Quando engravidei pela primeira vez, em plena guerra colonial, não havia ecografias nem epidurais.
“Rezei” para que fosse uma menina para não ir para a guerra. Fui até comprar, a correr, roupinha cor de rosa.
Nasceu um rapaz.
Foi um misto de felicidade e de medo. A guerra não me saía do pensamento.
O 25 de Abril e a descolonização trouxeram-me a Liberdade e a paz de espírito. O meu filho não iria combater.
(Como gosto da “Ronda do Soldadinho“, do Zé Mário Branco, do tempo do GAC…)
Agora, aqui onde me encontro, sinto medo. Puro e duro. Não sei viver assim.
Estou de passagem, nada me prende aqui, excepto a minha gente.
Em breve, vou embora. apanho um avião, tenho uma casa para onde voltar, tenho uma vida organizada, calma e sou livre.
As pessoas com quem aqui me relaciono começaram a ter medo! São expatriados ou nacionais de classe média mais e menos alta. Alguns bem “posicionados”. Movem-se rápida e velozmente entre casa e emprego, tentando escapar a esta onda de assaltos e violência. Para os “bandido” a vida humana vale zero e o crack abunda.
Evitam idas ao centro da cidade.
Há muito que as autoridades tinham um alerto vermelho preparado (garantem-me), mas tardaram a executá-lo.
Foi precisa uma sequência de assaltos, especialmente numa zona nobre da cidade, Talatona para que isso acontecesse. Sei que, em pelo menos dois casos, havia familiares de deputados/ministros envolvidos. Faz a diferença…
Nesse fim-de-semana, a cidade foi inundada de polícia, com fardas de todas as cores, até os temidos “ninjas”, força de intervenção. Câmaras, acção…
Vi mulheres polícia calçadas com sabrinas, à beira da estrada, mas vi outras com sapatos de atacadores à porta do Candando.
Os “bandido” escolhem mulheres sozinhas, topam o bruto carro, a carteira de marca, o bom corte do trajar, mas muitas, sobretudo as nacionais não se contêm e persistem na ostentação. Aqui, o estatuto pesa. E rende!
Os mais inteligentes, os mais sabidos, resguardam-se. Vão para casa mais cedo, não têm rotinas, escolhem percursos alternativos, etc.
E o medo é contido quando chegam ao conforto/luxo das suas casas com ou sem piscina, rodeadas de muros e arame farpado, com cães (os “bandido” têm medo deles), dentro ou fora de condomínios privados, rodeados de segurança.
Passados muros e barreira de segurança, à porta de uma das melhores e mais caras escolas, agora com maior número de alunos nacionais (ou porque os expatriados já partiram ou porque já não têm condições para a pagar), desembarcam meninos vestidos com roupas, sapatos, mochilas, etc., tudo de marca, de jeeps e carros potentes, com vidros fumados, alguns até blindados. Sempre a acompanhá-los ou os pais e o segurança ou o motorista com o segurança e com a nanny de farda branca.
Meninos tristes. Não podem ostentar tanta abastança extra-muros…
Os nacionais, fora os privilegiados, a grande maioria vive muito mal, ganha uma miséria e tudo está caro. Há áreas da administração pública onde falham salários há meses. Transportam-se em candongueiros e são também assaltados, mesmo à entrada dos bairros onde vivem. E, contudo, sorriem.
Sobressalto! Meia noite e meia.
Divido-me entre a casa dos meus dois filhos. Estou agora na do meu filho. Uma moradia de muros altos com arame farpado e fortes portões. E câmaras de vigilância.
O alarme disparou e os cães (3 pastores alemães) ladraram forte. Lá veio o medo. Sobretudo pelas 3 crianças que dormem.
Alarme falso, não se percebeu porquê, mas o medo paira.
O Xana tem preparado um carro para usarmos. Saímos 2 vezes sozinhos, uma delas de noite, de casa da Inês para aqui e nada mais. É arriscado e os seguranças têm que proteger a minha nora e as crianças. Gestão de prioridades.
Por isso, este último fim-de-semana em Cabo Ledo, para lá da Barra do Kwanza, foi revigorante. Respirámos fundo, fomos à praia, rimos, sentimo-nos livres.
Leitora identificada mas que, por razões de segurança, pediu anonimato.