Poucos dias após o termo da Mostra de Veneza, tem hoje início, terminando no sábado 26, outro dos mais importantes festivais de cinema europeus, o de San Sebastián, o maior da Peninsula Ibérica, obviamente condicionado pela pandemia que nos tem vindo a afectar.
Redução do número de filmes (menos 65 que em 2019, menos 31%) e de projecções (menos 159, ou seja menos 23%), redução drástica da lotação das salas (de 40 a 60%) e intervalo mínimo de uma hora entre sessões na mesma sala para permitir a desinfecção das mesmas, são algumas das medidas tomadas pela organização do certame que, presumivelmente, terá este ano uma afluência de participantes significativamente inferior à habitual.
O Kursaal (a maior sala do Festival) que costuma esgotar os seus 1700 lugares vai ter, desta feita, 600 espectadores em cada sessão.
68º Festival Internacional de Cinema de San Sebastián
Nesta edição não se realizará o habitual ‘ciclo clássico’ que chegou a ser anunciado: ‘Flores no inferno: a era dourada do cinema coreano’, dedicado ao cinema daquele país dos anos 50 e 60.
A maior parte das actividades dirigidas à indústria cinematográfica, habitualmente responsável pela presença de muitas centenas de participantes, serão realizadas em formato ‘on-line’.
Festas, recepções e coktails também foram descartados e a tradicional ‘Alfombra Roja’ ficará reservada aos fotógrafos profissionais. Não deverá também existir a habitual concentração de caçadores de autógrafos à porta do Hotel Maria Cristina.
Mas, apesar de tudo isto, vai haver Festival! Com toda a gente de máscara, é claro.
Na cerimónia de abertura uma homenagem aos festivais de cinema que não se realizaram este ano
A cerimónia oficial de abertura terá lugar hoje à noite no Kursaal, obra emblemática do Prémio Pritzker, Rafael Moneo.
Particularmente significativa será a presença de Thierry Frémaux, director do Festival de Cannes, numa cerimónia em que o Festival de San Sebastián homenageará os festivais de cinema que, devido à pandemia, não puderam ser realizados.
Registe-se que nesta edição do ‘Zinemaldia’ serão exibidos 17 filmes que estavam seleccionados para o festival francês. Só na secção oficial são 7, seis em competição e, fora de concurso, o escolhido para a sessão de encerramento. Este facto demonstra que, para além da natural rivalidade existente entre as principais mostras cinematográficas, também há lugar para a colaboração e a solidariedade.
Filme de Woody Allen abre a secção oficial
Se Nova Iorque, e Manhattan em particular, ocupam um lugar central na filmografia de Woody Allen, é sabido que o veterano realizador tem vindo, ao longo do tempo, a dedicar a sua atenção a várias cidades europeias: Londres, Paris, Roma, Barcelona,… e agora, San Sebastián.
É de Woody Allen o filme que, fora de competição, abrirá a secção oficial do ‘Zinemaldia’: “Rifkin’s Festival”, uma comédia romântica protagonizada por Elena Anaya e Louis Garrel. Esta é a história de um casal norte-americano que vai ao Festival de San Sebastián e, naturalmente, fica rendido ao encanto da cidade e do país. Mas… a mulher tem um ‘affaire’ com um realizador francês e o homem enamora-se por uma habitante da cidade basca…
Prémio Donostia em 2004, Woody Allen coloca desta forma, o próprio Festival de San Sebastián como local da acção de um dos seus filmes.
François Ozon, Naomi Kawase, Thomas Vinterberg e Sharunas Bartas competem pela ‘Concha de Ouro’
Na principal secção do certame poderão ser vistos filmes de cineastas sobejamente conhecidos, lado a lado com trabalhos de autores menos consagrados, alguns apresentando a sua primeira obra. Parte destas obras, como já foi dito, integravam a selecção do Festival de Cannes.
Do francês François Ozon, vencedor da Concha de Ouro em 2012 com “Dans la maison” e várias vezes premiado noutras edições, será projectado “Été 85”, o relato do desenvolvimento da relação entre dois adolescentes na sequência de um acidente com um barco na costa da Normandia que quase vitima um deles.
Também já premiada em San Sebastián a japonesa Naomi Kawase, autora do excelente “Uma Pastelaria em Tóquio”, apresenta agora, “Asa Ga Kuru” (Mães Verdadeiras), uma abordagem de um microcosmos familiar em que uma mulher, que não conseguindo engravidar, recorre à adopção e se vê confrontada, anos depois, com o aparecimento da suposta mãe biológica da criança.
De Thomas Vinterberg, um dos mais renomados realizadores dinamarqueses e promotor do controverso movimento ‘Dogma 95’ que pretendia extirpar o cinema de todo e quaisquer artificialismos, será apresentado “Druk” (Outra Rodada). O autor de “A Festa” parte, neste seu novo trabalho, da ideia por muitos partilhada segundo a qual todos deveríamos nascer com uma pequena quantidade de álcool no sangue. O filme relata a experiência de um grupo de professores que acreditam que, se durante a sua jornada de trabalho, conseguirem manter um grau constante de intoxicação etílica poderão abrir as mentes e aumentar a criatividade.
Sharunas Bartas, realizador lituano que é presença assídua nos principais festivais de cinema, realizou “Sutemose” (Na Escuridão), uma co-produção com participação portuguesa (Terratreme). A acção decorre na Lituânia, em 1948, e relata a luta da resistência contra a ocupação soviética concretizada com o final da 2ª Guerra Mundial.
O documentário estará presente na competição com “Crock of Gold: A Few Rounds with Shane MacGowan”, filme de Julian Temple produzido por Johnny Depp, uma celebração do poeta punk irlandês Shane MacGowan, cantor e principal compositor de ‘The Pogues’.
“Dasatskisi”, filme georgiano de Dea Kuleumbegashvili, sobre uma comunidade de Testemunhas de Jeová atacada por extremistas, “Courtroom 3H” do espanhol Antonio Mendez Esparza, centrado num tribunal de menores nos Estados Unidos, “Nakuko Wa Ineega” do japonês Takuma Sato, “Nosotros nunca morriremos” do argentino Eduardo Crespo, “Passion Simple” filme franco-belga de Danielle Arbid, ”Supernova” de Harry MacQueen (Reino Unido) e “Wuhai” do chinês Zhou Ziyang são outros filmes em competição.
A presença basca na secção oficial está assegurada por dois títulos: “Akelarre” de Pablo Agüero, uma história situada no início do século XVII, sobre uma cerimónia de iniciação de jovens raparigas, e, em projecção especial, “Patria”, uma série de oito episódios realizada por Aitor Gabilondo sobre a conturbada história recente do País Basco.
Também fora de concurso estará “Antidisturbios” de Rodrigo Sorogoyen, seis episódios de 50 minutos, sobre a actividade e excessos de uma brigada policial no centro de Madrid.
Do actor e realizador Matt Dillon (Prémio Donostia 2006) será apresentado, em projecção especial, “El Gran Fellove” um documentário que relata a carreira musical do cantor e ‘showman’ cubano Francisco Fellove (1923/2013).
“El Olvido que seremos” de Fernando Trueba, no encerramento
Do madrileno Fernando Trueba, vencedor do Oscar para o Melhor Filme Estrangeiro em 1993, com “Belle Époque” (filme rodado em Portugal), assistiremos à estreia internacional de “El olvido que seremos”, produção colombiana protagonizada por Javier Cámara. Adaptação do romance homónimo de Héctor Abad Faciolince, um dos mais destacados escritores colombianos, este filme integrou também a selecção oficial de Cannes 2020. “El olvido que seremos” foi o filme escolhido para ser exibido, fora de concurso, no encerramento do ‘Zinemaldia 2020’.
Luca Guadagnino presidirá ao júri oficial do Festival
Vencedor, em 2017, do Oscar para o melhor guião adaptado com o excelente “Call Me by Your Name”, o realizador italiano Luca Guadagnino será o presidente do júri oficial.
A produtora espanhola Marisa Fernández Armenteros, o realizador mexicano Michel Franco (Grande Prémio do Júri no recentíssimo Festival de Veneza, com “Nuovo Orden”) e a desenhadora de vestuário sueca Lena Mossum serão os restantes membros do júri.