A mudança no comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é ”cosmética” e não deve implicar em alteração na orientação geral do banco. A avaliação é do economista José Celso Cardoso. Para ele, a instituição não irá recuperar seu papel de protagonista no desenvolvimento do país. E o novo presidente terá que lidar com a contradição de conciliar o discurso liberal do governo com as pressões do empresariado, que quer financiamento do Estado para seus projetos.
Na última sexta-feira (26), a então presidenta do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, pediu demissão do cargo, alegando questões pessoais. Para o seu lugar, foi designado Paulo Rabello de Castro, que presidia o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para além do anúncio oficial, as informações dão conta de que Maria Silvia enfrentava a pressão de empresários para a liberação de crédito e o descontentamento do corpo funcional do banco, que esperava uma defesa mais enfática dos técnicos do BNDES diante das acusações feitas à instituição pela Polícia Federal. A PF investiga as operações do banco com o Grupo JBS.
Guinada liberal e criminalização do BNDES
De acordo com José Celso Cardoso, desde o impeachment, o banco deixou de ter um papel de protagonista no desenvolvimento do país e deu uma “guinada liberal” – reduzindo sua atuação.
“Você teve, durante os governos Lula e Dilma, um único presidente do BNDES – o Luciano Coutinho. Ele tinha uma visão desenvolvimentista e fez uma atuação alinhada a esse ideário, que, na época, era de expandir a atuação do banco como suporte de funding, ou seja, como provedor de recursos para o desenvolvimento”, disse.
Esta estratégia findou por alavancar uma série de setores da economia brasileira, contribuindo para o crescimento de várias empresas nacionais, que passaram a ter inclusive atuação internacional – caso da Odebrecht e da JBS, por exemplo.
“Era uma atuação baseada em uma visão de país e de desenvolvimento, que dependia de uma atuação proativa do banco. Porque o capitalismo brasileiro sempre foi débil, dependente do Estado, com pouca capacidade própria de alavancar grandes projetos de investimento, sobretudo na área de infraestrutura. Então o banco e o Estado têm um papel muito importante nesse contexto”, defendeu.
Após a chegada ao poder de Michel Temer, veio a mudança de curso. “Com o golpe, houve uma guinada radical de atuação e discurso sobre o papel do Estado e do banco no processo de desenvolvimento. Uma guinada liberal. Desde então, se passou a pregar uma redução da participação do Estado na economia, o que inclui redução da participação do banco nessa atividade de financiamento do desenvolvimento”, afirmou.
Segundo ele, no primeiro momento, essa mudança tem significado retirar ou diminuir o aporte de crédito do BNDES a projetos de investimentos. Mas, numa segunda etapa, avaliou, a ideia deve ser redirecionar a ação do banco para as privatizações, como ocorreu nos anos 90.
De acordo com Cardoso, desde o impeachment, a atuação do BNDES também esteve marcada por uma espécie de “caça às bruxas”, uma “tentativa de criminalização” do trabalho da instituição na gestão anterior, justamente pelos escândalos que apareceram envolvendo empresas que foram financiadas pelo banco.
Trocar seis por meia dúzia
Para o economista, diante desse cenário, a mudança no comando do banco, do ponto de vista político, teórico e ideológico, é como “trocar seis por meia dúzia”. “A orientação política e ideológica é a mesma: reduzir a participação do Estado na economia e, consequentemente, a participação do banco”, apontou.
Ele ressaltou, contudo, que esta orientação é contrária aos interesses dos industriais brasileiros, externando uma das muitas contradições enfrentadas pelo governo.
“A contradição aparente é essa: os empresários apoiaram o golpe e gostam desse discurso liberal. Mas, na prática, necessitam do apoio estatal para financiar seus projetos – política industrial, tecnológica, investimento em infraestrutura, etc”, destacou.
Na avaliação do economista, o novo presidente do banco deve manter o discurso da redução do papel do Estado, mas, na prática, sofrerá pressão para atender demandas específicas do empresariado, recolocando a questão da relação Estado versus desenvolvimento.
Nesse sentido, ele considerou difícil imaginar como se dará essa conciliação entre discurso e prática dentro do BNDES. “Supostamente essa mudança no BNDES teria por trás a ideia de alinhar melhor o discurso e a prática do banco com esse receituário neoliberal, tentando combinar isso com o reclamo dos capitalistas brasileiros por uma espécie de retomada do financiamento de seus projetos de investimentos. Isso intrinsecamente é contraditório. Então é difícil saber como é que um governo defende um projeto liberal na teoria vai praticar um projeto de expansão de participação do banco na economia, por exemplo”.
Panos quentes?
Cardoso projetou então que qualquer mudança mais profunda na atuação do banco, se houver, será no que diz respeito ao que ele chama de atuação “persecutória e criminalizadora” da gestão anterior.
“Do ponto de vista mais cotidiano, de toda a discussão que está em curso em torno da Lava Jato, das empresas que se beneficiaram com recursos do BNDES, pode ser que haja alguma mudança de orientação. Não sei ao certo, mas se houver mudança de atuação vai ser nesse campo e não no político, teórico, ideológico”, opinou.
Para ele, contudo, o cenário ainda é incerto e as mudanças podem ser tanto no sentido de aprofundar este processo, quanto de freá-lo. “Pode ser uma atuação que bote panos quentes, justamente porque, do outro lado do balcão, estão os aliados políticos e econômicos do golpe – os empresários que continuarão reclamando acesso aos recursos do banco. Não dá para criminalizar uns sem envolver o outro lado. Nessa relação promíscua tem os dois lados”, sublinhou.
De acordo com Cardoso, para compatibilizar essa contradição entre manter o discurso e uma prática liberal, mas atendendo às demandas do grande empresariado, “tem que jogar panos quentes nessa linha de atuação mais persecutória da gestão anterior”.
“Porque são as mesmas pessoas, as mesmas empresas. A carteira de ativos e clientes do banco não vai mudar. Continuarão sendo as empresas estatais, as grandes empresas de capital privado nacional, incluindo as que estão na Lava Jato. Esse lado da equação é que está ainda mal resolvido”, disse.
Cardoso previu ainda que, ao contrário do que espera o governo, o perfil de Paulo Rabello de Castro não deve pacificar os funcionários do BNDES, insatisfeitos com Maria Silvia. “Eu diria que a mesma resistência e aversão que ele teve dos funcionários do IBGE vai ter no BNDES, talvez até de maneira mais exacerbada, pela magnitude do banco e pela diferença de natureza. É uma impressão geral que tenho, que pode estar equivocada, mas acho que não está”, opinou.
Quando assumiu o comando do IBGE, Rabello enfrentou críticas do Sindicato Nacional dos Servidores do IBGE (ASSIBGE). Agora, no momento em que deixa o cargo, a entidade classificou a gestão como um “legado desastroso”.
“Às vésperas de completar 81 anos de existência, o IBGE tem sua imagem arranhada por um presidente que utilizou a instituição como um palanque para defesa do governo e suas contrarreformas, e com ainda mais extravagância para a projeção de si próprio”, ataca o texto distribuído durante cerimônia pelo aniversário do instituto, nesta terça (29), no Rio.
Sem protagonismo
Para o economista, o protagonismo que o BNDES teve nos governos do PT é mesmo coisa do passado. E, mesmo que empresários pressionam por financiamentos específicos, não haverá tão cedo um retorno do papel do banco como indutor do desenvolvimento.
“Não haverá uma volta, porque no período anterior havia coerência entre discurso e prática. Se advogava a necessidade de apoiar o empresariado e assim se fez. Agora não tem coerência. É difícil saber como vão resolver essas pressões. Inclusive porque o cenário mudou, estamos em uma recessão braba. Então tanto os empresários não vão entrar no jogo como antes, como esse governo não quer repetir a mesma trajetória de antes, é uma sinuca de bico”.
De acordo com ele, a forma como Temer chegou ao poder traz em si uma série de contradições, de difícil resolução e que, de um jeito ou de outro, atrapalham a retomada do crescimento. “Esse governo, porque nasceu do jeito que nasceu, está enredado em uma série de contradições. (…) Há uma paralisia decisória, um aprofundamento da crise, não há clareza de como sair da crise, ou seja, prevejo mais crise pela frente. (…) O golpe fez um estrago muito grande na economia, porque há muitas contradições para serem resolvidas que não são fáceis de serem equacionadas no curto prazo”, previu.
Por Joana Rozowykwiat | Texto original em português do Brasil
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