeiro centenário do nascimento de Madame Curie.

Em Agosto de 1968 fez parte da «comissão de auxílio ao dr. Mário Soares», constituída na sequência da sua deportação para S. Tomé, e, mais tarde, filiou-se no Partido Socialista.

Em 1971 é nomeado Presidente da Comissão de Planeamento do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, por despacho do Ministério Educação Nacional, pelo Prof. Dr. Veiga Simão.

Reintegrado professor catedrático depois do 25 Abril de 74

Depois da Revolução de Abril, em Fevereiro de 1976, foi reintegrado como professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e, em Novembro do mesmo ano, a Câmara Municipal de Coimbra conferiu-lhe a Medalha da Cidade.

Ainda em 1976, é finalmente oficializado o Museu Nacional da Ciência e da Técnica através do Decreto-Lei nº 347 de 12 de Maio de 1976, e Mário Silva é nomeado para seu Director. Pelo trabalho de recuperação que o levou à criação do Museu Pombalino foi-lhe atribuído um louvor público.

Museu de Física da Universidade de Coimbra

Mário Augusto da Silva morre em Coimbra a 13 de Julho de 1977, sem ver concretizado o sonho com que vivera os seus últimos anos de vida: o Museu de Física da Universidade de Coimbra.

A ideia da criação do MUSEU surgiu-lhe quando, em meados dos anos trinta, recebeu uma carta da Direcção Geral da Fazenda Pública para que elaborasse um inventário do laboratório que dirigia. Foi então que deparou com um património valioso, único no mundo. Embora dele quase nada restasse, empreendeu um trabalho excepcional na sua recuperação, demonstrando as extraordinárias condições criadas pela reforma pombalina de 1772 para a realização da investigação científica em Portugal, talvez sem paralelo na nossa História.

Pelo trabalho realizado Mário Silva recebera um louvor público em 1942. O Museu, que ocupava duas salas do primeiro andar do edifício pombalino onde funcionou o antigo Laboratório de Física, foi mantido e melhorado pelo Professor MS, até 1947, ano da sua expulsão da Universidade pelo regime salazarista. Porém, os sucessores do Professor Mário Silva mantiveram-no fechado e abandonado até à sua reabertura em 1997, isto é, até mais de meio século depois da sua criação.

Finalmente, em 2016, a Sociedade Europeia de Física declara Museu Pombalino de Física como Sitio Histórico Europeu. Um Museu único no mundo que, depois de ter sido criado pelo Professor Mário Silva nos anos trinta e de ter sido votado ao abandono depois da sua expulsão da Universidade em 1947, só reabrira as suas portas em1997. Durante décadas de abandono algumas das suas preciosidades tinham ido desaparecendo[7].

Trabalhos, obras e publicações…

Mário Silva colaborou em jornais e revistas, como O Século, Átomo e Seara Nova e deixou numerosos trabalhos de investigação, tanto em revistas científicas estrangeiras como em livro.

Traduziu numerosas obras científicas, nomeadamente o cap. XIV de Panorama da Ciência Comtemporânea – Estrutura da Matéria de J.H. Thomson e J. Huxley; o livro Introdução à Matemática de A. N. Whitehead, da Colecção Studium (1948); o livro da Colecção Studium O Significado da Relatividade de A. Einstein, com uma «Explicação Prévia» da sua autoria (1958).

Publicou Importância das Novas Técnicas Radiológicas para Diminuir o Perigo das Radiações. Em 1964 traduz o livro Pensamento Científico Moderno de Jean Ullmo, com «Duas Palavras de Apresentação» da sua autoria. Publicou os livros didácticos Curso Complementar de Física, vol I e II, e Problemas Resolvidos de Física Geral, vol I – Cálculo Vectorial e Cinemática (1967). Em 1971 é publicado pela Coimbra Editora o livro Elogio da Ciência, que tinha terminado em 1963.

Foi responsável pelas publicações do Museu Nacional da Ciência e da Técnica (9 vols. 1971-1979).

Nunca mais me foi possível esquecer a emoção que senti quando, pela primeira vez, entrei a seu lado na Sala de aula onde, nesse dia, ela ia falar sobre a teoria das transformações radioactivas a um numeroso auditório que a recebeu de pé e, segundo o costume, com uma prolongada salva de palmas. A experiência que eu tinha previamente montado e verificado, era das mais curiosas do curso: demonstração a todo o auditório do ritmo das transformações radioactivas, tornando por assim dizer, audíveis as explosões dos átomos de rádio… Respirei aliviado e quase tive a ilusão, nesse minuto para mim memorável, de que aquelas palmas também se dirigiam ao ignorado português que ali estava, sentindo que acabara de viver um dos momentos mais emocionantes da sua vida de professor»

[1] Mário Silva encabeça a lista dos professores universitários que, em Junho de 1947, foram afastados do ensino universitário do Porto, Lisboa e Coimbra (Deliberação de Conselho de ministros, presidido por Salazar, ao abrigo do decreto – lei 25 317 de 1935).

[2] O Museu Nacional da Ciência e da Técnica (MNCT) entrou em agonia em 1977, após a morte do seu fundador, (abandonado pelo Estado Português, pela Universidade de Coimbra e pela Câmara Municipal de Coimbra) e acabou por ser encerrado e extinto, por Decreto-Lei em 2005, ano internacional da Física. Desconhece-se o paradeiro do seu valioso espólio.

[3] Trabalhos apresentados à Academia das Ciências de Paris, fruto de árdua actividade científica nesses anos: Mobilité de ions négatifs et courants d´ionisation dans l´argon pur» (1926); «Sur une nouvelle détermination de la periode du Polonium» e «Sur la déformation de la courbe d´ionisation dans l´argon pur par addition d´oxygène» (1927); «Sur l´affinité de l´oxygène pour les électrons» e «Electrons et ions positifs dans l´argon pur» (1928); «Recherches espérimentales sur l´électroaffinité des gaz» (1929).

Por indicação de Madame Curie aplicou aquele método de ionização do argon à determinação do período de vários elementos radioactivos, nomeadamente ao polónio. Verificou que o valor até então referido na literatura não era correcto. Madame Curie, no seu tratado sobre radioactividade, indica para o período do polónio o valor determinado por Mário Silva.

[4] No artigo: «Velhas Recordações do Laboratório Curie», publicado na revista «Seara Nova» em 1957, escreveu: «Obtido o desejado Doctorat d´Etat, ès-sciences, com a apresentação de uma dissertação sobre a electroafinidade dos gases, Salomon Rosenblum aconselhou-me a permanecer em Paris onde começava, na verdade, a sentir-se com perfeita nitidez o desabrochar de uma nova era no estudo dos núcleos atómicos. Com os seus trabalhos, Rosenblum dava os primeiros passos, e o seu entusiasmo multiplicava-se em novos projectos de investigação. Por meu lado, enveredei pelo caminho da técnica das altas tensões que então já se mostrava indispensável para o ataque do núcleo atómico. Procurei reproduzir no Laboratório, por via experimental, o mecanismo da formação das trovoadas onde facilmente a Natureza produz tensões da ordem dos milhões de volts, para o que, entre outros dispositivos, me servia de jactos de finíssimas gotículas de mercúrio electrizadas… Estes ensaios tiveram, a breve trecho de ser interrompidos porque de Coimbra começaram a exigir, com uma insistência cada vez mais acentuada, mesmo sem atenderem à opinião em contrário de Madame Curie, o meu imediato regresso a Coimbra… e para quê – santo Deus!… para dar aulas na velha Universidade… Conformei-me e parti, tanto mais que de lá, entretanto, chegava uma notícia agradável… a da criação do Instituto do Rádio de Coimbra..»

[5] Em Janeiro de 1957, num artigo publicado numa edição da: Seara Nova» dedicada à energia nuclear, Mário Silva recordava os trabalhos e o ambiente que então se vivia no Instituto do Rádio de Paris: «Para além da actividade docente, Madame Curie vivia mais intensamente os trabalhos de investigação dos que, como eu, preparavam dissertações de doutoramento. O trabalho era intenso, feito numa atmosfera de entusiasmo e de expectativa. Embora nenhuma descoberta sensacional tivesse sido revelada nesse período pré-atómico de 1925-1930, sentia-se, porém, que “alguma coisa” iria surgir de um momento para o outro»

[6] Os acontecimentos relacionados com o Instituto do Rádio de Coimbra marcariam para sempre Mário Silva. Num artigo, que corajosamente publicou, no Jornal Notícias de Coimbra em 1938, lembrava: No meu tempo, o Instituto de Rádio de Paris era um pequeno mundo onde se falavam quase todas as línguas; eu era o único português, mas havia, além de franceses, russos, polacos, sérvios, romenos, eslavos, suíços e japoneses… No dia do exame de doutoramento de um investigador do Laboratório, Madame Curie, à sua custa, dava uma festa em honra do novo doutor, durante a qual era da praxe que ela fizesse um discurso de elogio das investigações e dos resultados obtidos. Todos os investigadores do Laboratório se associavam à festa e a aspiração de cada um era, mais do que o doutoramento, a festa e o elogio de Madame Curie. Foi também essa a minha aspiração durante os quatro anos do meu estágio, aspiração que eu tive a felicidade de ver realizada. Dessa festa conservo, contudo, uma recordação que me entristece hoje (1938)… É que Madame Curie, no final do seu discurso, ao formular alguns votos, não esqueceu a Universidade de Coimbra. Fecho os olhos e ainda a vejo, com a sua taça erguida, saudar o país distante que lhe tinha dado a alegria de fundar um Instituto do Rádio, lembrando mais uma vez que seria com alegria que viria visitar-nos para assistir à sua inauguração. Mal diria eu então, ao agradecer comovido a saudação, que os anos iriam passar uns após outros, vazios e inúteis por deliberada e malévola intenção de responsáveis que a História um dia há-de severamente julgar, que o Instituto do Rádio de Coimbra acabaria por ser esquecido, lamentavelmente, pela própria Universidade, e que nós todos, nesta Coimbra sempre desprezada, neste velho burgo em que nascemos, nunca teríamos o orgulho de receber e festejar aqui essa gentilíssima figura de mulher e genial cientista que foi Madame Curie».

[7] Historicamente, o Museu de Física da Universidade de Coimbra foi criado pelo Professor Mário Augusto da Silva. A ideia da sua criação surgiu-lhe quando, em meados dos anos trinta, recebeu uma carta da Direcção Geral da Fazenda Pública para que elaborasse um inventário do laboratório que dirigia. Foi então que deparou com um património valioso, único no mundo. Embora dele quase nada restasse, empreendeu um trabalho excepcional na sua recuperação, demonstrando as extraordinárias condições criadas pela reforma pombalina de 1772 para a realização da investigação científica em Portugal, talvez sem paralelo na nossa História.

Em Junho de 1938, na sequência do trabalho realizado, MS apresentou à Academia das Ciências de Lisboa, da qual era membro, uma comunicação a que deu o título de «Um novo Museu em Coimbra: O Museu Pombalino de Física da Faculdade de Ciências da Universidade», posteriormente publicada na Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. A importância do novo Museu era realçada: «Quando, há anos, tomei conta da Direcção do Laboratório de Física da Universidade de Coimbra, estava bem longe de pensar que no desempenho, por assim dizer, das minhas funções me seria dado a empreender um trabalho de investigação e de reconstituição históricas que os meus antecessores, professores e directores ilustres que foram deste Laboratório, não só não tiveram o menor interesse em fazer, como até, inexplicavelmente, o prejudicaram, deixando que se perdessem alguns dos mais valiosos elementos do seu estudo. Felizmente, nem tudo se perdeu, e daí a razão do meu trabalho (…); quero referir-me sobretudo às vicissitudes por que passou até hoje, ao estado lamentável em que o fui encontrar, mutilado e disperso, e ao estado em que actualmente se encontra, depois da reconstituição que me foi dado empreender. Se este estado, hoje, mal reflecte a antiga grandeza, permite-nos contudo ainda admirar algumas das suas curiosidades, incontestáveis elementos de valor, quer consideradas no ponto de vista artístico, quer no ponto de vista da História da Ciência, susceptíveis de constituírem no seu conjunto, tal como foram reunidas, um Museu digno de ser conservado, um valioso Museu de Física do século XVIII».

Pelo trabalho realizado Mário Silva recebeu um louvor público em 1942. O Museu, que ocupava duas salas do primeiro andar do edifício pombalino onde funcionou o antigo Laboratório de Física, foi mantido e melhorado pelo Professor MS, até 1947, ano da sua expulsão da Universidade pelo regime salazarista. Porém, os sucessores do Professor Mário Silva mantiveram-no fechado e abandonado até à sua reabertura em 1997, isto é, até mais de meio século depois da sua criação.

Do abandono à destruição foi um passo. Na passagem do 10º aniversário da sua morte (1987), uma edição de «O Jornal» noticiava o desaparecimento de uma das máquinas recuperadas pelo Professor Mário Silva com o título: «É a única no mundo» [“Provavelmente o móbil do crime terá sido a magnífica mesa que lhe servia de suporte”]. Em 1992, o «património» continuava a desaparecer – para além de permanecer desconhecido, praticamente, da totalidade dos portugueses.

Em Janeiro de 1997, o Departamento de Física resolveu, finalmente, reabrir o Museu de Física, numa cerimónia presidida pelo Presidente da República Portuguesa Jorge Sampaio, com o Reitor da Universidade de Coimbra, Rui de Alarcão, e o Director do Museu de Física, Providência e Costa. O Professor Providência e Costa e a sua equipa, em cerca de um ano, tinham feito o que os seus antecessores não fizeram em meio século.

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