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João de Sousa

Terça-feira, Julho 16, 2024

Nas margens entre os dois rios

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Poemas de Delmar Maia Gonçalves

I

“A desgraça dos poetas”

Desgraçados dos poetas
pensadores e reflexivos
desgraçados dos poetas
verdadeiros e apaixonados
desgraçados dos poetas
sonhadores e utópicos
desgraçados dos poetas
fracos e sensíveis
desgraçados dos poetas
melancólicos e sofredores
desgraçados dos poetas
irreverentes e solitários
Pois é triste
sua agonia
neste mundo.

II

“Futilidades”

Se de algo
me queixo
é costume banal
de nos queixarmos.
Queixamo – nos
do que temos
quando temos
e do que não temos
quando sonhamos ter
e não temos!

III

“Diferença é riqueza”

Quem somos nós todos juntos?
Eles são negros
vós sois brancos
todos nós somos homens
Ele é negro
tu és branco
eu sou mestiço
Que mais haverá de melhor
além da diferença?

IV

“Dentro de mim há silêncios que cantam.”

V

Na poeira
da vida
as marcas de água
não ficam
espalmadas
sem verdades ocultas.

VI

Ventos do sul
por que me ofereces
uma pátria
podre nas entranhas?

VII

Viver no exílio
atormenta-me
o coração
Oxalá me Deus,
me devolvas
às planícies sagradas
do meu solo pátrio.

VIII

“Mulher IX”

Basta um olhar
para te sentir
basta um sorriso
para te compreender.

IX

“Mulher III”

Esse ser infame e infiel
esse ser frágil e indefeso
esse ser demoníaco e dominador
esse ser que me repele
Porque me repeles?
Esse ser que me atrai
Porque me atrais?
Esse ser que me atinge
Porque me atinges?
Esse ser que me chama
Porque me chamas?

X

“Quando serão ouvidas as vozes do silêncio?”

XI

“As árvores são as vítimas dos silêncios que cantamos.”

XII

“Já me embebedei em demasia com as loucuras e devaneios alheios.”

XIII

Na morte encontramos vida
na vida encontramos morte
A ilusão de uma
é a certeza de outra.

XIV

“Definição”

Divagação:
mestre do nada
Reflexão:
pai do todo.

XV

“Verbo”

O que resta ao poeta
senão viver inconformado
e não vergado

Embora
em voz silenciada
ninguém consegue
calar a voz do verbo
no fogo da vida.

XVI

“Respeito as pulgas. São parasitas sem máscaras.”

XVII

“Nas margens entre os dois rios”

Nas margens
entre os dois rios
vozes ancestrais
me chamam
Porque me chamam?

Vozes ancestrais
me incentivam
Porque me incentivam?
Vozes ancestrais
me guiam
Porque me guiam?
Vozes ancestrais
me protegem
Porque me protegem?

XVIII

As ânforas
que nós oleiros
construímos
Não são
somente de pó
São também
de sangue!

XIX

Que nossos corpos
sirvam de adubo
fertilizando
os campos do futuro.

XX

Entre o silêncio
das pedras que cantamos
há pássaros de morte.

XXI

Na viagem
descobri que os lírios
choram em terra queimada.

XXII

Se um dia for pó
que seja
nas raízes de um baobá.

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