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Domingo, Janeiro 5, 2025

Membros da AST e Brigada Negra condecorados com a Ordem de Timor-Leste

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

O Presidente da República Democrática de Timor-Leste, José Ramos-Horta, por ocasião do 49º aniversário da proclamação da independência de Timor-Leste em 28 de Novembro de 1975, decidiu condecorar vários membros da Brigada Negra, todos eles antigos membros da Associação Socialista de Timor (AST) e uns actuais quadros do Partido Socialista de Timor (PST).

A tomada de decisão do Presidente de Timor-Leste terá apanhado de surpresa vários observadores, menos atentos, no país e no estrangeiro, pelo que, quero elogiar publicamente a atitude corajosa, digna e honrosa de Ramos-Horta, não só pelo facto de ter sido um reconhecimento merecido e justo, mas, também, pelo facto deste gesto do Chefe de Estado de Timor-Leste ter contribuído para ajudar a reconhecer os actos de todos aqueles que lutaram e a esclarecer a história de libertação nacional.

 

Associação Socialista de Timor (AST) e Brigada Negra

A Brigada Negra (BN)  foi uma das organziações de combate da AST desde 1995, foi aprovada em 12 de Outubro de 1996 pelo Comandante Máximo da Resistência, Kay Rala Xanana Gusmão, e integrada como Força Especial nas FALINTIL. No plano operacional, como mais adiante fundamento, tinha como responsáveis os dirigentes da Associação Socialista de Timor (AST).

Neste sentido, falar sobre a génese e o papel da Brigada Negra, necessariamente, é um imperativo referir o papel crucial da AST, transformada posteriormente em Partido Socialista de Timor (PST), e de outras organizações da luta clandestina que deram lugar à AST, nomeadamente a OJECTIL e a FECLITIL.

No terreno operacional, efectivamente, a BN era orientada por um Bureau Especial da Associação Socialista de Timor (AST), liderado por Avelino Maria  Coelho da Silva (Shalar Kosi / F.F.), nomeado Conselheiro Político do Comandante-em-Chefe das FALINTIL e Coolaborador  do CEM-F – Chefe do Estado Maior das FALINTIL.

Com base em várias evidências e registos históricos, com destaque para o «Job Description da Brigada Negra», facilmente se conclui que o papel desta Força Especial na luta de libertação nacional foi determinante, mas é esquecida,  essencialmente por razões de ordem subjectiva, competindo a cada leitor reflectir sobre o assunto e retirar as suas ilações.

A verdade é que o Presidente da República, ao condecorar vários membros da  AST/PST e Brigada Negra, em que Avelino Maria Coelho da Silva foi o primeiro a ser condecorado (2023), usou os seus poderes constitucionais de Chefe de Estado para reconhecer ao mais alto nível o papel contundente desta e de todos aqueles que contribuíram na Força Especial das FALINTIL e na luta de libertação nacional.

Em síntese, como a história não se pode apagar, o que deve constar no acervo patrimonial de Timor-Leste é que o Partido Socialista de Timor (PST), o partido político dos militantes e simpatizantes do socialismo democrático e popular timorense, fundado em 20 de Dezembro de 1991, resulta da determinação de um grupo de dirigentes da Organização da Juventude de Comunistas de Timor-Leste (OJECTIL), fundada em 1981, que por sua vez se transformou em Outubro de 1989 na Frente Clandestina para a Independência de Timor-Leste (FECLITIL) e posteriormente na Associação Socialista de Timor (AST).

 

Job Description da Brigada Negra

A Brigada Negra, repito, teve um papel chave no processo da luta de libertação, tendo sido considerada bastante perigosa pela INTEL ( Indonesia´s Intelligence Service) e pelas forças armadas indonésias principalmente desde o momento em que rebentou um engenho explosivo num apartamento de uma das células da Brigada Negra em Semarang (Java Central, Indonésia), um acontecimento que originou muitas prisões e casos de tortura violenta junto de jovens membros da BN.

Em 1997, estava eu em Portugal, recebi vários documentos secretos (alguns ainda não foram divulgados), em que foi portador o saudoso Aquita Tama Laka, membro da AST e da Brigada Negra, e que descreviam toda a estratégia meticulosamente desenhada pela AST para a operacionalização do plano da BN que tinha como objectivo principal a desestabilização do regime indonésio.

O «Job Description da Brigada Negra», aprovado por Kay Rala Xanana Gusmão, foi-me enviado por Avelino Coelho, via fax, no dia 29 de Agosto de 1997.

Os cuidados e o sigilo com Avelino Maria Coelho da Silva eram uma constante e nas  nossas comunicações usávamos a expressão “Boa Noite” para nos referirmos à Brigada Negra.

Ora bem, conforme está descrito no documento, a Brigada Negra foi criada para assumir tarefas de ordem militar na Frente Clandestina e pela melhoria da capacidade de combate da Resistência Armada com o objectivo de libertar Timor-Leste.

A composição estrutural ou orgânica da BN envolvia um Chefe Principal coadjuvado por vários assistentes operacionais, no seu conjunto constituíam a Direcção Colegial, que por sua vez chefiavam quatro Secções, A, B, C e D, com várias atribuições e competências.

A Secção A era responsável pelo estudo, organização e planeamento da aquisição do material de guerra para a Brigada Negra e para a Resistência Armada. O planeamento e a execução do envio do material à Resistência Armada, ocorria segundo mecanismos bem definidos, e dando prioridade às necessidades de ordem premente que fossem surgindo.

A Secção B tinha como atribuições e competências garantir o recrutamento de elementos e a sua preparação técnica na fabricação de explosivos para uso da Brigada Negra e das FALINTIL.

A Secção C tinha como principais atribuições responsabilizar-se pela guerrilha urbana em todo o país, sabotagens armadas, quer em Timor-Leste como na Indonésia, visando pontos estratégicos, económicos e pontos sensíveis que provocassem reacções nas massas populares contra o regime.

A Secção D tinha como atribuições específicas responsabilizar-se pelos trabalhos de inteligência e contra inteligência, nomeadamente junto das forças militares do inimigo para as politizar, consciencializar e desintegrá-las das estruturas militares da Indonésia a que pertencessem.

Os métodos de trabalho e as relações da Brigada Negra obedeciam aos seguintes princípios:

  • Centralização absoluta de decisões: Direcção Central (DC);
  • Centralização relativa: nas Secções;
  • Descentralização entre as diversas Secções;
  • Centralização absoluta entre a DC e as Secções, através dos Assistentes;
  • Desenvolvimento geométrico descentralizado no recrutamento de agentes/elementos que formavam o corpo de cada acção.

 

Encontros secretos com a liderança das FALINTIL

O Job Description da Brigada Negra, aprovado pela Direcção Máxima da luta, para além da aprovação de Kay  Rala Xanana Gusmão, foi explicado nas montanhas de Timor-Leste por Avelino Maria  Coelho da Silva (em alguns casos acompanhado pelo saudoso Aquita Tama Laka), como por exemplo, com o Comandante Taur Matan Ruak, com os saudosos Comandantes David Alex (Daitula) e Konis Santana, entre outros membros da Frente Armada e Clandestina.

Da Esqª para a Dtª: Saudoso Comandante Nino Konis Santana e Avelino Coelho da Silva analisando a estratégia da Brigada Negra (Fonte: Arquivo AST/PST)

Inclusivamente, entreguei a título de empréstimo um vídeo na Direcção de Política Externa do MNE – que nunca foi devolvido – com imagens sobre uma importante reunião em que eram protagonistas Avelino Maria Coelho da Silva, o saudoso Tama Laka da Brigada Negra, o saudoso Comandante David Alex (Daitula) e o Comandante Taur Matan Ruak.

Da Esqª para a Dta: Taur Matan Ruak, Avelino Coelho, Saudoso David Alex e Saudoso Tama Laka analisando a estratégia da Brigada Negra (Fonte: Arquivo AST/PST)

Na Frente Diplomática, a representação da Brigada Negra era assegurada por Azancot de Menezes, Representante Especial da AST/PST no Exterior. Enquanto elemento da Brigada Negra no exterior, tinha como principais atribuições e competências explicar a situação interna vivida no país (e na Indonésia), partilhar o documento com políticos e diplomatas estrategicamente selecionados e procurar apoio financeiro e material.

As autoridades portuguesas acompanharam de perto os desenvolvimentos relacionados com as actividades da Brigada Negra, quer um agente do SIS – Serviços de Informação e Segurança com quem tive encontros semanais durante quase dois anos, quer a  Presidência da República e o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).

Como se pode inferir, os encontros secretos com a liderança das FALINTIL no interior da Pátria, os contactos com  os órgãos de soberania do Estado português e com os diplomatas dos PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, demonstra bem a relevância da Brigada Negra no processo da luta de libertação nacional, mas, a visibilidade máxima ocorreu quando Avelino Maria Coelho da Silva, a sua família e dois camaradas se refugiaram na Embaixada da Áustria em Jakarta, em Setembro de 1997.

Durante mais de um ano e meio houve um autêntico esforço da  Indonésia para se conseguir a saída de Avelino Maria  Coelho da Silva e tal só não  aconteceu devido à enorme resiliência de Avelino Maria Coelho da Silva, a deterninação da Austria e as campanhas feitas por  M. Azancot de Menezes e de outros membros da AST / Brigada Negra.

Após muita movimentação diplomática e depois do encontro que a Representação Externa da AST teve em Lisboa, em 18/01/98, com Jamsheed Marker, Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas, realizou-se uma visita da Delegação da ONU e da União Europeia à Embaixada da Áustria em Jacarta para abordar o dossier directamente com Avelino Coelho.

 

Os membros da AST/PST e da Brigada Negra

As condecorações do Presidente da República aos membros da AST/PST e  da Brigada Negra são explicadas pela forma abnegada e consequente do trabalho desenvolvido em prol da luta de libertação, cuja coordenação em termos operacionais esteve sob a responsabilidade da Associação Socialista de Timor (AST), liderada por Avelino Maria Coelho da Silva.

Os membros condecorados em 2023  e 2024 foram quase todos eles dirigentes da AST e são também membros da Direcção do Partido Socialista de Timor (PST):

  • Avelino Coelho da Silva (Presidente do PST);
  • Azancot de Menezes (Secretário-Geral do PST);
  • Nuno Corvelo Sarmento (Co-Presidente do PST);
  • Luís Maria Lopes (Vice-Presidente do PST);
  • Nuno Vicente Pereira (Vice-Presidente do PST)

Outros condecorados da Brigada Negra, não estão agora no PST, mas foram membros da AST, nomeadamente:

  • José da Costa Belo Pereira e Celso António Ximenes de Oliveira.

No entanto, é de elementar justiça referir, os membros da AST/PST e da  Brigada Negra são muitos mais, como por exemplo, António Maher Lopes /Fatuk Mutin, Maria Lola Carvalho /Mukya , Domingos Natalino Coelho, Ivo Miranda, Nando Coimbra / Fuzila   (AST e BN), Cristóvão Pereira, Rui Lourenço (AST e CNRT), António Martins, Ivo da Costa, Ricardo Pires/Lulik, Nelson Mau-Tula, Avelino Mesauita/Rebenta, Fernão Correia Lebre, Rhadot, Lígia Coelho,  Quim Santana, Agus Moko/Perez, António Martins, Gil, Ivo Miranda, Custódio e  Juvinal (elementos da Frente Armada) , Lola Muika, Buisara, Nelson Surabaya, Sikat Let, entre tantos outros.

E, também, os grandes combatentes da AST/PST e da Brigada Negra, já falecidos, os saudosos Aquita Tama Laka, Luciano Hornay, Hélder Lopes, João Bosco Cárceres, Ana Pereira Seixas, Pedro Mártires da Costa, Matias Marçal / Furama, Abati, Fernando Rodrigues, Rebenta,  Joni GPK, Júlio Caetano, Gui Campos, Pedro Mate-Klamar, Samoro, Domingas/Mika e Liliana Simões.

 

Embaixador de Angola presente na cerimónia

A presença de Angola no evento fez-se sentir de diversas formas.

Da Esqª para a Dtª: Wilson Tavares (filho de António Tavares homenageado a título póstumo), Fernanda da Silva (mulher de M. Azancot de Menezes), Azancot de Menezes, Embaixador de Angola (José Andrade de Lemos) e Euclides Zage (Encarregado de Negócios de Angola)

Por um lado, foi condecorado a título póstumo António da Conceição Tavares, um dirigente associativo e activista angolano que muito se dedicou à causa de libertação de Timor-Leste. Esteve a receber a condecoração o seu filho, Wilson Lima Tavares.

Por outro lado, o Embaixador de Angola em Timor-Leste (José Andrade de Lemos) e Euclides Zage (Encarregado de Negócios de Angola) também participaram na cerimónia de condecoração.

É de relembrar que Angola foi das nações dos PALOP que mais apoiaram a luta de libertação nacional de Timor-Leste, em termos diplomáticos, financeiros e logísticos.

Angola reconheceu a proclamação da independência de Timor-Leste em 28 de Novembro de 1975 e atribuiu o estatuto de embaixadores a todos os representantes da FRETILIN que residiram em Angola.

O Presidente da República de Timor-Leste referiu que foram reconhecidos “aqueles que trabalharam incansavelmente para fortalecer a nossa nação e promover a paz, a democracia e o desenvolvimento em Timor-Leste” e que “os prémios simbolizam a nossa profunda gratidão aos nossos cidadãos e amigos internacionais que estiveram connosco em nossa jornada de desenvolvimento nacional, contribuindo com a sua experiência e dedicação tanto dentro de nossas fronteiras quanto no exterior”.

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