Não tinha 25 anos feitos quando cheguei a Moscovo, vindo de Bruxelas, em finais de novembro de 1973, na convicção de que o regime português estava ainda para durar por muito tempo.
Depois da chamada “primavera marcelista”, a onda repressiva acentuara-se de novo e o estado de ânimo entre a oposição, naquela altura, era de grande desalento.
Um desalento que o inverno russo e a difícil adaptação às condições locais só fizeram acentuar. Eis se não quando, passados pouco meses, para surpresa de todos, chegou o 25 de Abril!
As notícias eram escassas e as comunicações difíceis. Era ainda o tempo em que se tinha de pedir às telefonistas uma ligação internacional e depois ficar à espera, durante horas, sabendo que tudo iria ser escutado e gravado.
No entusiasmo em que fiquei, o que me valeu foi um velho rádio militar russo que existia, meio esquecido e sem uso, na redação África em língua portuguesa da Rádio Moscovo. O sinal era péssimo – só conseguia entender alguma coisa com o ouvido literalmente colado ao aparelho; mas dava ainda assim para acompanhar as peripécias dos acontecimentos através da velha Emissora Nacional.
Passava lá os dias, seguindo a par e passo, como podia, o que se passava em Portugal.
A junta militar que tomou o poder e sobretudo o discurso recuado e ambíguo de Spínola em relação à guerra nas colónias não inspiravam grande confiança; mas logo se percebeu que havia outra dinâmica em curso e que estávamos “apenas no início” – na vox populi captada nas ruas no calor dos acontecimentos por esse grande repórter que é Adelino Gomes. Quis de imediato deixar tudo, fazer as malas, e voltar para Portugal, de onde tinha saído clandestinamente em 1971.
Mas o passaporte não estava comigo e não me foi cedido de imediato, pelo que (na ausência, ainda, de embaixada de Portugal em Moscovo), fiquei bloqueado durante meses, sem poder vir partilhar a alegria da libertação para qual, ainda que modestamente, também tinha dado a minha contribuição através da luta do movimento estudantil, na Faculdade de Direito de Lisboa e da ligação com o movimento operário, na região de Vila Franca, onde residiam os meus pais.
Esse período forçado na Rússia mudou todo o meu estado de alma e mudaria também a minha vida para sempre. Quando finalmente pôde regressar, em novembro de 1974, já vinha desiludido e com a morte na alma. Mas essa é outra estória que não cabe aqui.
Aqui cabe apenas assinalar como vivi – graças à existência de um velho rádio e ainda que a milhares de kms de distância, em consonância com o meu país – um dos meus dias mais felizes de sempre – o 25 de Abril de 1974.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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