O Congresso norte americano aprovou, na semana passada e por esmagadora maioria, um pacote de 40 mil milhões de dólares em ajuda militar e humanitária para a Ucrânia, elevando para mais de 53 mil milhões de dólares as ajudas aprovadas nestes últimos dois meses e transformando a Ucrânia no principal destino da ajuda militar norte americana.
Mas este esforço, decidido pela administração Biden, comporta riscos para a segurança económica e nacional do próprio país, especialmente quando ninguém parece preocupado com os custos que possam resultam deste apoio financeiro e militar à Ucrânia. Nem é preciso muita perspicácia para perceber que este enorme pacote (em dois meses já se ultrapassou o montante total da ajuda militar concedida a Israel, o crónico principal beneficiário destas ajudas, em 2020) comporta vários pontos negativos, a começar pela própria incerteza no resultado final do conflito e continuando na forte improbabilidade de o fornecimento de tanques, veículos blindados de infantaria e canhões de artilharia para a Ucrânia fazer uma diferença decisiva na Batalha do Donbass em curso, devido a questões de treino, de logística e de capacidade de manutenção de equipamento apressadamente adquirido deverão restringir sua eficácia táctica e porque é extremamente difícil tentar enxertar uma miscelânea de equipamentos militares soviéticos e ocidentais num exército em plena actividade contra um oponente bem armado.
Perante tanta incerteza, o mais que se pode esperar é que o Ocidente consiga, eventualmente, saturar a Ucrânia com tanto armamento pesado e munições que o seu mero volume ultrapasse o que os russos possam derrotar, resultando num impasse, que mantenha as actuais linhas da frente do Donbass. Mas um impasse não equivale à capacidade de expulsar a Rússia da Ucrânia – como já o admitiu o próprio Pentágono – apenas a de impedir que o exército de Putin continue a avançar mais para o oeste, pelo que antes de se comemorar este resultado, é crucial entender que o que dele resultará será a transformação da Ucrânia numa versão europeia das guerras civis da Síria ou do Iémen.
Uma situação de impasse garantirá que no futuro imediato o país continue irremediavelmente dividido, com as baixas a descerem para uma taxa reduzida, mas sustentada, com as localidades ucranianas a continuarem a ser lentamente destruídas por bombardeamentos de artilharia e mísseis, num estado de guerra que mantenha a vida das populações suspensa e incapaz de reconstruir ou retomar a vida normal. Mas não serão apenas os ucranianos e os russos a sofrer se a guerra se mantiver num impasse; as condições de vida das populações ocidentais tenderão a degradar-se enquanto esse conflito durar, porque apoiar a guerra da Ucrânia não é gratuito, como já o revelam as significativas condições de stress económico que sofremos e o recente anúncio que a economia dos EUA contraiu 1,4% no último trimestre, o pior desempenho desde o início da pandemia em 2020, com a inflação homóloga a atingir os 8,3% em Abril.
Nos EUA o preço do gás subiu 50% em 2021 e este ano tem continuado a subir, mas o pior ainda estará para vir quando se começarem a fazer sentir os efeitos da quebra da produção cerealífera – a guerra na Ucrânia vai reduzir a produção do 8º produtor mundial – do mesmo modo que as sanções económicas à Rússia vão reduzir a oferta mundial de cereais (a Rússia é o 4º produtor mundial) e adubos (22% dos fertilizantes de amónia transaccionados mundialmente são produzidos e exportados pela Rússia), com a onda de choque criada a repercutir-se por todos os continentes, a pôr em risco a produção agrícola noutros países e a segurança alimentar de grande parte do globo.
À pressão alimentar somam-se as perturbações introduzidas no mercado energético; o embargo ao petróleo e ao gás russos está a assegurar a escalada dos preços do petróleo e com o aumento dos preços dos combustíveis a encarecer o preço da generalidade das mercadorias, tanto mais que estas são maioritariamente produzidas longe dos grandes mercados consumidores ocidentais, aumenta o potencial para uma tempestade económica severa.
É assim, num cenário de fragilidade económica criado pela Covid-19, combinado com o nível de inflação já recorde, o aumento dos preços dos combustíveis e a escassez de alimentos em todo o mundo, que os países ocidentais (com os EUA à cabeça e a crer em declarações do secretário de Defesa, Lloyd Austin, dizendo que a ajuda à Ucrânia era política dos EUA para “enfraquecer” as forças armadas da Rússia) parecem apostar numa estratégia de financiamento desenfreado para prolongar um conflito (o chefe do Estado-Maior norte americano, general Mark Milley, disse no Senado que esperava que a duração da guerra fosse “medida em anos”) que a todos pode lançar numa nova depressão.
Aqui nem se trata de pugnar por uma via que privilegie o interesse geral das populações, mas tão só de perceber o mais absoluto e rigoroso absurdo que é tentar degradar a situação socioeconómica e política da Rússia a expensas e com fortes prejuízos dos interesses das próprias populações ocidentais.