Música e dança do Sul de Moçambique que passou a identidade nacionalA história do ritmo que virou referência da identidade moçambicana é cheia de possíveis leituras. A origem, os instrumentos, os passos e até mesmo o nome ganham diferentes versões no país e não há uma mais verdadeira que a outra. A Marrabenta é um pouco de todas. A Marrabenta é por si só a foz de diferentes culturas. É uma dança que traduz muitos em outros múltiplos. E por isso, defender uma só verdade seria impossível. Marrabenta é uma verdade plural, assim como sua história, que começa quando Maputo era ainda Lourenço Marques, em meados do começo do século XX.
A Marrabenta é o principal ritmo musical de Moçambique, e está no cerne da sua identidade. Trata-se de um ritmo urbano, a sua estilização deve-se a pessoas urbanizadas que, distantes do seu meio social e cultural rural e sujeitos à influência da cultura ocidental, muitas vezes pelos piores motivos, criaram este ritmo, pegando noutros já existentes como a Magika, Xingombela e Zukuta.
A cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, registou, na segunda metade so século XX, um significativo desenvolvimento económico, ao mesmo tempo que evoluiu para se tornar num importante centro político e administrativo.
Entre 1950 e 1960, criam-se os primeiros dois planos de fomento económico no Portugal de Salazar, os quais que promoveram a migração de cidadãos portugueses para a colónia de Moçambique, incluindo a realização de investimentos na pequena indústria alimentar, fábricas têxteis, de utensílios domésticos e nas actividades portuárias e ferroviária.
Antes, ao longo da década de 1930, o investimento na urbanização, além de estimular o êxodo rural com a deslocação de populações do campo para a cidade, estimulou o surgimento dos bairros suburbanos de Maxaquene, Munhuana, Mafalala, Chamanculo e Chinhambanine.
O assentamento das populações na cidade, como resultado do sistema colonial, fez-se em função da cor e da raça da pessoa. Assim, os bairros da Polana e Ponta Vermelha são, predominantemente, ocupados por cidadãos brancos de origem europeia, enquanto o Central (que fazia a transição entre a zona da elite, urbanizada, e o subúrbio pobre em que habitavam os negros) era ocupada por asiáticos (de origem indiana e paquistanesa, sobretudo).
Da convivência no mesmo espaço entre os negros moçambicanos, asiáticos e europeus resultou uma mestiçagem que, de acordo com os autores de pesquisas sobre a Marrabenta, contribuiu para o desenvolvimento e divulgação desta música-dança. Os executantes e praticantes da Marrabenta, que utilizavam o Xigogogwani/Xibavane, um instrumento artesanal que nos recorda a viola, começaram a ter ferramentas musicais modernas e sofisticadas, ao mesmo tempo que frequentavam os bailes e as casas de pasto na cidade.
Segundo Samuel Matusse, escritor e radialista, o nome do género musical Marrabenta provém do vigor (do “rebentar”) que a dança cont. O académico Rui Laranjeira, apurou que o nome Marrabenta tem a ver com a maneira de dançar e de tocar a guitarra até “arrebentar” as cordas. Por exemplo,
Moisés Manjate, um instrumentista, afirma que enquanto decorriam os concertos, chagavam a ouvir-se frases como “rebenta o fio”.
O mesmo argumento é defendido por personalidades e artistas como o músico João Domingos que relaciona a origem do termo Marrabenta ao rebentar das cordas da viola, em virtude da forma vigorosa com que se toca o instrumento, bem como o escritor e professor de literatura Calane da Silva que fala da mestiçagem cultural entre as línguas portuguesa e bantu para a formação da palavra.
O músico Dilon Djindje assegura que o termo Marrabenta surgiu entre o distrito de Marracuene e Bobole. Por outro lado, no seu estudo, o director do Instituto de Investigação Sociocultural, João Vilanculo, propõe uma estrutura hierárquica constituída por dois grupos de actores na história da origem e evolução da Marrabenta.
Entre os “Precursores do género encontram-se Fani Mpfumo, que fez a primeira gravação musical entre 1947 e 1955, na África do Sul; Mahecuane, que registou o disco “Yi Xibalo Muni Makhandene”, na Gallo Recording, no mesmo país, em 1945; Alexandre Langa, o autor das composições “Hoyo Hoyo Masseve” e “Hosi ya Kandonga vai Khomile”; Dilon Djindje que criou a canção “Ni Djula Maria va ni Khomba Tereza” e, por fim, os Conjuntos Djambo e João Domingos que, a partir de 1950, interpretaram a composição “Elisa Gomara Saia”. O segundo Grupo identificado por João Vilanculo, o dos “Promotores”, menciona o Grupo RM, os músicos Wazimbo, Stewart Sukuma, Neyma Alfredo, entre outros.
Influências estrangeiras
A Marrabenta é um fenómeno de migração sonora das zonas rurais para as cidades. Diz que o Xigogogwane foi um instrumento com base no qual muitos instrumentistas dessa criação musical iniciaram as suas carreiras em Gaza.
A adopção de novos elementos musicais por parte das comunidades rurais resulta do processo da aculturação em que os músicos mesclavam o seu canto e as suas melodias e ritmos tradicionais com os sons dos instrumentos assimilados. Por exemplo, a assimilação da guitarra no campo proporcionou aos cantores novas formas de expressão artística na criação da Majikha e da sua dança.
Hortênsio Langa, compositor e intérprete da música “Lirhandzo”, afirma que “com a migração das populações das zonas rurais do sul de Moçambique para as grandes cidades em busca de oportunidades de trabalho ou para cumprir o ‘Xibalo’ (regime de trabalho forçado através do qual a administração colonial fornecia mão-de-obra barata aos colonos de grandes propriedades), nas décadas de 1940/50, as canções, os ritmos e formas de tocar dos músicos oriundos daquelas regiões fundiram-se com as práticas musicais urbanas”.
A gravação de algumas composição do género Majikha, sobretudo por parte dos moçambicanos que migraram para a África do Sul, foi o factor que contribuiu para a sua difusão. De uma ou de outra forma, a Marrabenta é um género musical que sofreu e sofre a influência da música estrangeira (em particular sul-africana).
Músicos como Young Issufo, Jazz Band, João Domingos, Orquestra Djambo, Conjunto Harmonia, cuja produção musical têm tonalidades de blues, jazz, swing, rumba e samba. Essas bandas usam já instrumentos de sopro, muito típicos na época, dando a impressão dese estar diante de uma música de marcha militar, onde se sente muito o rufar dos tambores e a secção de sopro que era dominante.
O facto de Fani Mpfumo, considerado o “rei da Marrabenta” ter vivido na África do Sul fez com que a sua música carregasse rastos dos géneros Kwella, Simandjemandje e Jive entre outras músicas daquele país.
A Marrabenta contemporânea, produzida pelo Projecto Mabulo e por artistas como Stewart Sukuma, Mingas, Neyma, Anita Macuácua, Lorena Nhate, entre muitos outros, inclui marcas da música Rap, Jazz e do Ragga (ou ‘dancehall digital’, gênero de música eletrônica surgido através de influências do dancehall, na Jamaica, em meados dos anos 80).
De uma ou de outra forma, Agnelo Navais afirma que apesar destas influências é importante notar que “essas músicas não perderam a sua base rítmica, principalmente no que diz respeito ao toque ou ao compasso dos instrumentos como a bateria e a viola-baixo, onde o ritmo do bombo é contínuo, e a “caixa da ré” acentua em cima do quarto tempo”.
Stewart Sukuma-Xitchuketa Marrabenta
Uma homenagem de um dos músicos mais populares da actualidade, Stewart Sukuma, a alguns dos fundadores da Marrabenta