O pró-reitor de Pesquisa da USP, Sylvio Canuto, fala sobre o papel da ciência durante a pandemia e os desafios para 2021.
A pandemia da Covid-19 trouxe desafios significativos para a Universidade, principalmente na área de pesquisa, que teve que se reorganizar rapidamente para atender às demandas sociais em todas as áreas do conhecimento. Atualmente, na USP, mais de 250 grupos de pesquisa interdisciplinares estão trabalhando em estudos sobre o combate ao coronavírus.
Para o pró-reitor de Pesquisa, Sylvio Roberto Accioly Canuto, uma das principais dificuldades para o próximo ano será a questão do financiamento da pesquisa.
“Esse é um tema que precisamos entender diante das dificuldades que se avizinham. Havia uma expectativa mundial que o caso da pandemia, ao demonstrar a importância da ciência, levaria à sua valorização e ao consequente aumento de financiamentos. Algo parecido com o que aconteceu após a Segunda Guerra mundial. O que estamos vendo dá mostras de que isso não ocorrerá. Ao contrário: o argumento da dificuldade econômica está vencendo e indica que deve haver restrições de financiamento à pesquisa. Não está claro para muitos que é a ciência que propulsiona o desenvolvimento, inclusive econômico”, afirma.
E como resolver esse problema? “É necessário pensar em outras formas de financiamento. Uma delas é uma maior aproximação com a indústria, algo que já vem ocorrendo, inclusive com programas elaborados pela Fapesp. Alguns grupos da USP já têm conseguido financiamentos com projetos em parceria com a indústria. Há também financiamentos externos de outra qualidade com parcerias internacionais que devem ser buscados.”
Multidisciplinaridade
“O avanço da ciência cada vez mais requer conjunção de competências. A sociedade nos coloca problemas que frequentemente não serão resolvidos por uma única disciplina. E isso é mundial”, afirma Canuto.
Canuto considera que “a divisão disciplinar realizada no passado não persistirá, pois se mostra limitada. Em alguns problemas moleculares, por exemplo, não é possível definir de forma simplista se ele é tema da química, da física, da bioquímica, etc. O combate à Covid-19 exemplifica isso. A problemática hoje envolve conhecimento de muitas áreas”.
Uma das metas para 2021 é o fomento à criação de centros multidisciplinares, nos mesmos moldes do recém-criado Centro de Inteligência Artificial, que envolve mais de 60 pesquisadores de 14 unidades de ensino e pesquisa da USP e conta com a parceria da IBM e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Há dois aspectos a serem considerados. Por um lado, as áreas avançaram umas nas outras e saudavelmente desrespeitam esses limites. Por outro lado, os problemas da sociedade hoje envolvem múltiplas disciplinas, nem sempre correlatas da forma tradicional. Nesse segundo caso, tome-se o exemplo das mudanças climáticas, saúde planetária etc. Mas, está claro que precisamos ouvir nossos dirigentes e nossa comunidade acadêmica para traçar novas políticas nessa direção. O Centro de Inteligência Artificial é um bom exemplo de um projeto num tema muito importante, eu diria até essencial, e que agrega competência disseminada em toda a USP”, ressalta.
Desenvolvimento sustentável
O pró-reitor avalia que um dos campos de pesquisa que devem ganhar maior relevo está relacionado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). No início de outubro, a Pró-Reitoria lançou um edital para selecionar projetos que tenham como foco pelo menos um dos quatro eixos temáticos: educação de qualidade; igualdade de gênero; redução de desigualdades; e paz, justiça e instituições eficazes.
O prazo para a submissão de propostas pelas Comissões de Pesquisa das unidades, museus e institutos especializados se encerrou no último dia 3 de novembro e 60 projetos foram inscritos. O resultado deverá ser divulgado até 30 de novembro.
“São metas importantes, podendo reafirmar a USP no cenário de participação internacional e, por ser um tema altamente engajado socialmente, deve também ser perseguido”, destaca.
Colaboração
Uma tendência que deve se intensificar em 2021 é a internacionalização da pesquisa. De acordo com os dados da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), cerca de 40% das publicações da USP envolvem, pelo menos, um coautor de uma instituição estrangeira.
“Penso que a tendência agora é aumentar e não somente nas publicações científicas, mas em outras parcerias. Observamos durante a pandemia que os congressos, simpósios, workshops e eventos em geral acontecendo de forma on-line eliminam barreiras geográficas. Adicionalmente, muitos temas de pesquisa são e continuarão sendo ainda mais de interesse global. O número de colaborações internacionais cresceu durante a pandemia e é sobretudo importante observar que, apesar de algumas tensões políticas, esse crescimento é proeminente entre os Estados Unidos e a China”, diz.
Segundo Canuto, o crescimento da ciência aberta é outro fator que deve estimular a colaboração e a USP tem adotado cada vez mais esse conceito, promovendo eventos para a discussão de políticas nessa área na Universidade e incentivando o desenvolvimento de projetos ligados ao assunto, como o lançamento do Edital de Apoio a Projetos de Pesquisa com Iniciativas de Ciência Cidadã, que está investindo R$ 180 mil em oito iniciativas que têm como objetivo desenvolver a pesquisa científica e promover uma aproximação da Universidade com a sociedade, trazendo benefícios a ambas.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
Publicado no Jornal da USP