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Sábado, Dezembro 21, 2024

Mordaça para os deputados de segunda categoria

J. A. Nunes Carneiro, no Porto
J. A. Nunes Carneiro, no Porto
Consultor e Formador

DIA 15, FALAMOS

As eleições legislativas e a nova Assembleia da República trouxeram, logo nos primeiros dias, um inesperado atentado à Democracia: três partidos, por terem eleito apenas um deputado não constituíram formalmente um grupo parlamentar.

I

As eleições legislativas e a nova Assembleia da República trouxeram, logo nos primeiros dias, um inesperado atentado à Democracia: três partidos (Chega, Iniciativa Liberal e Livre), por terem eleito apenas um deputado não constituíram formalmente um grupo parlamentar. Ficariam, por isso, impedidos de falar nos debates quinzenais sobre o estado da nação. Surpreendentemente, os factos são estes: num primeiro momento e com ligeiras diferenças de argumentação, votaram a favor desta decisão: PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes; votaram contra: PSD, CDS e PAN.

Felizmente, por insistência do Presidente da Assembleia da República, houve marcha atrás e todos os partidos lá acabaram por aceitar de forma consensual que o princípio aplicado ao PAN na anterior legislatura se mantivesse válido até ser revisto o Regimento.

 

II

Apesar de ultrapassado, este atentado à Democraia teve contornos de escândalo e não compreendo como esta situação não motivou um vendaval político e no espaço mediático.

Vejamos as diversas facetas da questão:

  • Antecedentes: na legislatura anterior, o PAN também só tinha um deputado mas o parlamento permitiu que pudesse participar e intervir como todos os outros 229 deputados.
  • Disparates:
    1. O que formalmente impediria as intervenções dos três partidos é o articulado do próprio Regimento da Assembleia da República; este é o primeiro disparate,
    2. O segundo disparate (talvez mais grave…) é o facto de, logo em 2015, quando a questão se colocou a propósito do deputado do PAN, em vez de uma decisão precária e abrindo uma excepção não se tivesse logo ali alterado o Regimento para que o problema não se repetisse. Sobretudo quando era já muito claro que havia pequenos partidos, à esquerda e à direita, que estavam na eminência de eleger deputados.
    3. O terceiro disparate (felizmente não concretizado) seria a tentação antidemocrática de consagrar, por maioria simples, a aberração de na actual Assembleia da República passarem a existir dois tipos de deputados: os de primeira categoria (eleitos por partidos que conseguiram constituir um grupo parlamentar) e os de segunda categoria (eleitos por pequenos partidos).

 

III

Esta tentação de silenciar pequenos partidos invocando cinicamente o Regimento (e, repito, ignorando uma boa prática anterior…) é absolutamente inaceitável num Estado democrático em que o Parlamento é a casa onde se exprime a vontade dos cidadãos que com o seu voto elegem os deputados. Como é óbvio, no dia das eleições, os votos são todos iguais e todos têm o mesmo valor de facto.

Veremos, agora, em que medida as alterações ao Regimento acolherão a pluralidade de opiniões, o respeito pelas minorias e o inalienável direito  à palavra que todos os deputados têm de ter.

Escrevo completamente à vontade e apenas por uma questão de princípio porque não votei em nenhum dos três pequenos partidos em causa.

Mas escrevo e interrogo-me: com base em que princípios é que o voto de eleitores do Chega, da Iniciativa Liberal ou do Livre vale menos do que o meu?

 

IV

Assim de repente, o que parece ser mais importante sublinhar é o receio de alguns deputados em que o exemplo do PAN (que, em quatro anos, passou de 1 para 4 deputados) se repita.

Portanto, pensaram os 139 distintos deputados que tentaram aprovar esta inusitada e inqualificável decisão, que é melhor deixar de lado a Democracia e acautelar já o futuro incómodo em que a Assembleia da República possa acolher cada mais vozes divergentes. Mas, por muito incómodo que isso seja, trata-se de uma das mais básicas regras da Democracia. Certamente já ouviram falar…

Em conclusão: em vez do debate franco e livre, em vez do saudável e desejável confronto de ideias alguns dos senhores deputados prefeririam aplicar uma mordaça aos deputados de segunda categoria.

Uma vergonha e um péssimo indicador ao nível dos princípios.


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