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Sábado, Dezembro 21, 2024

Não sejamos inocentes: houve uma ameaça de golpe militar

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

O “esquecimento seletivo” caracteriza estes tempos estranhos que vivemos no Brasil. A semana começa sem comentários sobre a ameaça de intervenção militar feita na sexta-feira por um general da ativa, Antonio Hamilton Mourão, que não foi preso nem advertido por esta ofensa à Constituição.  Seu superior hierárquico, o comandante do Exército, general Eduardo Vilas-Bôas, apenas negou categoricamente esta possibilidade. O ministro da Defesa ficou mudo. Só no início da noite informou ter chamado o comandante do Exército a dar explicações sobre o caso. Já o comandante-em-chefe das Forças Armadas, que teoricamente é Michel Temer, não deu um pio. Afinal, ele também está no cargo por conta de um golpe, não militar, mas parlamentar. Quê moral tem para repreender pregações golpistas? Ao invés de esquecer as declarações do general Mourão, devemos nos lembrar de 1964, quando ninguém acreditava num golpe militar. Afinal, a porteira já foi aberta com a derrubada da presidente eleita Dilma Rousseff e a tomada do poder civil por uma organização criminosa. O golpe militar é o degrau que falta para o Brasil completar sua volta ao passado.

A posse da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, na manhã desta segunda-feira, guarda uma relação com as ameaças do general Mourão. Disse ele, de farda, em sua palestra de sexta-feira numa loja maçônica de Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública o elementos envolvidos em todos os ilícitos ou então nós teremos que impor uma solução. Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, temos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas. Pode ter certeza”. Ah, sim, não temos dúvidas de que os problemas seriam terríveis. Não nos esquecemos dos 21 anos da ditadura militar.

O discurso de posse de Raquel Dodge, em que pregou a “harmonia entre os poderes”,  não pode ser tomado como roteiro de sua atuação mas, nas entrelinhas, pode-se ler que o MPF, sob seu comando, será mais contido no combate à corrupção. Ela pregou mais ênfase em outras tarefas do Ministério Público, como a defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, dos índios, enfim, dos direitos difusos dos cidadãos.  Se esta pregação, que relativiza a prioridade à Lava Jato,  significar essencialmente o fim dos abusos, das delações forçadas, dos vazamentos seletivos, das punições politicamente orientadas e do populismo de alguns procuradores, tanto melhor.

Mas, caso venha a representar uma freada nas investigações que envolvem Temer e seu grupo no poder,  será a rendição da PGR. E para o general Mourão, a indulgência significará que o problema politico não foi solucionado, “retirando da vida pública os elementos envolvidos em todos os ilícitos”? E neste caso, teremos o golpe militar? Ou não se referia ao general aos que estão no governo, acusados de comporem uma quadrilha chefiada por Temer, mas a outras forças políticas? A Lula, por exemplo, com o impedimento de sua candidatura?

Em sua palestra, o general admitiu a existência de “planejamento” sobre a hipótese de intervenção e acrescentou: “O que interessa é termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos, de qualquer maneira, atingir este objetivo. Então, se tiver que haver, haverá”.  No final de semana, em declaração ao Estado de S. Paulo, minimizou o que disse, dizendo não estar “insuflando nada” e ter falado em nome pessoal.

Ainda assim, o que ele falou nunca havia sido dito por nenhuma autoridade militar depois de 1985, quando a ditadura chegou ao fim.Foi a confirmação de que ainda pulsa, nas casernas, a tentação intervencionista, adubada a partir de 2013 pelos manifestantes de direita que pediram a volta dos militares.

O “esquecimento seletivo” não pode apagar esta ameaça. Não podem os democratas fiar-se inocentemente apenas na garantia do comandante do Exército: “ Desde 1985 não somos responsáveis por turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir. Além disso, o emprego nosso será sempre por iniciativa de um dos Poderes”, disse o general Villas Bôas. Declarações parecidas também foram dadas por altas patentes antes de 1964.

Fomos convencidos, nas últimas décadas, de que golpes militares são um anacronismo que não encontram lugar no presente. Mas não acreditávamos também em golpe parlamentar, e ele veio. Este foi um fato grave, agravado pela ausência de reação dos superiores hierárquicos do general.

A autora escreve em Português do Brasil

Fonte: Brasil247

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