Com o falecimento de Mário Soares (1924-2017), perdemos o principal estadista da nossa democracia.
Publicamente, podia ser um homem de partido e sem papas na língua. Mas para a história, foi alguém que soube representar uma época e um povo.
Teve uma carreira política longa e frutuosa. Que eu tenha memória direta, estava na campanha da CEUD em 1969; nos dias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974; no Alto da Alameda em 1975; na adesão à Europa em 1985; como presidente da República até 1995; são momentos em que Mário Soares se fundiu com o seu tempo e com o seu país, com o Zeitgeist, com o coração da democracia.
Compreendo, mas discordo de quem não gosta de Mário Soares; confundem os erros da descolonização com um dos homens que a promoveu. Não entendo nem aceito quem destila ódio contra Mário Soares que tinha Portugal no coração. À sua maneira de burguês lisboeta, mas no seu coração de português. Fazia parte de nós.
Lamentar a morte de Mário Soares é honrar Portugal.
Ouvi falar dele pela primeira vez em minha casa antes do 25 de Abril. Era um herói para os meus tios e a minha mãe. Estavam com ele nos valores da liberdade e da então sonhada democracia. Estive na Alameda em 1975 quando Soares liderou a luta contra o gonçalvismo; esse comunismo de 1975 era radical quando hoje é social democrata.
Entre 1976 e 1985, Soares batalhou dez anos e um dia para Portugal entrar na então CEE e agora UE. O reconhecimento internacional de que desfrutava desde o seu exílio em Paris foi um apoio precioso para levar avante essa sua convicção de estadista. Hoje, que a Europa bem precisa de ser renovada, é bom lembrar que é preciso ter coragem como a de Soares para iniciar mudanças.
Conheci pessoalmente o dr. Mário Soares muito tarde. Troquei impressões com ele quando no Instituto da Defesa Nacional lancei o manual “Educação para a Cidadania” a que se seguiram os cursos de formação para professores e jornalistas. Ele referiu-me como “um especialista”; não era elogio nenhum, mas sim uma referência à minha neutralidade partidária numa época em que as coisas corriam bem no nosso país.
Mais tarde troquei simpáticas impressões com ele na Fundação quando, com o meu editor e amigo Pedro de Avillez, lhe fomos oferecer em 2007 o livro “Regicídio – o Dossier Desaparecido” que coordenei com uma vasta equipa. Era um livro sobre o crime que permitiu a República, mas o dr. Soares mostrou grande curiosidade, para desgosto do dr. Aquilino Ribeiro Machado, também presente.
Portugal perdeu o seu estadista com reputação internacional. Na luta contra o anterior regime de ditadura; na fundação da democracia portuguesa; na luta pela democracia contra as forças totalitárias; na promoção da integração europeia, Mário Soares revelou valor humano e coragem que o tornaram uma figura histórica.
Com o seu falecimento, o país e os portugueses perdem uma referência maior da democracia mundial e um defensor da liberdade e dos valores humanistas.
Neste momento de emoção, evocar a sua morte é louvar a vida e honrar Portugal.
Este artigo respeita o AO90