… e que, se reflectirmos bem sobre ele, traz lições susceptíveis de virar o próprio jogo, assim se criem condições para aplicá-las à letra.
Ora, é apenas um campeonato de futebol e as reacções são empoladas por efeitos de uma propaganda que gera intoxicação anestésica…, dirão muitos. Com a sua quota-parte de razão, não o neguemos, tendo em conta o vastíssimo historial de manipulação em torno do fenómeno futebolístico.
No entanto, o contexto em que os factos acontecem pode ser uma grande oportunidade para transformar esta manipulação num instrumento motivador em torno da essência nacional e na sua afirmação soberana em organismos e circunstâncias que são visivelmente hostis a Portugal e chegam a ser cruéis para os portugueses.
É evidente que um campeonato europeu de futebol não vale nada perante a mentalidade xenófoba de um Schäuble, o espírito segregacionista de um Juncker – para quem “a França é a França”, isenta de sanções porque não se lhe aplicam as regras do défice “de uma forma cega” – as práticas torcionárias dos interesses financeiros que patrocinam o funcionamento da União Europeia.
Tão pouco lhes interessa que um povo se tenha reencontrado com interesses e emoções entretanto arrastados pela torrente contínua de humilhações, exigências, sacrifícios que chegam dessa tal Europa capaz de tratar as pessoas com o desprezo absoluto que se reserva para as insignificâncias.
A lição desta enorme vitória desportiva tem de ser aprendida e aplicada numa outra perspectiva
Sabemos muito bem como as elites, principalmente os clãs políticos até há pouco dominantes em Portugal, se colam aos êxitos desportivos, de tal maneira que muitas vezes é difícil traçar a fronteira entre o reconhecimento genuíno e o oportunismo cínico.
Trata-se de gente que tem sido capaz de saudar as conquistas desportivas como feitos de um povo, ao mesmo tempo que hipoteca a vida desse povo subordinando-o a exigências, interesses e ordens externas prejudiciais à grande maioria dos cidadãos.
Um comportamento com estas características, levando a crer que mais nada há a fazer que não seja cumprir as ordens exteriores, porque esse é o caminho para um futuro desanuviado, afinal cada vez mais longínquo, afastou os portugueses dos valores nacionais, diluiu a imagem do país, desiludiu-os com a política, transformou-os em seres amorfos cada vez mais incapazes de reagir às malfeitorias dessa Europa que nunca esteve nem está “connosco”.
Portugal abdicou da soberania, não decide por si, está à mercê dos tubarões europeus enquanto os dirigentes do costume asseguram que é assim que tem que ser, não há volta a dar-lhe.
Uma vitória no Campeonato da Europa, com o seu quê épico-desportivo, alcançada num país que tem sido dos mais hostis e inclementes na punição e humilhação de Portugal e dos portugueses – não esquecemos que é parte do “eixo” que usa a União Europeia em proveito próprio – devolve uma sensação emotiva e patriótica que se julgava extinta.
Os portugueses redescobriram o seu país, reencontraram um orgulho que andava de rastos, constatam agora que é possível alcançar feitos com elevado grau de dificuldade e contra os mais poderosos.
Nada disto devolve a soberania perdida. Mas acorda, mobiliza; uniu os portugueses das comunidades emigrantes com os do território nacional – afrontaram juntos os representantes, simbólicos é certo, de entidades responsáveis pela humilhação e ultrapassaram-nos.
É o momento de os dirigentes portugueses em exercício levarem a sério o potencial de mobilização resultante destes feitos desportivos – o atletismo português também brilhou, igualmente em campeonatos da Europa – e da enorme vaga de orgulho nacional que provocaram.
O país afinal não desapareceu; tem voz, uma voz que pode e deve ser usada contra todos os que pretendem subjugar a vontade e os interesses dos portugueses, seja sob que pretextos for, incluindo a aplicação de regras sobre as quais não foram sequer chamados a pronunciar-se.
Havia Portugal muito antes da União Europeia e haverá Portugal certamente para além do triste fim que a União Europeia levará. E traidores sempre houve, como em 1383, 1640 ou no ultimato de 1890: mas conhece-se o destino que tiveram.
Os dirigentes portugueses não podem ignorar que na sua rectaguarda continua a existir um potencial de orgulho e mobilização com que podem contar para enfrentar estratégias injustas e ilegítimas que fazem sofrer o povo. Não precisam de dizer que sim cordatamente aos manipuladores de números e às sanguessugas da especulação.
Dizer não ao inaceitável, como a selecção de futebol espantou a adversidade e restaurou o orgulho nacional, é uma opção sempre válida.
Basta que seja claramente explicada aos portugueses, para que eles compreendam as razões, conheçam as consequências e participem nas decisões.
Em síntese: é preciso que os portugueses sejam envolvidos nas escolhas dos caminhos a seguir e sintam que a soberania é recuperável; e seria importante que essa atitude fosse assumida agora que os portugueses estão despertos, com o orgulho restaurado, acreditando que há êxitos difíceis mas não impossíveis, nem dependentes de quaisquer milagres.