Condicionados que andamos pelas notícias sobre as desgraças nas áreas do ensino e da saúde e com o governo mais preocupado a resolver problemas pontuais do que decidido a enfrentar os estruturais, começa a parecer comprometida a ideia dos progressos registados no campo económico e, em especial, no crescimento da economia.
Em época de apresentação do Orçamento e de formulação de previsões para o próximo ano, ninguém se deverá espantar que o governo limite as previsões de crescimento económico em 1,5%, para 2024, depois de Bruxelas já ter revisto em baixa crescimento económico da UE para 1,4% para esse mesmo ano. Números que ainda permitem a ideia que estaremos a fazer melhor que os nossos parceiros da UE, embora longe daqueles outros que há meia dúzia de meses asseguravam que Portugal liderara o crescimento económico na Europa no primeiro trimestre deste ano.
É bonito (e útil para qualquer governo) o aparecimento de notícias de que a Economia da Zona Euro voltou a crescer, com Portugal acima da média, especialmente porque este tipo de indicadores e comparações são suficientemente cegas para esconder disparidades e desigualdades. E elas existem…
Já num trabalho apresentado na Universidade de Lisboa em 2021, escrevia Ana Luísa Coutinho:
«Durante as últimas décadas tem-se assistido a um aumento significativo das desigualdades no rendimento nos países desenvolvimentos e Portugal não tem sido excepção. O debate sobre os efeitos da desigualdade do rendimento no crescimento económico encontra-se na ordem do dia e na literatura têm sido identificadas diferentes dimensões e canais que através dos quais a desigualdade toma lugar e afecta tanto o crescimento como o desenvolvimento de uma economia. O presente trabalho procura, através da análise empírica, para o caso português, identificar quais os factores e canais que geram actualmente maiores disparidades nos rendimentos e que possam prejudicar o crescimento em Portugal entre 2006 e 2016.
Os resultados revelam que, entre 2006-2009, os rendimentos médios das famílias mais pobres cresceram, enquanto os rendimentos médios do topo da distribuição apresentaram uma diminuição, reduzindo-se, assim, a desigualdade entre os extremos da distribuição durante este período. Por outro lado, verificou-se também um aumento da desigualdade durante o período de austeridade, em particular nos extremos da distribuição de rendimentos. Este período foi também caracterizado pelo abrandamento do crescimento da economia portuguesa e pelo decréscimo do rendimento das famílias, razão pela a qual a questão da desigualdade não deve ser vista apenas como instrumento de política social, mas sim como um dos motores do crescimento económico.
A análise empírica efectuada permitiu verificar também que o impacto equalizador de um maior acesso à educação tem vindo a diminuir, embora se mantenha positivo e que o nível de desigualdade e o nível de pobreza não apresentam uma clara relação linear entre si, pelo que a diminuição das desigualdades não gera por si só uma redução do risco de pobreza.
Do ponto de vista da política fiscal e redistributiva, verificou-se que são os impostos o instrumento redistributivo mais eficaz na redução da desigualdade, mas que em termos de eficiência são as transferências sociais, excluindo as pensões, que têm maior nível de eficiência na diminuição das desigualdades.»
…que eu remato, lembrando que se no período pré-troika parece ter havido alguma redução na desigualdade, já nesse mesmo ano de 2021, quase metade da riqueza em Portugal pertencia a 5% da população, o que dará uma ideia bem mais clara das consequências da política de austeridade.
Por outro lado, lembrar que há uma década houve países europeus que sofriam de um elevado endividamento (como a Grécia e Portugal) e foram atingidos por uma crise económica que quase os levou a saírem da moeda única, mas que agora apresentam grandes crescimentos e menores problemas de endividamento, onde Portugal até deixará de ser um dos países do mundo com a maior dívida pública em 2025, é descrever apenas um dos lados do problema. Tal como em 2012 se exageraram claramente os efeitos perniciosos do endividamento, estamos agora a sobrevalorizar um crescimento que está muito longe de se reflectir no bem-estar da generalidade das populações, onde uma pequena percentagem de 5% a 10% vive bem, enquanto o resto sofre. Quando os alimentos e a energia (combustíveis e electricidade) continuam caros, o desemprego ou o subemprego grassam entre os jovens, não é descabido lembrar que a miséria trazida pela austeridade continua presente nas condições sociais.
Enquanto isto, com as taxas de crescimento das economias periféricas a subirem acima da média da UE, as famosas agências de notação de risco estão a melhorar a classificação da dívida dos PIIGS (acrónimo pejorativo originalmente usado na imprensa anglo-saxónica, para designar o conjunto das economias de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), abrindo assim o caminho para os grandes investidores e nova vaga especulativa que, num ciclo vicioso perfeito, voltará a beneficiar os mais ricos em detrimento dos mais pobres.