O Ministério da Educação é das instituições brasileiras de maior relevância para a construção da nação. Tem o segundo maior orçamento da Esplanada, com previsão de cerca de 122 bilhões para 2019, e é um dos mais capilarizados nos estados, através de universidades e institutos federais que têm enorme papel não apenas na formação de jovens, mas também na pesquisa de ponta que ajuda a transformar as potencialidades locais em dinamismo econômico.
Sob sua coordenação, políticas públicas impactam definitivamente a vida de milhões de famílias brasileiras, e seus recursos ajudam a colocar em pé programas fundamentais para o acesso ao ensino e o combate ao analfabetismo, por exemplo, especialmente em municípios menores e com baixo orçamento.
Embora com as nuances próprias de cada governo, há décadas o MEC e seus instrumentos vinham cumprindo um papel positivo para o país, numa lenta porém contínua evolução no sentido de alcançar as ousadas metas do PNE – seja no que diz respeito ao acesso à educação em todos os níveis ou ao financiamento desse sistema, objetivando investir 10% do PIB na educação até 2020.
Tudo isso foi realizado contando com corpo técnico qualificado, respeitando a pluralidade democrática de pensamento presente na academia, nas escolas e utilizando em proveito do Brasil a enorme gama de conhecimento produzido por nossos professores, pesquisadores e cientistas.
Essa edificação construída a milhares de mãos encontra-se ameaçada. Suas fundações têm sido corroídas por uma visão obscurantista que contamina parte da cúpula do atual governo, do próprio presidente ao ministro da Educação, discípulos declarados do auto-intitulado filósofo ultraconservador Olavo de Carvalho.
Sintomático do revanchismo ideológico que tem guiado a atual gestão, em sua recente viagem aos Estados Unidos, Jair Bolsonaro fez questão de frisar que sua principal tarefa é “desconstruir” o que se fez no Brasil desde a redemocratização. Na “cruzada regeneradora” que se considera destinado a implantar, não é necessário apresentar um programa claro para a sociedade, com objetivos e metas, mas sim descontaminar o Estado de uma suposta “doutrinação do marxismo cultural”. Até porque, seu projeto de caráter profundamente antipopular é indefensável, pois trata-se de desobrigar o Estado do investimento em educação, saúde e na retirada de direitos importantes dos trabalhadores.
Para o macarthismo tardio comandado pela banda olavista do governo, “comunista” é quem discorde do autoritarismo e defenda a liberdade de cátedra, o ensino crítico, respeite conquistas civilizatórias que remontam ao Iluminismo. Ou seja, aqueles que defendem os preceitos consolidados na Constituição de 1988.
Em menos de três meses no poder, o ministro Vélez já falou em estabelecer crivos ideológicos para projetos de pesquisa, em criar comitê para revisar as questões do Enem, convidou professores a filmarem alunos cantando o hino nacional nas escolas, assinou documento oficial com o slogan da campanha de Bolsonaro e protagonizou uma série de episódios que atestam seu despreparo e ausência de um plano sério de trabalho para a pasta. A resultante é um desmonte em postos-chave – o cargo de secretário-executivo, por exemplo, teve três indicações em 15 dias.
É nesse contexto de inoperância que Vélez e Bolsonaro foram a público dizer que será instalada a “Lava-Jato da Educação”. É relevante dizer que num Estado Democrático de Direitos, jamais seria possível iniciar uma operação desta natureza sem qualquer indício de irregularidade.
É portanto mais uma investida contra a universidade brasileira como outras que temos acompanhado, tratando-as nos marcos de “inimigos internos” do país. Lembremos a operação que prendeu injustamente o reitor Luiz Carlos Cancellier, e que o levou ao suicídio, não tendo comprovado nada que pudesse incriminá-lo ao fim da investigação. Mais recentemente, o ex-reitor da UFRJ, professor Carlos Levi, se viu condenado em primeira instância por um procedimento legal e corriqueiro de um convênio operado pela fundação vinculada à universidade.
O Brasil tem desafios imensos a serem enfrentados e o Ministério da Educação é um instrumento indispensável para qualquer governo que se pretenda sério. O país não pode ficar submetido à cortina de fumaça que camufla um projeto de poder que submete a democracia e a liberdade acadêmica, enquanto produz o desmonte dos mecanismos de financiamento da educação e da ciência brasileiras.
por Flávia Calé da Silva, Mestranda em História Econômica na Universidade de São Paulo e presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado