Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, usou argumentos que ferem os princípios jurídicos do processo para manter a sua competência para julgar a ação penal no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu no caso do Sítio de Atibaia.
Moro enviou ao Supremo decisão em que negou à defesa de Lula o envio do caso para a Justiça Federal de São Paulo. Os advogados alegam que a investigação não está relacionada a desvios na Petrobras e por isso não deve permanecer em Curitiba.
Apesar da questão de competência tratar apenas e tão somente a partir da denúncia apresentada pelo Ministério Público e aceita pelo juiz, Moro resolveu que a competência será ainda definida após o fim a instrução e alegações finais.
“Se os elementos probatórios citados são suficientes ou não para a vinculação das reformas do sítio a acertos de corrupção em contratos da Petrobras, ainda é uma questão a analisar na ação penal após o fim da instrução e das alegações finais”, escreveu o magistrado.
Qualquer estudante de Direito que ler tal afirmação contestará o argumento afirmando que se trata de uma violação aos princípios constitucionais.
Para o jurista Afrânio Silva Jardim, professor de Direito Processual da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o argumento de Moro fere o que determina a lei e o Código de Processo Penal.
É um equívoco dele porque a competência tem que ser examinada não em face da prova, mas da acusação, da imputação que é narrada na denúncia. Se na denúncia narra que eu atirei e matei com dolo em matar é competência de júri. Depois, se se mostrar o contrário, desclassifica”.
“Por isso eu digo em trabalhos doutrinário que não se pode declarar competência ou incompetência no inquérito policial porque não se sabe qual vai ser a acusação”, completou Afrânio. “Então, para ele examinar a competência, ele não tem que examinar os elementos probatórios coisa nenhuma. Tem que ver o seguinte: o presidente Lula está sendo acusado de quê? Isso é conexo com o crime ou com outro processo que tramita com ele? Não a prova. Isso é outra coisa”, acrescentou.
Afrânio reforça que a argumentação do Moro é equivocada porque a competência se examina tendo em vista a acusação feita na denúncia pelo Ministério Público Federal sobre aquilo que é imputado ao réu. “Isso é que é o parâmetro para declarar a competência ou incompetência em termos de processo”, frisou.
Outra aberração jurídica apresentada por Moro em sua resposta diz respeito ao ônus da prova. Em qualquer democracia do mundo, o ônus da prova é de quem acusa. E não é diferente no direito brasileiro, sendo parte das garantias do devido processo legal, princípio constitucional elencado no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988.
A lei determina que é dever do Estado, proceder à acusação formal contra os que praticarem crimes e, no devido processo legal, provar que o suspeito é o autor do crime, isto é, cabe ao órgão acusador a formulação da acusação – neste caso o MPF – a comprovação para fundamentar e validar a imposição de uma pena, caso contrário, viola-se o princípio da presunção de inocência.
Mas Moro mandou às favas os princípios processuais. Além de admitir em sua resposta que não há elementos que comprovem a culpa de Lula, reconhecendo que ainda não ficou provado que o dinheiro de contratos com a Petrobras foi diretamente utilizado na reforma do sítio, Moro ainda acusa a defesa do ex-presidente e o próprio Lula de não provar que não tem culpa.
Vale lembrar que o próprio Moro disse que no processo ainda não houve instrução ou alegações finais, portanto, não teria como o acusado antecipar tais fases.
“Aí tem uma série de equívocos também. O Lula não tem o dever de esclarecer nada. Quem tem que esclarecer é quem acusa. Tem que esclarecer e provar o que esclareceu”, salientou Afrânio. “O réu pode ficar calado e a defesa não falar nada, pois é um direito Constitucional, e isso não tira da acusação o ônus de acusar, esclarecer a acusação e provar a acusação. Além disso, ao contestar a competência se examina os fatos narrados na denúncia. Repito: a competência se examina tendo em vista os fatos narrados na acusação. Na denúncia feita pelo MPF”, acrescentou o jurista.
Segundo o Moro, em vez de tentar esclarecer os pagamentos das obras, a defesa do ex-presidente prefere “apelar para a fantasia da perseguição política”. O juiz escreveu ainda que Lula “ao invés de esclarecer os fatos e os motivos, prefere ele refugiar-se na condição de vítima de imaginária perseguição política”.
“Essa crítica a atuação do Lula e a sua defesa me parece improcedente porque o Lula não tem que esclarecer nada. Depois realizar, pedir ou pagar obras num imóvel alheio porque vai usá-lo, não quer dizer que haja corrupção com Petrobras”, rebateu.
Entenda o caso
A reclamação da defesa de Lula chegou ao STF depois que a Segunda Turma decidiu, por maioria, em abril, que trechos sobre o sítio que constam nas colaborações premiadas de ex-executivos da Odebrecht, uma das empreiteiras envolvidas no caso, deveriam ser remetidos para a Justiça Federal de São Paulo, de modo a serem melhor apurados.
Mesmo com a decisão do STF, Moro decidiu dar prosseguimento à ação penal. Ele diz que há provas suficientes para sustentar o caso, mas na resposta ao Supremo afirma que ainda está levantando as provas. A defesa de Lula reclamou ao Supremo. Por duas vezes, o relator da reclamação, ministro Dias Toffoli, negou liminares para que o processo fosse retirado de Moro.
Com a posse de Toffoli, neste mês, como presidente do STF, a reclamação foi encaminhada para a ministra Cármen Lúcia, nova relatora. Ela deverá decidir sobre como proceder para o julgamento do mérito da questão. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu que o caso do sítio em Atibaia (SP) permaneça nas mãos de Moro.
Por Dayane Santos | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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