Presença do ministro num dos símbolos da democracia serve à reflexão sobre a história dos saltos civilizatórios brasileiros. Os “esclarecimentos” do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira (20) têm o poder de elucidar muitas coisas. Além das questões diretamente envolvidas no imbróglio das revelações de conluios e relações espúrias na Operação Lava Jato, há o sentido histórico do processo que tanto atentou contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito desde que esse agrupamento sabidamente comandado por Moro se constituiu. O ex-juiz e seus procuradores exerceram um poder que a Constituição nunca pretendeu que tivessem.
Não há como o ministro se defender das evidências de que ele violou a legalidade democrática do país. Mas, independente da sua linha de argumentação, o mais importante é considerar que no Senado estará presente uma figura que simboliza uma marcha que afrontou nada menos do que os fundamentos da nação brasileira, consagrados na Constituição de 1988 — a síntese dos saltos civilizatórios do país. Mais do que este ou aquele ato grave praticado, sua presença no Senado remete à reflexão sobre os ataques a essa construção nacional.
É lamentável que no Brasil ainda seja preciso organizar lutas em defesa da democracia, a base de uma nação soberana. Foi preciso muito sofrimento para que essa questão óbvia entrasse na ordem do dia. Ela vem da acumulação de forças abolicionistas, independentistas e republicanas. Expressa a Revolução de 1930 e seu conjunto de regulações políticas, econômicas sociais. Condensa o progresso da Constituição de 1946 e o resultado da resistência que custou o sacrifício de vidas, as torturas e perseguições de toda ordem no combate à ditadura militar.
Na cadeira do Senado estará sentado um incontestável adepto do processo histórico que representa a negação de toda essa trajetória. Suas práticas como vértice da Operação Lava Jato — como acusações, suspeitas e indícios divulgados como se fossem provas de culpabilidade com o objetivo de envenenar o ambiente político — contribuíram decisivamente para o golpe do impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Há, nesses acontecimentos, além das conhecidas chicanas jurídicas — como as que levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão —, uma inequívoca afronta à Constituição e a tudo o que ela representa como acúmulo civilizatório.
Outro ultraje à Carta Magna, que tem como um dos seus esteios a definição de que o povo é soberano — o voto individual das pessoas legalmente habilitadas a votar —, foi a fraude jurídica do impeachment que nasceu e se impôs na atmosfera criada com as práticas da Operação Lava Jato. Esse processo afrontou a soberania popular, a regra básica da democracia, o caminho legítimo para quem queira ser investido nas funções públicas mais decisórias, abolindo esse direito de cidadania de dezenas de milhões de homens e mulheres.
Ao se apresentar no Senado, subjetivamente Moro responderá por tudo isso, além de estar falando pelo governo Bolsonaro. Ele estará num espaço democrático, que representa a tradição republicana brasileira, essencialmente progressista — nenhum presidente da República elegeu-se com o voto popular prometendo políticas contra o povo e a soberania da nação. Na história do país existem muitos exemplos de governos odiados pelo povo por prometer uma coisa e fazer outra.
A história mostra que a República é vista como sinônimo de independência nacional e progresso social — um movimento que surgiu com Tiradentes e seus companheiros em 1789, com os Alfaiates em 1798, com os republicanos do Nordeste em 1817 e 1824, inspirado nas ideias da Revolução Francesa e da Independência Americana. Moro simboliza o oposto dessa trajetória. Ele fala pelas “tradições republicanas” dos que foram bater em quartéis e buscar nos submundos políticos caminhos para manter o povo distante do poder.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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