Na próxima semana tem início a 65.ª edição do Festival de Cinema de San Sebastián /’Zinemaldia’. A minha atenção começa, por isso, a ficar focada na mostra basca. A deste ano será a minha “30.ª edição”.A memória cinéfila de hoje remonta à minha primeira presença, em 1988. Uma década depois do fim do ‘franquismo’, pela mão de Diego Galán, o Festival estava a iniciar uma trajectória de recuperação da importância e do ‘glamour’ que tinha tido no passado.
Festival de San Sebastián, ano 1988
No júri estavam, entre outros, Nagisa Oshima e Robert Kramer, e com filmes na competição ou nas secções paralelas avultavam os nomes de Bernardo Bertolucci, Roman Polanski, os dois Krzysztof’s polacos – Kieślowski e Zanussi -, Nelson Pereira dos Santos, Liv Ullmann, Melanie Griffith, Stefania Sandrelli, Victoria Abril, Carmen Maura, a então jovem realizadora italiana Francesca Archibigi, e muitos outros. Nessa época, e com todas estas vedetas, o ‘Zinemaldia’ era um festival importante, mas estava muito longe de ser o “gigante” em que se transformou em anos recentes. Naquele tempo era possível, a um qualquer espectador, conversar facilmente com actores e realizadores mesmo fora das conferências de imprensa.
Na estratégia de crescimento desenhada por Galán estava o Prémio Donostia, galardão de carreira criado em 1986 e que nos dois primeiros anos distinguiu Gregory Peck e Glenn Ford. Nesse, hoje longínquo, 36.º Festival o Prémio Donostia (o terceiro) era Vittorio Gassman.
Prémio Donostia: Vittorio Gassman
O actor italiano, na altura com 66 anos, tinha já no seu currículo mais de 100 filmes (o primeiro de 1946) e tinha trabalhado com quase todos os grandes realizadores e actores italianos. Também actor de teatro (actividade que haveria de manter em paralelo com a sua vida no cinema), Gassman era dotado de uma notável versatilidade que lhe permitia representar com o mesmo à-vontade os clássicos de Shakespeare ou os filmes do neo-realismo e da “comédia italiana”.
Em 1988, o novo “Kursaal” (do prémio Pritzker, Rafael Moneo) ainda não tinha começado a ser construído. A sala principal era a do belo Teatro Victoria Eugenia e as conferências de imprensa eram realizadas no Hotel Maria Cristina.
No dia 23 de Setembro de 1988 lá fui eu ver e ouvir Vittorio Gassman. Falou-se, obviamente, dos filmes em que participou, dos realizadores com que trabalhou, do tabalho enquanto actor de teatro, dos livros que até então tinha escrito. Demoradamente. Até que…
… o eficientíssimo tradutor das conferências de imprensa anunciou que só havia tempo para mais duas perguntas. Estava Gassman a responder à primeira quando o referido tradutor, abruptamente, informou que a conferência tinha que ser interrompida e convidou os presentes a sair.
Saí do Hotel Maria Cristina e caminhei (talvez uns 200 metros) até à Plaza de Guipúzcoa intrigado com a forma como tinha acabado o encontro com o actor italiano.
Acontecimento marcante fora festival
Mal entrei na ‘Plaza’, o que vi? Um corpo estendido num passeio, coberto por um lençol! Era um suposto elemento da ETA que tinha sido abatido pelas forças policiais.
Uns minutos passados e, no ‘Boulevard’ um autocarro começava a arder. Uma hora depois, se tanto, e para meu grande espanto, a esplanada do ‘Reloj Berri’ estava repleta. A menos de cinquenta metros do autocarro ainda fumegante…
E foi assim que eu tomei consciência do grau de banalização a que a violência e a confrontação tinham chegado naquelas paragens.
No dia seguinte, pela manhã, passei pela Plaza de Guipúzcoa. O sítio onde eu tinha visto o corpo estava agora coberto de flores.
De volta ao festival
À noite, na cerimónia de encerramento Vittorio Gassman recebeu o Prémio Donostia.