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João de Sousa

Domingo, Novembro 3, 2024

Na casa da minha avó

Loura, de cabelo sempre apanhado, com uns enormes e belíssimos olhos azuis. E muito bonita. Enviuvara cedo, ficando a sós com três filhos a seu encargo, dois rapazes e uma menina.

O mais velho dos dois era fisicamente parecido com ela, louro, de idênticos olhos azuis. Belíssimo e de uma elegância única. A menina crescendo, tornou-se na mulher mais bela da cidade, e tanta beleza tinha para gastar que mesmo passada a juventude e a idade adulta, continuou com a beleza que todos comentavam. Apesar dela, e da forma como tinha sido criada e educada, não foi feliz num casamento para o qual ninguém está preparado.

A casa da minha avó era composta por dois andares, e era no primeiro andar que eu permanecia e vivia quando ia para lá estar com ela. As noites em que eu por lá pernoitava eram sempre mágicas e uma aventura só. Serões e noites tão felizes que me enchem até hoje a alma e o coração. A minha avó contava-me estórias antigas que eu ouvia com a atenção máxima e na minha imaginação de criança acompanhava, ora com medo e terror, quando as estórias eram de assombro e metiam demónios e pés de cabra, ora com muito riso e alegria quando elas eram de muito humor sobre acontecimentos reais ou nem tanto, mas que ela sabia contar com uma ironia e disposição contagiantes.

Recordo certa vez em que eu teimava querer chocolate. Como não tinha em casa, tentou distrair-me do desejo. Mas qual criança, eu insistia, e distração alguma me desviava da vontade. Lojas encerradas, tarde da noite que já era, só uma avó assim como ela, amorosíssima e amantíssima, percorre cada uma das lojas, bate às portas, pede que a desculpem, mas que não pode deixar de aceder ao pedido da sua neta. E eis que traz o tão apetecido chocolate, com a satisfação por tê-lo conseguido.

A minha vida com a minha avó é uma vida assim repleta de amor e de enternecimento. Guardo em mim as melhores recordações dessa convivência e não há dia nenhum que dela não me lembre e não a lembre com o maior dos amores. Quem teve uma avó como a minha não pode dizer nunca que não foi feliz. Nos dias menos alegres é nela sempre que penso e é sempre nela que busco ânimo e fortaleza.

Como ela sempre dizia, se a vida não for vivida com valentia, não vale a pena. Mal ela imaginava a profecia das suas palavras e o efeito que elas teriam em mim.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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