O conflito ucraniano e a forma quase avassaladora como é noticiado e comentado nos meios de comunicação do Ocidente relegou para segundo plano outros grandes problemas como a pandemia ou a crise migratória. Ainda assim, notícias recentes deram conta que mais de 11 mil pessoas morreram a tentar chegar à costa espanhola nos últimos 5 anos e que só a Alemanha deve ter recebido 1,2 milhões de migrantes durante o ano que agora terminou.
A confirmarem-se estes números, a Alemanha recebeu no último ano quase tantos refugiados como durante o biénio 2015/2016, situação que na época gerou grande contestação interna e quase provocou uma crise política. Argumenta-se agora que as condições são diferentes e que muito foi feito para acolher os novos refugiados, entre os quais se contará mais de um milhão de ucranianos fugidos da guerra, embora ainda recentemente tenha sido notícia o alojamento de refugiados ucranianos num campo de contentores no desactivado aeroporto de Berlim -Tempelhof e se confirmava que tinham aumentado os ataques a alojamentos de refugiados.
Ao crescente avolumar dos sinais de esgotamento da capacidade disponível nos diversos municípios e estados federais alemães, junta-se a insustentabilidade de muitas situações de alojamento em instalações privadas (voluntariosamente disponibilizadas nas primeiras reacções ao choque dos acontecimentos, mas insustentáveis agora com o prolongar do conflito) e o aumento do fluxo de migrantes de outras origens, devido ao efeito de recuperação após o levantamento das restrições de viagens ditadas pela pandemia e pelas situações económicas e políticas em estados de trânsito como a Turquia, a Tunísia e a Líbia.
A novidade trazida pelos refugiados ucranianos, ditou a elaboração de uma estratégia comum europeia (a chamada Diretiva de Proteção Temporária para os refugiados ucranianos), onde a UE atribuindo automaticamente o estatuto de asilo temporário e a extensão de benefícios sociais em qualquer Estado-membro, distribui o respectivo ónus entre os países da união. Por outro lado, a Alemanha tem procurado adoptar um sistema de distribuição que considera os laços familiares e outros fatores que facilitam a escolha do local de instalação quando aqueles refugiados o consigam de forma individual, limitando a necessidade de distribuição pelo território aos que solicitem assistência social ou instalação.
Talvez por isso, um estudo realizado na Alemanha, entre os meses de Agosto e Outubro de 2022, tenha revelado que quase três quartos dos refugiados da Ucrânia vivem em apartamentos e casas particulares, com cerca de 25% destes a morarem com parentes ou amigos e apenas 9% a viverem em acomodações específicas para refugiados.
Ao contrário, os refugiados que não são originários da Ucrânia estão espalhados pelos diversos estados alemães, porque depois de um período inicial nos centros regionais de acolhimento, aqueles migrantes são distribuídos aleatoriamente pelos municípios de todo o país. Esse sistema não leva em conta as preferências individuais, admitindo apenas uma maior probabilidade, se houver capacidade, de indicar refugiados para instalação numa região onde já existam registo de outros membros da família.
Será preciso acrescentar mais para explicar estas diferenças?
Tudo se resumirá, como poderá parecer numa perspectiva mais simplista, a um factor emotivo (como seja o de uma guerra quase às portas de casa) ou existirão outras explicações bem mais profundas e que derivam de estigmas raciais, religiosos e culturais, invariavelmente associados aos refugiados oriundos do Médio Oriente e de África?