O ex-chanceler alemão Helmut Schmidt morreu esta terça-feira, aos 96 anos, depois de o seu estado de saúde se ter degradado significativamente no último fim de semana. Grande figura da social-democracia alemã, Helmut Schmidt, que foi chanceler de 1974 e 1982, encarnou a “Realpolitik” durante a guerra fria.
Depois de ter sido hospitalizado em Agosto e operado em Setembro a um coágulo de sangue numa perna, regressou a sua casa em Hamburgo onde o estado de saúde piorou consideravelmente.
Fumador inveterado, cotado como grande conhecedor das questões económicas, permaneceu presente no debate político até muito recentemente, com comentários sobre a crise grega e o conflito na Ucrânia e críticas à falta de competência de Ângela Merkel nas decisões financeiras.
Gostava de dizer que “jornalistas e políticos partilham o triste destino de frequentemente falar hoje de coisas que só compreenderão realmente amanhã”.
Por ocasião do seu 95º aniversário, em Dezembro de 2013, uma sondagem da revista Stern apontava-o como o chanceler mais importante do pós-guerra (25%), à frente de Konrad Adenauer (23%), Willy Brandt (18%) e Helmut Kohl (17%).
Nascido a 23 de Dezembro de 1918 em Hamburgo, diplomado em economia, mobilizado para o serviço militar na Wehrmacht durante a Segunda Guerra Mundial, Helmut Schmidt aderiu ao partido social-democrata (SPD) em 1946, sendo eleito para o parlamento alemão, o Bundestag, em 1953.
Assumiu a chefia do grupo parlamentar do SPD em 1967, antes de ser encarregado da pasta da Defesa em 1969, que acumulará com a das Finanças de 1972 a 1974. Tomou o lugar do chanceler Willy Brandt, afastado em consequência de um escândalo, sendo reeleito em 1976 e 1980.
Schmidt dá continuidade à política de distensão com o Leste herdada de Brandt e reanima as relações franco-alemãs, cimentando uma amizade com o presidente francês Valery Giscard d’Estaing.
O chanceler pragmático joga entre a dissuasão e a distensão. Receia que o presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter (1977-1981), seja tentado por dissociar a estratégia de defesa nuclear dos EUA e a segurança da Europa, isolada face aos mísseis SS-20 de médio alcance instalados pela URSS.
No auge de sua “Realpolitik”, Schmidt obteve um reforço do poder nuclear americano na Alemanha, apesar dos protestos de centenas de milhares de alemães.
Helmut Schmidt permanece como o chanceler do confronto intransigente com o Grupo Baader-Meinhof (ou Fracção do Exército Vermelho, em alemão “Rote Armee Fraktion”, RAF), grupo de extrema-esquerda financiado por Moscovo e responsável por assassinatos em massa durante os anos 70.
Em Outubro de 1977, quatro membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina (PFLP), em acto de solidariedade com o Grupo Baader-Meinhof, sequestram o voo 181 da Lufthansa, que descolara de Palma de Maiorca na Espanha rumo a Frankfurt na Alemanha. O chanceler opta pelo ataque, em vez da negociação.
Helmut Schmidt ficará na história alemã como o político que impulsionou a conversão da social-democracia alemã à economia de mercado, iniciada em 1959, num contexto de choques petrolíferos. Faz arrancar cimeiras informais dos países industrializados e o Sistema Monetário Europeu.
Foi forçada a deixar o poder em 1982, abandonado pelos seus aliados liberais do FDP que se uniram ao Democrata Cristão (CDU) Helmut Kohl.
Aposentado do Bundestag em 1987, consagrou o tempo a conferências e aos trinta livros que escreveu, passando em 1983 a editar o semanário “Die Zeit”, que virá a dirigir entre 1985 e 1989.
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Opinião
– “Vou roubar-te esse boné…”
– “Não roubas, não, que eu ofereço-to.”
Este diálogo tem algumas décadas. O senhor que responde, com a oferta, ao “roubo” anunciado do seu boné, morreu hoje, com 96 bem vividos anos.
Lúcido, como poucos, até aos seus dias finais, Helmut Schmidt foi um dos mais acerados críticos da evolução da União Europeia, nos últimos anos, e das políticas “imperiais” de Angela Merkel. Homem de imensa dimensão intelectual e humana, Schmidt foi também, sempre, um bom amigo de Portugal que conhecia bem.
Até sempre, com o teu eterno boné e o inseparável cigarrinho, Grande Chanceler!
por José Mateus