É falso que o Governo da altura, e em particular eu próprio, como Primeiro-Ministro, se tenha oposto à OPA da Sonae. Este é um embuste que a Sonae, o Ministério Público e os jornais afetos repetem com frequência, não deixando, por isso, de ser uma descarada mentira.
A propósito da maliciosa reportagem do Público sobre a “velha PT” gostaria de fazer os seguintes comentários:
1. É falso que o Governo da altura, e em particular eu próprio, como Primeiro-Ministro, se tenha oposto à OPA da Sonae. Este é um embuste que a Sonae, o Ministério Público e os jornais afetos repetem com frequência, não deixando, por isso, de ser uma descarada mentira. Durante todo o processo, o governo sempre se portou com total imparcialidade, nunca tomando partido e ordenando o voto de abstenção ao representante do Estado. Acontece, aliás, que um dos momentos em que o Governo teve que reafirmar essa equidistância aconteceu justamente poucos dias antes da data da Assembleia Geral em que se tomaria a decisão e na sequência de um telefonema do Dr. Paulo Azevedo, durante o qual pediu expressamente a minha intervenção para que a Caixa Geral de Depósitos votasse a favor da OPA. Respondi-lhe que o governo não tinha nenhuma razão para o fazer e não o iria fazer. Para o Público e a para a jornalista, que conhecem a história, este episódio não vem ao caso.
2. É falso que eu próprio, ou alguém em nome do Governo, tenha dado qualquer indicação de voto à Administração da Caixa Geral de Depósitos ou a qualquer dos seus membros. Isso foi já desmentido pelos Administradores, que confirmam que a decisão foi tomada em reunião do Conselho de Administração e com o único fundamento de ser esse o melhor interesse da instituição. Acresce – novo ponto que não vem ao caso, para o Público – que mesmo que a Caixa tivesse votado a favor da OPA ela teria sido recusada.
3. É igualmente falso que tenha sido o Governo a sugerir a parceria com a empresa OI. Essa foi uma decisão da exclusiva responsabilidade da Administração da PT, tendo as negociações entre as duas entidades decorrido com total autonomia empresarial. Não têm, portanto, nenhum fundamento as suspeitas apresentadas. Nascendo de um qualquer preconceito contra a intervenção do Estado, estão, por isso, ao serviço de uma certa visão política. O “patrocínio de S. Bento “, invocado sem nenhuma justificação, não passa de um insulto do jornal.
4. O Governo da altura decidiu, como todos sabem, opor-se à venda, à Telefónica, da empresa Vivo, venda essa que abandonava o tradicional plano estratégico de presença da PT no Brasil, iniciada há muitos anos atrás. O governo exerceu, então, os seus legítimos direitos, na defesa do que considerava ser o interesse nacional: não permitir uma venda cujo único objetivo vislumbrável seria apenas distribuir dividendos aos acionistas, perdendo a PT a condição de uma empresa lusófona de vocação global na área das comunicações, condição da maior relevância para a economia portuguesa. Essa decisão do governo, como o Ministério Público e o jornal parece quererem esconder, foi contrária aos interesses da maioria dos acionistas, entre os quais estava o grupo BES. No entanto, para o Público, isso parece que também não vem ao caso.
5. A única decisão que não teve oposição do governo a que presidi foi a de concretizar uma parceria estratégica, através de troca de participações, com a OI. Com efeito, em Julho de 2010, a PT anunciou a decisão de adquirir até 22% da OI Brasil, assegurando uma participação qualificada num dos maiores operadores brasileiros, e, em simultâneo, anunciou também a entrada dos acionistas brasileiros no capital da Portugal Telecom com uma participação equivalente à que era detida pela Telefónica (10%). Esta foi, repito, a única decisão que não teve oposição do meu governo – troca de participações como parceria estratégica. Nada mais.
6. Anos depois do meu governo cessar funções, mais concretamente em Outubro de 2013, foi anunciada, com grande entusiasmo e certamente com total conhecimento das virtudes do passo a dar, a operação de fusão da PT com a OI, que se viria a concretizar em Março de 2014. Anúncio em 2013, concretização em 2014. Julgo que é o bastante para afirmar que as diversas etapas para a fusão foram realizados na vigência do governo que me sucedeu, sem que este tivesse levantado qualquer objeção, podendo fazê-lo, nomeadamente, através da participação que ali detinha através da Caixa Geral de Depósitos. Também aqui isso parece que não vem ao caso.
7. Mas mais: em 26 de Julho de 2011, num dos seus primeiros atos, o governo de então decretou o fim da golden share do Estado na PT, sem que ela fosse substituída por um qualquer acordo para-social, alteração estatutária ou ato legislativo que permitisse ao Estado ter um papel relevante em questões estratégicas na área das telecomunicações. Esta decisão beneficiou diretamente, e sem qualquer contrapartida para o Estado, os acionistas privados que, recorde-se, quando compraram a PT ainda ela estava sujeita à golden share. Para o Público, esta decisão parece que também não vem ao caso.
8. Todo o artigo parte da ideia de uma cumplicidade do Governo de então com os interesses da administração da PT. Os factos demonstram a falsidade de tal imputação. Durante toda a minha governação o Grupo PT teve a maior diminuição de sempre na sua quota de mercado de assinantes e de receitas dos serviços de TV, Telefonia Fixa e Acesso à Internet.
Quota Mercado Assinantes PT | 2004 | 2011 |
TV | 80% | 35% |
Telefone Fixo | 94% | 53% |
Internet | 82% | 49% |
Estes números são expressivos, demonstrando que o Governo cumpriu exatamente os objetivos do Programa de Governo de promover uma maior concorrência, removendo barreiras à entrada no mercado e corrigindo posições dominantes. Como todos os operadores sabem, nunca, repito nunca, nenhum governo foi tão longe na promoção de um mercado diverso e concorrencial como mecanismo de desenvolvimento económico. Nunca um governo agiu de forma tão explicita no sentido de contrariar as tendências monopolistas da PT. Mas, está bem de ver, também isto não vem ao caso.
9. Chegou talvez o momento de dizer alguma coisa sobre essa estranha patranha da minha alegada proximidade com o Dr. Ricardo Salgado. Tive e tenho consideração pelo Dr. Ricardo Salgado, mas nunca fui seu próximo nem fazia parte do seu círculo de amigos. Enquanto fui Primeiro-Ministro nunca o visitei no seu banco, nunca fui a sua casa e as reuniões que tivemos sempre foram a seu pedido e no meu gabinete. A nossa relação sempre foi cordial e institucional, apesar do diferendo público relativo às nossas posições a propósito do veto do governo à saída da PT do Brasil. Vejo, todavia, com tristeza, mas sem surpresa, que a direita política, de quem ele sempre foi próximo, se procura agora distanciar, mas nunca me ocorreu que a ambição de revisionismo histórico fosse tão longe, procurando agora transformar o Dr. Ricardo Salgado em amigo dos socialistas.
10. A avaliar pelo seu comportamento há muito que percebi que os dirigentes da Sonae nunca perdem. No caso de serem derrotados, isso resulta sempre ou da deslealdade da concorrência ou da parcialidade do árbitro. Como poderia ser de outro modo dada a excelência dos seus gestores e das suas equipas? Todavia, a megalomania manifesta-se sobretudo na visão imperial da empresa. Quem não defende os seus propósitos estará seguramente ligado a outros interesses, não podendo estes deixar de ser obscuros ou ilegítimos. Não sei com quem estão habituados a lidar, mas talvez esteja na altura de amadurecerem.
11. Finalmente, temos o Público. A reportagem retoma de forma escandalosa e parcial a visão da empresa Sonae, que é a proprietária do jornal. Não vou perder muito tempo com este assunto, mas isto deve ser dito: toda a noticia, o editorial e a primeira página não passam de um serviço aos interesses económicos do proprietário, envergonhando o jornalismo decente e honesto.
Para quem não saiba, “não vem ao caso” foi a expressão que o juiz brasileiro Sérgio Moro continuamente utilizava quando surgia algum facto que pudesse pôr em causa a tese da culpabilidade do Presidente Lula da Silva