A coletiva de imprensa do anunciado ministro da Justiça, o ainda juiz Sergio Moro, nesta terça-feira (6), foi marcada por uma tentativa de explicar como chegou ao sim a Jair Bolsonaro. Moro tentou não escorregar nas respostas e disse que seu futuro chefe é o que tem sempre razão, mas demonstrou ao longo de quase duas horas de entrevista, que há sérias discordâncias com relação a Bolsonaro.
Pelas declarações de juiz, as contradições com a pauta de Bolsonaro são muitas. Aliás, uma das principais características desse governo quem nem iniciou, são as contradições. Desde a campanha, Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, não fala a mesma língua de Bolsonaro, assim como o seu vice, general Hamilton Mourão. Agora, é a vez de Sergio Moro expor a lista de desacordos.
O magistrado, que foi convidado para participar do governo para tentar legitimar as ações de Bolsonaro, se esquivou de responder questões como a defesa de seu futuro chefe à tortura e o apoio à ditadura ou sobre ofensas a minorias sociais. “Ele pode ter feito declarações não felizes no passado e que podem ser usadas fora de contexto. Mas em nossas conversas parece moderado”, minimizou o juiz, seguindo o que disse a atriz Regina Duarte ao afirmar que o discurso homofóbico de Bolsonaro era da boca para fora.
Ao ser questionado sobre o que pensa dos ataques de Bolsonaro aos gays, em que disse que “preferia que um filho meu morresse”, e o discurso feito no segundo turno em que afirma: “vamos varrer os vermelhos do país”, Moro apenas disse que são “discursos do passado”.
Ainda na linha de reconstruir a imagem de Bolsonaro, Moro disse que existem “receios infundados” com o seu chefe e que sua presença no novo governo “pode ter um efeito salutar de afastar esses receios infundados”, reforçando a tese de que a sua ida ao governo do PSL tem o objetivo de legitimar o governo. “Porque, afinal de contas, eu sou um juiz, sou um homem de lei, então eu jamais admitiria qualquer solução que fosse fora da lei, como também o presidente eleito”, declarou.
Para jurista Leonardo Isaac Yarochewsky, professor, advogado e doutor em Ciências Penais, a afirmação de Moro é no mínimo “contraditória”, assim como é “contraditório aceitar um cargo desse por uma pessoa que defende a tortura”.
“Tirado de contexto? Ao votar pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff ele homenageou um general torturador, Brilhante Ustra. Depois falou em um programa de TV que o seu livro de cabeceira é o do Brilhante Ustra”, lembrou o professor.
Além da defesa da tortura, Bolsonaro fez uma campanha em que prometeu perseguir opositores, retaliar a imprensa que não disser o que ele quer e criminalizar os movimentos sociais e suas lideranças. Leonardo Isaac lembra que existe um projeto em tramitação no Congresso Nacional, de relatoria do senador Magno Malta – um dos fiéis aliados de Bolsonaro -, que defende incluir na chamada Lei Antiterrorismo os movimentos sociais e ideologia política.
“É um absurdo antidemocrático que fere os patamares mínimos de um Estado Democrático de Direito”, afirma o professor, apontando a contradição no discurso de Moro, que disse que aceitou se pautando na defesa da democracia.
Ministro em suspeição
Na entrevista, Moro defendeu a liberdade de imprensa e lembrou que a mídia foi fundamental para a Operação Lava Jato. “Algumas críticas da imprensa contra mim podem ter sido injustas, mas isso faz parte num ambiente de debate e tolerância”, disse o magistrado, contrariando o discurso de Bolsonaro, que tem barrado jornais impressos durante entrevistas coletivas e ameaçou cortar verbas federais de publicidade da Folha de S. Paulo, por conta da matéria sobre os disparos de fake news por parte de aliados de sua campanha.
Leonardo Isaac avalia que o aceite de Moro para ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública vem acompanhado da suspeição, diante dos atos do magistrado nos processos da Lava Jato, e principalmente no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo ele, não há nenhum problema, em tese, de um presidente da República convidar qualquer pessoa para fazer parte de seu ministério, já que se trata de uma prerrogativa prevista na Constituição.
“A grande questão é que durante o processo da Lava Jato e, principalmente, no caso Lula, algumas decisões já chamavam a atenção demonstrando a parcialidade do juiz”, afirmou o jurista, citando a condução coercitiva, que foi considerada posteriormente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em março de 2016, após ter sido anunciado como Ministro da Casa Civil, Lula foi levado até um aeroporto – sem ter sido intimado a depor -, e lá foi interrogado pela Policia Federal.
Leonardo cita ainda o vazamento de uma interceptação telefônica de uma conversa entre o ex-presidente Lula e a então presidente da República Dilma Rousseff. “E isso foi gravíssimo porque compete apenas ao STF investigar, processar e julgar um presidente da República”, reforçou. Após a divulgação ilegal à imprensa às vésperas da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, Sergio Moro pediu desculpas ao Supremo.
“Ele vazou isso para a mídia, o que influenciou diretamente na nomeação que Dilma havia feito do Lula para chefa da Casa Civil, sendo determinante para que o ministro Gilmar Mendes desse uma liminar impedindo que Lula assumisse o ministério. Agora, a história se repete ao inverso . E agora não há interesse?”, indagou o jurista.
Ainda citando os abusos cometidos por Moro ao longo do processo, o professor Leonardo Isaac resgata a condenação de Lula “num prazo nunca visto”. “Numa rapidez absurda, uma condenação bastante questionável que, ao meu ver, foi feita sem provas. Foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e rapidamente Moro determinou, antes mesmo da publicação do acordão, a prisão de Lula. Daí se seguiu o fato com o desembargador Rogério Favreto, que concedeu habeas corpus ao ex-presidente Lula. Moro estava de férias e interferiu nisso junto ao presidente da TRF 4ª Região para por vias escusas, de uma maneira nunca vista no Judiciário, cassar a liminar do desembargador Favreto. A liminar poderia ter sido questionada pela via legal, mas não da maneira e com a mobilização que teve, incluindo até o ministro da Justiça Raul Jungmann”, contou.
Para o professor de Direito Penal, “tudo isso coloca Moro numa situação de suspeição”.
“Moro foi o responsável direto por tirar Lula das eleições com a condenação, a prisão e a violação da recomendação de Direitos Humanos da ONU. Agora, ele negocia – ainda na condição de juiz, pois ele não se exonerou, o que é muito grave -, um cargo no futuro governo que fez campanha se opondo a Lula, mesmo ele não sendo candidato. Cargo num governo que fez campanha defendendo a prisão de Lula, defendendo a prisão de dirigentes do Partido do Trabalhadores. E o juiz que foi responsável por todo esse processo aceita esse cargo sem ao menos ser exonerado”, acrescenta.
Discursa como ministro, mas ainda é juiz
Na entrevista, Moro demonstrou que nenhuma dessas situações lhe causam constrangimento. “Alguns enxergaram minha ida como uma recompensa, mas é uma visão equivocada”, disse. “Não posso pautar minha vida por uma fantasia de perseguição política”, justificou.
Sobre o fato de não ter pedido exoneração do cargo de juiz após anunciar que aceitaria ser ministro do futuro governo Bolsonaro, o que configura uma infração ao Estatuto da Magistratura, Moro minimizou a ilegalidade. “Peço exoneração hoje e daqui a um mês acontece algo comigo, o que acontece com minha família? Não vejo problema nisso”, declarou o magistrado que garante que vai moralizar o país. Ao invés do pedido de exoneração, Moro apenas pediu férias, só devendo se desligar do cargo em janeiro.
Ainda sobre os temas em desacordo com Bolsonaro, ao falar sobre a proposta de criminalização de movimentos sociais, apresentada por Bolsonaro, que quer incluir na definição de organizações terroristas entidades como o Movimento dos Sem Terra e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Moro disse que tal reclassificação “não é consistente”.
Com relação à redução da maioridade penal, outra divergência. Enquanto Bolsonaro defende que maiores de 14 anos devem responder como adultos, Moro defende a redução da maioridade para 16 anos e só em casos específicos. “O adolescente tem que ser protegido, mas um adolescente acima de 16 anos que mata, tem um discernimento”, afirmou, frisando que esta redução deve se dar apenas em casos de crimes cometidos com violência. “É preciso dar Justiça a essas pessoas ”.
De acordo com o professor Leonardo Isaac, além da proposta não levar em consideração o déficit do sistema carcerário do país, aplicar a maioridade a partir de 16 anos em casos específicos, como defende Moro, gera uma contradição.
“Diminuir a maioridade penal estaremos aumentando o encarceramento sem condições mínimas das prisões brasileiras. Além disso, a proposta de Moro é de uma irracionalidade gritante. A imputabilidade diz respeito a capacidade do agente. Não tem sentido dizer que o menor tem capacidade para entender um homicídio, mas não tem capacidade para entender um furto. Isso é de uma ignorância absurda”, rebateu o professor, destacando que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta, com 750 mil presos, dos quais um quarto desses são de presos provisórios, ou seja, não foram condenados definitivamente. “Aumentar o encarceramento em massa, que é condenado por vários institutos como Defensoria Pública, Confederação dos Nacional dos Bispos do Brasil, é um absurdo”, acrescentou.
Um dos momentos de maior constrangimento para Moro na entrevista foi quando precisou responder como se sentia compor o governo tendo o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que admitiu ter recebido caixa 2 de campanha.
Moro desconversou e disse ter grande admiração pelo parlamentar por ter assumido seus erros e porque “ele foi um dos poucos deputados que defendeu a aprovação do projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção”.
Por Dayane Santos | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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