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João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

“Não quero ser considerada apenas um corpo”

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Greta Scarano parte daquele perfil de mulheres que justifica a marca da beleza italiana pelo mundo fora. E não se livra até que o efeito de estampa a preceda, o que torna até mais saborosa a descoberta dos seus verdadeiros atributos. Sobretudo quando a vemos em Suburra nos sucessivos ajustes de contas, no melhor estilo do género da estirpe da vendetta mafiosa que tem gerado subgéneros no cinema mundial.

Nem damos muito por ela quando a vemos a selecionar escort girls para políticos com poder e dinheiro, no caso, o influente parlamentar Malgradi, em mais uma prestação robusta de Pierfrancesco Favino, deleitado com esta mulher que lhe fornece meninas e droga para uma noite de excessos, mas que acabará por acabar mal com a morte de uma jovem por overdose.

A necessidade de encobrir o que já era irremediável gera uma teia com consequências danosas para muitos. É neste jogo de poder e sobrevivência onde a Viola, a personagem de Greta Scarano, acaba por vingar, embora num filme que não se reduz ao estereótipo do costume e nos embrenha numa atmosfera angustiante bem defendida pelos valores de produção que fazem de Suburra um dos melhores exemplos do moderno filme de gangsters.

Scarano que percorreu a evolução televisiva, desde logo pela série Roma Criminal, onde trabalhou pela primeira vez com Sollima, entre outros projectos, evoluiu naturalmente para o cinema, até se mostrar nos últimos anos por duas vezes no festival de Veneza, primeiro com a curta Qualche Nuvola, de Saverio Di Biagio, e depois com a longa Senza Nessuna Pietà, de Michele Alhaique. Terminou, recentemente, a rodagem de La Verità sta in Cielo, do experiente Roberto Faenza. Um caso para dizer que o céu é mesmo o seu limite.

Sentada no elegante Hotel D. Pedro, em Lisboa, Scarano haveria de nos mostrar a outra faceta da actriz que não tem culpa de ser belíssima e muito sensual. Ao assumir-se profunda admiradora de Anna Magnani, percebe-se como privilegia muito mais a intensidade da interpretação do que a sedução, por exemplo, de uma Monica Vitti, talvez mais próxima da sua silhueta. Esperemos que possa vir a colaborar na versão televisiva de Suburra, que a Netflix irá produzir. Ficávamos todos a ganhar.

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Antes de mais, deixe-me dizer que fiquei muito surpreendido por este filme. Fortíssimo, intrigante e muito bem feito. Uma verdadeira surpresa. Como foi que este projecto chegou até si?

Acabou por me chegar da forma habitual, pois tive de fazer muitas audições. Isto apesar de conhecer o realizador, pois havia trabalhado com ele na série Romanzo Criminalle (2005). Nessa altura, tinha um papel pequeno. Interessei-me logo, pois ao ler o guião percebi que a personagem tinha imenso poder. A partir daí percebi que tinha mesmo de fazer este filme. Por isso, dei tudo o que tinha nas filmagens. Não sei se sabe, mas antes de ser um filme, a história partiu de um livro, Suburra (por Carlo Bonini) sobre a máfia de Roma.

 

E sobre aquele período dos ‘sete dias até ao Apocalipse?’, em Novembro de 2011?

Sim, exactamente. Nesse sentido, não me surpreendeu o facto do livro ser a ser adaptado para cinema. Estamos já tão habituados a estes problemas com a máfia e corrupção…

 

Apesar do filme ser dominado pela atmosfera masculina, o seu papel acaba por ser vital para a história. Imagino que atraiu o arco que conduzia a sua personagem…

Seguramente, sim. Gosto muito desse arco. Quando li o guião nem imaginei que a personagem iria acabar dessa maneira. Acho que ninguém espera o final dessa personagem, uma toxicodependente.

 

greta-suburraTeve uma preparação especial para esta personagem?

Sim claro. Vi muitos documentários sobre drogas duras, heroína, toxicodependentes, mas já conhecia muitas coisas, porque a minha mãe é enfermeira e tem algum conhecimento na matéria. Por isso, muitas coisas já eu sabia. Mas foi complicado porque não sei nada de drogas. Ensaiamos muito, mas acho que foi mais a preparação interior que me permitiu crescer na personagem.

 

Mas existe também uma dependência do sexo da personagem masculina, o político Malgradi (Pierfrancesco Favino), bem como uma maior exposição física da sua parte. Como é que lidou com isso?

Mas eu não estive exposta a sexo. Quando interpreto uma personagem procuro não a julgar. Apenas a interpreto, porque sou uma actriz. É claro que quando existem cenas que envolvem o nosso corpo nu é mais difícil. Eu não estou habituada a isso, sou uma pessoa normal.

 

Sendo uma actriz, não acha que essa exposição é diferente, por ser motivada pelo seu trabalho?

Sim, e eu já filmei várias cenas de sexo. Mas nunca é fácil. Em todas as vezes tento lidar com isso de uma forma ou de outra. No entanto, este é o meu trabalho, não há nada que eu possa fazer. E isto faz parte desse trabalho.

 

Será que poderemos dizer que esse é o inconveniente de uma actriz muito bela, que não pode evitar essa imagem de desejo que lhe é associada?

Sim, é inevitável.

 

Mas como se sente com isso?

Não estaria contente se fosse apenas um corpo. Não quero ser apenas um corpo. É claro que algumas personagens necessitam dessa exposição física. Mas, olhe, o que eu quero é ser uma boa actriz, não me interessa se sou bonita…

 

greta-sexy-suburra-Apesar de, no seu caso, percebermos que é uma grande actriz, considera que a beleza pode ser, para algumas actrizes, até uma desvantagem, por não lhes permitir mostrar um outro tipo de talento dramático, para além da silhueta?

Por exemplo, acabei agora um filme onde interpreto uma mulher de 50 anos, gorda. É muito diferente e é algo que eu quero fazer. Quero este tipo de desafios.

 

O do Faenza?

Sim, o do Faenza, La Verita sta in Cielo, é um filme sobre o rapto de uma rapariga nos anos 80. A minha personagem é de uma mulher, uma ex-prostituta, que sabe muitas coisas. Eu interpreto-a quando ela tem 25 anos e depois aos 50, em dois momentos distintos. Nessa altura já está gorda, bebe muito. Eu quero tentar fazer coisas muito mais variadas. Quero que as pessoas reconheçam que sou boa actriz e não apenas uma cara bonita. Quero ser como a Anna Magnani…

 

Não responda já ao que lhe quero perguntar! (risos) Porque queria perguntar-lhe, precisamente, quem admira mais no rol de excelentes actrizes que o cinema italiano nos deu…

Sim, definitivamente, a Anna Magnani. Tenho o poster dela no meu quarto. Ela representa o melhor exemplo para mim. Ela toca-me de uma maneira muito estranha. Gosto muito dela no Mamma Roma, do Pasolini.

 

Tem algum realizador em particular com quem gostasse de trabalhar?

Muito muitos. Adoro o Aronofsky, Iñarritu, Terence Malick, Jaques Audiard…

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2 COMENTÁRIOS

  1. […] Após uma semana de decisões, um deputado (Pierfrancesco Favino, um dos actores italianos que melhor fez a ponte para o cinema americano blockbuster, com pequenos papéis, ao lado de Chris Hemsworth, em Rush – Duelo de Rivais, de Brad Pitt, em WWZ: Guerra Mundial, Tom Hanks, em Anjos e Demónios, ou mesmo Adam Sandler (À Noite no Museu), prepara-se para mais uma noite de loucura, com um par de raparigas cedidas por Viola, uma gerente de escort girls, bem defendida pela belíssima Greta Scarano (que passou por Portugal durante a Festa do Cinema Italiano e com quem pudemos convers…. […]

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